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Fora da Flip, pesquisadores lançam livros com textos inéditos e pouco conhecidos de Euclides da Cunha

Série de livros inclui reedições como "À Margem da História", que traz fase amazônica do autor de "Os Sertões"

Lucas Costa

Homenageado de um dos principais eventos literários do país em 2019, Euclides da Cunha, conhecido por sua obra-prima “Os Sertões”, também falou da destruição da Amazônia e chegou a tecer elogios à capital paraense em seus manuscritos publicados postumamente. Os textos pouco conhecidos pelo grande público ganham reedições em uma série lançada pela editora Unesp. Entre os livros está uma novíssima edição de “À Margem da História”, último livro organizado pelo próprio Euclides, que traz ensaios onde o mesmo fala do curto período em que esteve na região amazônica.

Os pesquisadores Leopoldo M. Bernucci, Francisco Foot Hardman e Felipe Pereira Rissato foram os responsáveis por adotar um novo modelo profissional de edição, limando erros tipográficos e esclarecendo imprecisões, reproduzidos ao longo do tempo. O trabalho demandou, além do estudo minucioso das 14 edições anteriores, o manuseio de manuscritos e periódicos. Bernucci e Rissato também participaram da organização de uma outra publicação da série, “Ensaios Inéditos”, com textos de Euclides nunca antes publicados, resultado de pesquisas realizadas em acervos. 

Bernucci, professor da Universidade da Califórnia, conta que começou a se interessar por estudar a obra de Euclides em 1983, a partir de uma das suas principais publicações, “Os Sertões”. Ele relembra que isto ocorreu quando iniciou a pesquisa de sua tese de doutorado nos Estados Unidos, sobre o livro “La Guerra Del Fin Del Mundo”, de Mario Vargas Llosa. 

Por outro lado, Rissato, que mora na capital paraense, teve seu primeiro contato com a obra de Euclides nos anos 1990, com uma exibição da minissérie “Desejo”, da Rede Globo. A trama narrava o drama conjugal de Euclides, que resultou em seu assassinato por um cadete do Exército que mantinha um romance proibido com sua mulher.

“A partir daí passei a pesquisar em bibliotecas tudo o que estivesse disponível sobre o autor de ‘Os Sertões’. Somado ao estudo de sua biografia, o estudo de sua obra não tardou em também despertar o meu interesse, haja vista que ambas caminham atreladas à sua trajetória”, diz Rissato.

O pesquisador, que é formado em Publicidade e Propaganda e trabalha em um banco em Belém, se dedica à pesquisa sobre a obra de Euclides como um apaixonado. Ele se descreve como um pesquisador independente, e banca todos os custos para realizar a atividade, como viagens para visitar acervos de outras cidades, por exemplo. 

“Quando estava realizando as pesquisas para meu primeiro livro, ‘Iconografia de Euclides da Cunha’ (2011), comecei a notar algumas lacunas nas publicações dos seus artigos, possibilitando a descoberta de textos que, mesmo publicados em jornais, jamais haviam sido referenciados e muito menos reunidos em livro. Nesse sentido, a pesquisa passou a ser incessante e muito prazerosa, rendendo significativos achados”, conta Rossato.

Primeiro pseudônimo revelado

Um dos "achados" das incessantes pesquisas sobre a vida e a obra de Euclides da Cunha, o qual Felipe Rissato lembra com alegria, é a descoberta do primeiro pseudônimo utilizado por Euclides: Ícaro. A informação estabeleceu uma nova data para a estreia para o autor na imprensa, em agosto de 1883, aos 17 anos; datada antes como 1984. 

Por ter sido um dos organizadores de “À Margem da História”, livro em que Euclides fala da região amazônica, Rissato destaca que por morar em Belém, a pesquisa foi bastante significativa. Ele conta que Euclides encantou-se pela cidade das mangueiras, mesmo tendo passado por ela somente duas horas, no dia 26 de dezembro de 1904; ele chegou ainda a visitar o Museu Emílio Goeldi orientado pelo prefeito Antônio Lemos. Uma curiosidade sobre a passagem do autor pela cidade, segundo Rissato, foi que ao ver o letreiro da Folha do Norte, fez questão de entrar e cumprimentar a redação do jornal. 

“Ao chegar em Manaus, no dia 30, escreveu uma carta ao pai tecendo tocantes elogios a Belém. Algo muito significativo aos habitantes do Norte, Euclides escreveu com afinco sobre a Amazônia, enfeixando os artigos, antes publicados no Jornal do Commercio, do Rio; no volume ‘À Margem da História’, que viria a ser publicado postumamente, ainda em 1909”, conta Rissato.

Bernucci considera a publicação de “À Margem da História” necessária principalmente para o público do Norte, mas também para todo o país. Ele destaca a primeira parte do livro, que reflete a preocupação social que Euclides havia demonstrado anteriormente pelo indivíduo do Nordeste, em "Os Sertões".

“O seu ponto de mira agora é aquele mesmo sertanejo, porém em outro contexto: imigrado nos seringais da Amazônia, fugido das secas do Ceará e que termina sendo mais uma vez vítima do martírio da terra e de seus patrões. Em 'À Margem da História', Euclides, além de fazer uma denúncia social sobre aqueles indivíduos que trabalham para escravizar-se ele também oferece uma singular interpretação da natureza portentosa desse fascinante território amazônico”, conta.

O livro traz ainda uma terceira parte, onde o autor faz uma síntese da história da Independência da República. “Deve também ser lido por todos os leitores já familiarizados com ‘Os Sertões’ que querem conhecer melhor o nosso país e a nossa história”, justifica Leopoldo.

Mesmo com esse trabalho de fôlego, Leopoldo Bernucci e Felipe Rissato não foram convidados para integrar a programação da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que este ano homenageia Euclides da Cunha. Apenas Francisco Foot Hardman, um dos coordenadores da coleção lançada pela Unesp deve participar de uma mesa junto a Milton Hatoum.

Atualmente, Bernucci e Rissato trabalham em pesquisas de um novo livro para a série de livros Euclidiana. Bernucci adianta que o livro será de correspondências ativas e passivas, novamente um trabalho de rastreamento de arquivos de cartas enviadas e recebidas por Euclides.

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