Festival de Brasília valoriza a sétima arte marcado por diversos discursos
A Febre (RJ), de Maya Da-Rin, fatura os prêmios de melhor filme, direção, ator, fotografia e som e a paraense Adriana De Faria leva Menção Honrosa por “Ary y Yo”
O festival de cinema mais antigo do Brasil terminou no último domingo (1º) com um saldo positivo para o cinema nacional. No momento em que a conjuntura política tenta cada vez mais limar a atividade no país, o 52º Festival de Brasília mostrou que realizadores seguem firmes, acreditando no poder transformador da sétima arte, com histórias contadas a partir de perspectivas brasileiras.
Mesmo que algumas narrativas tenham recebido duras críticas, é pelas histórias de pessoas reais e necessárias que o evento ficará marcado. O longa-metragem “A Febre”, de Maya Da-Rin foi o grande campeão na mostra competitiva em número de prêmios, levando inclusive o de Melhor Longa-Metragem pelo júri técnico; “O Tempo Que Resta”, de Thaís Borges, foi o vencedor da categoria pelo júri popular.
Ambos os filmes têm em comum os discursos emergenciais: enquanto a ficção “A Febre” traz indígenas do Amazonas (interpretados por atores indígenas) como protagonistas; o documentário “O Tempo Que Resta” traz histórias de duas mulheres da Amazônia Brasileira que lutam pela sobrevivência do espaço, enquanto uma rompeu as relações de dependência impostas pelas milícias madeireiras, a outra levantou a voz contra o agronegócio e mineração.
Paraenses
Três mulheres carregavam a missão de representar o Pará no festival: nas mostras competitivas, Adriana De Faria era a única representante, com o documentário em curta-metragem “Ary y Yo”. A produção de Adriana foi reconhecida com Menção Honrosa pelo júri técnico, pela linguagem cinematográfica e pelo discurso fílmico arrojado, conectado com o espírito de seu tempo. Jorane Castro participou da mostra paralela Território Brasil, com o documentário “Mestre Cupijó e Seu Ritmo” e a crítica de cinema Lorenna Montenegro integrou o júri técnico na mostra de curtas.
O filme mostra Adriana, uma aspirante a cineasta que viaja a Cuba para estudar documentário na Escuela Internacional de Cine y TV. Sem falar espanhol, Adriana encontra Arislay, uma esperta e corajosa garota de nove anos, que vive em um pequeno no pequeno Pueblo Textil, um povoado abandonado pelo tempo. É ali, no campo, em uma caverna, ao lado de bichos e das amigas, que Ari ensina as novas palavras à estudante, que faz um filme enquanto aprende.
Em entrevista, Adriana relembra que começou a trabalhar com audiovisual em 2015, quando participou de um curso de roteiro na Marahu Filmes, em Belém. Depois disso ainda trabalhou em um longa-metragem de animação e um curta-metragem. Em 2017, quando terminou a faculdade de Comunicação Social, decidiu procurar mais formação no audiovisual.
Foi nesse período que optou por realizar um curso de documentário para iniciantes na Escuela Internacional de Cine y TV, em Cuba, onde Ary y Yo foi desenvolvido. Sem saber falar espanhol, Adriana conta que a linguagem foi a maior barreira desde o início. Ao final do curso era necessário produzir um documentário com o tema "retrato", a partir de perspectivas observadas a volta dos alunos; foi então que Adriana decidiu transformar a dificuldade da fala em seu ponto de partida.
“A linguagem foi a maior barreira para mim porque eu não sabia falar. Eu sou roteirista, então tenho um apreço muito grande pelas palavras, e isso me dava uma agonia enorme; não conseguir me comunicar como falo em português. Percebi que essa era a experiência que eu estava vivendo”.
No processo de pesquisa para o documentário Adriana conheceu uma garota de 8 ou 9 anos, que decidiu que seria sua personagem e então iniciou o processo de pesquisa. No entanto, dificuldades surgiram no caminho e fizeram com que ela precisasse procurar outra criança, foi quando conheceu Arislay.
“A história era: eu uma estudante do Brasil que não sabe falar espanhol, e essa garota que vai me ensinar espanhol, e eu queria ensinar pra ela palavras em português no final. O filme segue essa estrutura, mas o curioso é que a Ari é uma menina muito especial, muito inteligente, super lúcida quanto a vida”, conta. “Para além de aprender a falar espanhol, que eu realmente aprendi no final das contas, eu aprendi muito com ela sobre a vida”.
Além de Brasília, o filme de Adriana já foi exibido em dois festivais na Colômbia e outros no Brasil. Sobre ter sido a única representante paraense na mostra competitiva, ela diz: “Acho isso muito louco porque tenho só quatro anos de carreira, então é uma honra muito grande de ter sido selecionada”.
Confira a lista completa de vencedores em OLiberal.com.
As mulheres e a representatividade no cinema brasileiro
“Nada será feito sobre nós sem nós”, dizia um dos trechos do texto das Manifestas, mulheres realizadoras, produtoras, diretoras, roteiristas, atrizes e outras que participaram do evento. Todas subiram juntas ao palco durante a premiação do festival, realizada na noite do sábado (30), para pedir maior presença das mulheres em todos os setores que envolvem a produção audiovisual; assim como questionar a quantidade de produções onde cenas de mulheres sendo violentadas e sexualizadas ainda tinham forte presença.
Também foi das mulheres a noite da premiação, já que nas categorias de longa e curta-metragem, os prêmios principais foram delas. Anne Celestino, atriz transexual e protagonista do filme “Alice Júnior”, de Gil Baroni, levou o prêmio de Melhor Atriz.
A atriz Bruna Linzmeyer, que integrou júri técnico na mostra competitiva de longas-metragens, disse ter ficado feliz com as discussões trazidas pelo evento. “O festival é um dos mais importantes do Brasil, super politizado [...]. Estou muito feliz com o caminho que a gente fez. Pessoalmente aprendi muito nessa trajetória, acho que todas as manifestações são legítimas, tem muitos protestos acontecendo e reconheço muitos deles. Fico feliz”, disse.
Lorenna Montenegro, crítica de cinema paraense que integrou o júri técnico da mostra de curtas-metragens, considerou intenso o processo de participar do festival. “Principalmente nesse momento da conjuntura é importante reafirmar posições, e o cinema é esse lugar do dialogo, do embate, da resistência. Meu trabalho como júri é artístico, mas também tem que ser político, tem que ter esse desdobramento de dar mais voz para as mulheres, para as populações LGBTIs, negros e todas as populações minorizadas; não por mérito político exclusivamente, mas porque os filmes são bons e têm coisas a dizer”, avaliou.
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