Fábio Horácio-Castro revela a Belém imaginária que brota na Amazônia
Capital paraense serve de ponte para contos com narrativas densas nas fronteiras entre ciência e ficção
Em princípio, o imaginário começa onde termina a realidade, em particular, o imaginário e a realidade da cidade e da região nas quais se vive. Ocorre que ele começa justamente a partir dela e ela ganha ou reforça seus contornos visíveis e sedutores a partir dele. É cruzando essa fronteira que o professor, jornalista, pesquisador e escritor paraense Fábio Horácio-Castro, 56 anos, produziu "Apontamentos sobre a Cidade Imaginária de Belém", livro que ele lança nesta sexta-feira, dia 17, às 19h, no Sesc Ver-o-Peso, bem pertinho de onde a cidade começou, na área do Forte do Presépio, em 12 de janeiro de 1616. A obra mostra uma outra veia do pesquisador bem conhecido do público universitário, jornalistas e leitores em geral. Fábio parte de algumas âncoras reais, históricas, culturais para dar asas à imaginação e concretizar oniricamente tramas e imagens surpreendentes tendo como cenário a velha e boa Cidade de Belém do Pará, que acaba de completar 409 anos de fundação.
Os belenenses e visitantes da capital do Pará e da Amazônia em geral têm algumas referências no seu itinerário que os situa no emaranhado de cenários e acontecimentos em sequência. Funcionam nesse sentido, como marcas históricas e culturais, o Ver-o-Peso, o Theatro da Paz, as universidades, escolas, igrejas e religiões, bairros, lendas, artes, fauna e flora, comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas e caboclos), a gastronomia, o carimbó, o açaí e outros frutos, o futebol e outros esportes e instituições em geral. Essas referências são dinâmicas e sujeitas a ganhar novos sentidos/significados, em particular na literatura.
Isso fica claro no livro de Fábio Horácio-Castro, autor com formação em Comunicação, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Ele atua como professor na UFPA desde 1993 e atualmente está vinculado ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA). Esse autor descreve como surgiu a obra. "Alguns contos desse livro começaram a ser escritos em 1995, quando estava terminando de escrever minha dissertação de mestrado, chamada 'A Cidade Sebastiana', que também fala de Belém. Decidi retomar a escrita desse livro agora, 30 anos depois, num momento em que Belém está no centro dos debates a respeito da Amazônia, tanto em função da COP 30 como em razão das questões culturais e econômicas que a cidade coloca", diz.
Fábio explica que se trata de um livro de ficção, "mas que brinca com a narrativa científica". "Penso que a literatura tem muito a contribuir no processo de pensar, dizer e até mesmo inventar a Amazônia. Interessante que no meu livro 'A Cidade Sebastiana' eu falo de relatos ficcionais, ligados ao imaginário social, a respeito de Belém e, neste livro, eu ficcionalizo a cidade, inventando imaginários".
Nem sempre Belém é reconhecível no livro, ao menos quando se procura os estereótipos sobre a cidade, como antecipa Fábio. "Meu compromisso é com a ficção, e não com a descrição naturalista ou culturalmente pactuada sobre a cidade", diz o autor do livro que reúne 23 contos.
"Do ponto de vista narrativo, o livro busca um padrão de realismo fantástico que, talvez, possa ser compreendido como o ensaio ficcional. O realismo fantástico atravessa o livro, mas é interessante buscá-lo na estrutura narrativa e na sua consonância com a trama e não, necessariamente, nos eventos da história contada, ainda que eles também possam estar lá", ressalta Fábio Horácio-Castro.
Os leitores, então, poderão saborear, com ou sem açaí no acompanhamento, os contos: “Apontamentos sobre o bairro mítico do Moncovo”, “A Faculdade Negra”, “A literatura fantasma”, “Três excertos sobre o caso Braancanp Ferreira”, “Memórias sobre a antiguidade”, “Motivos e consequências”, “Histórias de fantasmas”, “O Retábulo encantado. Ensaio de etnoficção”, “O Labirinto”, “Fantasmas do passado em Tchekoslováqya”, “O Testamento”, “Abdução”, “O Processo”, “A Oferenda”, “A Guigantomakia”, “Pela Metade”, “As formas compostas de exílio”, “Prólogo a um outro livro”, “A bibliografia das referências imaginárias”, “As citações”, “A dedicatória”.
Ler para crer
Nesse livro, como frisa Fábio Horácio-Castro, "o leitor vai encontrar uma Belém que ecoa e inventa imaginários, com bairros que mudam de lugar, bibliotecas enterradas, calígrafos sedutores, ventríloquos lascivos, duplos de seres humanos, poetas menores da Cabanagem, faculdades obscuras, testamentos políticos secretos...".
A partir da literatura, esse autor convida e provoca o leitor a refletir sobre suas certezas, parâmetros, cânones, para observar e descobrir Belém, a Amazônia e o mundo como um todo. "A literatura, tanto a literatura formal, essa que se vê nos livros, como a literatura que eu chamo de geral, formada pela memória oral, pelas histórias contadas no dia-a-dia, têm um poder imenso de inventar mundos. Inventar mundo significa mais do que produzir uma narrativa ficcional, significa traduzir vontades, projetos, ideias de mundo que já estão presentes na vida social e que ainda não ganharam uma forma mais ajambrada, mais específica. A literatura é uma maneira de fazer política, nesse sentido de especificar e projeta realidades por meio de idealidades", pontua Castro.
Nesse sentido, o convite do escritor vem em boa hora. "Belém precisa pensar a COP de uma maneira que não seja messiânica, como se COP fosse a redenção para alguns de seus problemas. E também precisa parar de se pensar como uma cidade que precisa ser maquiada para receber a COP. A verdadeira redenção está em tornar Belém – antes, durante e depois da COP – um espaço para a enunciação das reivindicações e de denúncia das exclusões presentes, historicamente, na Amazônia. Não que obras e melhorias urbanas não sejam necessárias – claro que são, e muito. Mas a função da COP é o debate, a reflexão e – já que vai ser realizada na Amazônia – a percepção concreta e realista a respeito da complexidade e das grandes problemáticas amazônicas, sobretudo as socioambientais", finaliza Fábio, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2021 com o romance "O Réptil Melancólico", obra também finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e semifinalista do Prêmio Oceanos.
Serviço:
Lançamento do livro "Apontamentos sobre a
Cidade Imaginária de Belém"
De Fábio Horácio-Castro
17 de janeiro de 2025
19h
No Sesc Ver-o-Peso
no Boulevard Castilhos França, 522/523
centro de Belém