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Círio de Nazaré ganha vida na literatura

Autores se revezam na arte de traduzir imagens e sentimentos da Festividade da Rainha da Amazônia

Eduardo Rocha

A beleza e as imagens marcantes do Círio de Nossa Senhora de Nazaré ultrapassam as ruas de Belém no segundo domingo de outubro e vão iluminar os olhos e mentes de leitores em cidades e tempos diferenciados, por meio da literatura. Como explica o professor universitário e pesquisador Paulo Nunes: "A literatura é um entrelaçamento de manifestações socioculturais das vivências humanas. O Círio de Nazaré não está limitado ao Catolicismo, ele se entranhou nos modos de vidas dos belemenses, feito um caleidoscópio. Por isto, ele é tão representado por nossos autores e autoras".

Nunes destaca que "o Círio é farto em mostrar os modos de ser e estar no mundo urbano amazônico, a partir de Belém". "Muitos já se ocuparam dele como procissão, rito, mito, e movimento social do Largo e Nazaré e as adjacências da Basílica, escritores que fizeram poemas, narrativas, estudos sobre este imenso caldeirão cultural multiétnico: Eneida de Moraes, Maria Lúcia Medeiros, Zeneida Lima, João de Jesus Paes Loureiro, Salomão Larêdo, Isidoro Alves, Antônio Juraci Siqueira e outros. Dalcídio Jurandir mostra a força do Círio em diversos livros, destaco a cena de Alfredo, entregando 'salgados de encomenda' na Trasladação, o que está narrado em 'Belém do Grão-Pará (1960) e em outros escritos desse autor. “Sou também fascinado pelas trovas de Marília Menezes e os escritos de Mizar Bonna e do saudoso João Carlos Pereira, são 3 autores- devotos", diz Paulo.

 "O Círio, afinal, é um grande manancial literário que testa nossa curiosidade e nossa mundivivência amazônica", pontua Paulo Nunes. Como escritores que transformam em poesia o mundo corriqueiro do Círio, Paulo Nunes destaca Agildo Monteiro, Alfredo Garcia Bragança, Cláudia Cruz, Benedicto Monteiro, Daniel Leite e Ápio Campos.

Carro dos Milagres

A advogada Wanda Monteiro, filha do saudoso escritor Benedicto Monteiro, relata que Miguel dos Santos Prazeres, protagonista da novela "O Carro dos Milagres", é o personagem elo da tetralogia amazônica de Benedicto Monteiro: "Verde Vagomundo", "O Minossauro", "A Terceira Margem" e "Aquele Um". No entanto, antes de escrever essa tetralogia, Benedicto iniciou o perfilamento de muitos de seus personagens que fariam parte de seus romances e para isso fez uma espécie de ensaio, escrevendo contos que depois formariam o seu livro de Contos "O Carro dos Milagres".

“Benedicto pensou em levar Miguel pra ver o Círio de Nazaré e poder vivenciar o que ele considerava um grande espetáculo de fogos de artifício que acontecia em dois grandes momentos da procissão. E assim, para realizar o sonho de seu personagem, Benedicto escreveu uma verdadeira saga de Miguel no seu intento de acompanhar a procissão, ver a Santa em seu Andor e ver os famosos fogos do Círio de Nossa Senhora de Nazaré", diz Wanda.

A novela "O Carro dos Milagres" foi publicada pela primeira vez no ano de 1975, como parte de um livro de contos cujo título era o nome da novela. Acerca da relação de Benedicto Monteiro com o Círio, Wanda Monteiro diz que era a de uma conexão mais afetiva do que religiosa.

Porém, Bené não era um católico, ele se dizia religioso e “guardava as religiosidades que a vida lhe apresentava, em uma cosmovisão de mundo”, como repassa Wadna Monteiro.  Para o escritor, o Círio, com elementos alegóricos e diversidade de pessoas, ultrapassava o campo do sagrado e da religião, tornando-se parte integrante da cultura do Pará. Essa conexão do escritor Benedicto Monteiro pode ser conferida como nestes versos em "Discurso sobre a Corda": "A corda é um puxirum / um mutirão / uma greve e um assalto / um assalto-súplica / um assalto-reza / uma reza-luta".

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