Racismo religioso? Filme que mostra Curupira como demônio é recebido com críticas
'Curupira - O Demônio da Floresta' tem estreia marcada para o dia 28 de outubro, e já chega envolto em polêmicas
As criaturas encantadas da Amazônia brilharam no mainstream no início do ano com a série “Cidade Invisível”, da Netflix, que apesar de ter recebido críticas sobre algumas de suas escolhas, foi bem recebida pelo público. Desta vez, um desses seres que figura no imaginário amazônico é título de uma produção carregada de controvérsias desde o anúncio de seu lançamento. Trata-se do filme “Curupira - O Demônio da Floresta”, estreia do diretor Erlanes Duarte no terror, que chega aos cinemas no próximo dia 28, com distribuição da O2 Play,
Filmado no estado do Maranhão, o longa tem produção da Raça Ruim Filmes e Lengo Studios, e coprodução da Guarnicê Produções. Quando teve seu pôster e trailer divulgados, o filme foi acusado de praticar racismo religioso, já que demoniza uma figura de proteção importante dentro de religiões de origem indígena, principalmente.
Em resposta às críticas, o diretor defendeu seu trabalho dizendo tratar-se de uma obra ficcional. “O filme não tem a intenção de ofender e não ofende nenhuma religião, pessoa ou etnia indígena. Não tocamos nesses assuntos no filme. Mas, tirando a ficção, o que o filme mostra é a discussão sobre a preservação do meio ambiente. Ele personifica de maneira forte e incisiva, e aí, é o grande debate do filme, a forma que a natureza responde a maus tratos do homem. Infelizmente, as pessoas estão julgando o livro pela capa, sem ter lido ainda. Mas tenho que certeza que todos vão entender a verdadeira mensagem do filme depois de assisti-lo”, disse Erlanes em entrevista para O Globo.
Em sua sinopse, o filme não menciona a questão ambiental destacada pelo diretor. “O que parecia apenas um passeio de fim de semana, acaba se tornando o maior desafio da vida de seis jovens, presos e perseguidos por uma criatura misteriosa. Beto, Marcos, Diana, Kauã, Carol e Jéssica, precisam desesperadamente fugir daquele pesadelo e só um velho caçador poderá ajudá- los”, descreve a sinopse.
As críticas ao filme vieram principalmente de lideranças indígenas. “Os brancos como sempre, tratando seres espirituais Indígenas como ‘Demônios’, é assim com os Povos Negros, conosco, não fariam diferente! Absurdo!”, escreveu Emerson Pataxó, liderança jovem do povo Pataxó, em uma rede social.
O estudante de Direito Alexandre Arapiun, indígena do Povo Arapiun do Pará, conta que recebeu o trailer e pôster com revolta. Ele destaca a forte presença dos encantados da floresta em produções audiovisuais recentes, e critica a falta de profundidade que estas figuras recebem, sempre postas em um lugar de folclore e lendas. “Enquanto pessoas que vivem do rio e da floresta, sabemos que essas histórias não são mero folclore, são nossas crenças”, diz.
“Temos uma ligação forte com os encantados da floresta. Para nós, o Curupira seria um ser encantado da floresta, um protetor da caça e das florestas como um todo. Tratar o Curupira como um demônio da floresta é desrespeitar nossa crença, desrespeitar as histórias que os mais velhos contavam para nós. E digo mais: demonizar esses seres encantados é uma forma de racismo religioso”, pontua Alexandre.
Em uma crítica ao filme, o blog Folclore BR - que explora a conexão entre cultura pop e elementos do folclore brasileiro - destacou que “a demonização de elementos da cultura brasileira que não possuem algum elo com a religião cristã já é um grande problema, que traz traços fortes do período colonial e do racismo estrutural que enfrentamos atualmente na sociedade”.
“Essa perspectiva colonizadora já atinge violentamente grupos minoritários negros e indígenas desde sempre e um simples poster de um filme com distribuição internacional pode sim prejudicar ainda mais esse caminho”, diz um trecho da crítica do site.
A produtora audiovisual Negritar, formada por pessoas negras e periféricas da amazônia, também declarou repúdio à produção. “É inaceitável que uma equipe produza um filme que demoniza as narrativas da Amazônia, colocando as culturas e entidades indígenas e afrodescendentes em posições antagônicas e desrespeitando-as sem levar em consideração que elas fazem parte do nosso sagrado”, diz nota divulgada pela produtora.
O Liberal assistiu
O filme de Erlanes Duarte definitivamente retrata a figura do Curupira como um demônio, proposta que traz logo no título. Se o diretor diz que uma das questões do filme é debater a preservação do meio-ambiente, isso parece ter ficado de fora do corte final do longa de pouco mais de uma hora de duração. “Curupira - O Demônio da Floresta” carrega fortes elementos do slasher, subgênero marcado por apresentar assassinos psicopatas que matam aleatoriamente, e no final parece uma grande experiência de tentativa de emular os vícios do terror hollywoodiano: sustos excessivos sempre marcados por uma trilha sonora, decisões controvérsias e mortes com muito sangue.
É difícil assistir sem pensar numa perspectiva racista, já que até o primeiro a cair é o personagem representado por um ator negro (comum no terror hollywoodiano), e a vez em que a Curupira aparece personificada, ela é uma mulher negra.
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