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Intérpretes de Libras atuam cada vez mais em eventos culturais e garantem acesso de surdos às artes

Serviço requer preparação específica, o que inclui basicamente conhecimentos sobre a Língua Portuguesa, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e expressões artísticas

Eduardo Rocha

A cultura é considerada como a base da identidade de um povo, e, então, ter acesso a espetáculos culturais, como shows musicais, peças teatrais e lançamento de livros, por exemplo, é fundamental para todos os cidadãos, o que inclui pessoas surdas de todas as idades. E é aí que entram os tradutores e intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Esses profissionais garantem, por meio de um trabalho meticuloso e de alta sensibilidade, o acesso de cidadãos surdos às expressões artísticas variadas. Como resultado, não apenas contribuem para a cidadania e bem-estar desse público como também se retroalimentam com o feedback positivo dessas pessoas. Eles constatam, inclusive, que a demanda por seus serviços em eventos culturais tem crescido na capital paraense. Inserem-se nesse contexto os tradutores e intérpretes Fábia Nascimento, 36 anos, André Dantas, 38, e Alan Aviz, 33 anos.

Fábia conta que atua nessa atividade há 23 anos. “É gratificante, porque a gente consegue passar a informação que normalmente o surdo não tem. Se não for uma coisa direcionada para ela, essa pessoa não vai receber essa informação. Então, essa atividade é uma maneira de fazer com essa pessoa se interesse pelo que ocorre e é transmitido a ela, porque a lugares sem intérpretes eles simplesmente não vão”, destaca. Trata-se de uma forma de esses cidadãos terem acesso à realidade que os cerca, em especial, as artes.

O desafio maior para os tradutores e intérpretes de Libras, na avaliação de Fábia, é o da fidelidade ao conteúdo que está sendo dito. “É muito fácil de a gente sair do foco em um show, se empolgar com a música. A gente tem que manter o foco de que tem que passar aquela informação (inclusive, expressões fortes)”, explica Fábia. Fábia diz ser muito positiva a resposta das pessoas surdas sobre o trabalho desenvolvido pelos profissionais. “Depois que terminam os eventos, os surdos sempre esperam pela gente, agradecem por esse serviço. Justamente por isso: antes eles não tinham acesso; quando tinham, não sabiam o que estava acontecendo exatamente. Por exemplo, no Arraial do Pavulagem, em que a gente já faz há alguns anos, eles sabiam que era muito legal, mas não entendiam as letras, e hoje eles entendem as letras, Boi faz sentido, as cores fazem sentido, porque as letras das músicas fazem referência a isso”, ressalta Fábia.

Para lidar com a dualidade, duplo sentido de palavras, os intérpretes, como diz a profissional, buscam sempre colocar no sentido literal, porém, também atuar com uma parte no sentido figurado, para dar aquela entonação de duplo sentido, mas também passar o que está sendo dito ali de verdade, a intenção. “E aí, dentro do contexto, aquilo precisa fazer sentido”, acrescenta. Para lidar com metáforas, é necessário ter conhecimento sobre vocabulário, para interpretar o que é dito com fidelidade.

Ela nota o aumento da demanda por esses serviços profissionais, com maior visibilidade após a pandemia da Covid-19. “Todos os eventos públicos hoje já têm intérprete de Libras, e a gente corre atrás para colocar, de forma mais abrangente, um guia para pessoas com deficiência visual e abafadores para ruídos para pessoas com autismo”, diz, salientando que alguns eventos na cidade já dispõem desses serviços.

Traduzir e gerar emoções

Como relata o tradutor e intérprete de Libras, André Dantas, com mais de dez anos nessa profissão, na preparação para atuar nos eventos, os profissionais contatam com as pessoas que vão se apresentar e buscam saber antes o repertório ou o roteiro da peça ou, então, a sinopse do livro. A partir desse material, eles pesquisam vocabulário, se já tem outras traduções para Libras sobre aqueles temas, shows ou livros, conforme cada caso. Na maioria das vezes, ainda é exíguo o tempo para essa preparação aos eventos. André diz ter aumentado a demanda por esses serviços, inclusive, por ser uma exigência dos editais de incentivo cultural a acessibilidade para pessoas com deficiência (o que abrange as surdas).

“O meu mestrado (na Universidade Federal do Pará, em 2021) foi pesquisando essa área de tradução artística, poética, do Português para a Língua de Sinais, e uma das obras que pesquisei foi a tradução do Hino Nacional feita pelo professor surdo Cléber Couto, de Belém, que é uma referência como artista e tradutor surdo nessa área de tradução cultural, artística para Libras”, conta André. Ele ressalta que falta ainda na Região Norte um curso superior de tradução do Português para Libras.  

Quando ainda no Ensino Médio, Alan Aviz tinha uma colega de sala de prenome Renata. Foi com a Renata, que era surda, que ele descobriu o desafio de como se comunicar com uma pessoa com essa característica. Daí em diante, Alan partiu para se tornar tradutor e intérprete de Libras, profissão que exerce há 12 anos.  Ele já trabalhou em vários eventos. Ele que já atuou como intérprete em um show da cantora Joelma.

“Já fiz um show da Joelma, na pandemia. Foi na Live Verde, e foi legal. Sou fã da Joelma, e assim, para mim, foi tranquilo, por já conhecer o repertório dela. Um show assim marcante foi a da MC Carol de Niterói, um show que ela fez no Portal da Amazônia e foi assim gostoso e desafiador. A gente tinha que usar uns classificadores (construções linguísticas icônicas) muito marcantes. E fazer essa escolha na hora, no ao vivo ali foi desafiador tanto para mim quanto para o colega que também estava atuando nesse serviço”, relata. Desafio cumprido pelos intérpretes com compromisso social.

 

 

 

 

 

 

 

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