Abuso, prisão e drogas: no reverso da fama, as fases difíceis da vida de Rita Lee
A artista que se superou a cada dificuldade para fazer tanta gente feliz.
Inteligente, criativa, irreverente, audaciosa e transgressora. A vida lapidou a grande artista Rita Lee com altos e baixos. Abuso sexual na infância, prisão, aborto e dependência química que a levaram a ser internada para tratamento quatro vezes. A vida de Rita Lee, revelada sem filtro em duas autobiografias – a segunda com lançamento marcado para o próximo dia 22 de maio – não se resume à fama, mas se agiganta por ela ter conseguido se reerguer muitas vezes para continuar dando mais de si para o público através da música.
Rita Lee Jones nasceu em 1947 em Vila Mariana, em São Paulo, onde cresceu. Filha do dentista imigrante norte-americano Charles Fenley Jones e da pianista descendente italiana Romilda Padula Jones, conhecida por Chesea, Rita era a caçula de três filhas, junto com Virgínia e Mary.
Abuso
Na autobiografia “Rita Lee- Uma Autobiografia”, de 2016, ela revelou que, aos seis anos de idade foi violada por um técnico que esteve na residência da família para consertar a máquina de costura da mãe. Em um momento, ela ficou sozinha com o suspeito, que a atacou. "O telefone tocou, ela [Chesea] saiu para atender. Quando voltou, me encontrou sozinha no mesmo lugar, olhando petrificada para o cabo de uma chave de fenda enfiada fundo na minha vagina, de onde escorria uma gosma vermelha", escreveu na sua autobiografia. Segundo ela, o criminoso sumiu e não foi mais localizado.
"Foi o grito alucinante da minha mãe que me tirou o torpor e, vendo ela se desesperar, eu abri mó berreiro também. Não lembro de ter sentido dor, nem do que aconteceu em seguida, certamente deletei esse capítulo. Só sei que desse dia em diante as mulheres olhavam pra mim como a pequena órfã. A dor delas certamente foi muito, mas muito maior do que a minha. Chesa, Balú e Carú (mãe e irmãs) guardaram a tragédia como o grande segredo do fim do mundo de todos os tempos", revelou.
Prisão
Durante a ditadura militar, Rita Lee estava grávida do primeiro filho, Beto Lee, quando foi presa aos 28 anos. Policiais aprenderam 300 gramas de maconha na casa dela durante uma batida. Na época, a cantora negou, disse que a droga havia sido plantada no local pelos policiais que não gostavam dela. Rita ficou 45 dias presa. Quem ia visitá-la na prisão era a cantora Elis Regina, que, inclusive, reivindicou atendimento médico para ela.
"Só pode ter sido manobra do meu Anjo da Guarda ter acontecido justamente no dia em que eu estava tendo um sangramento com cólicas insuportáveis (...) O perigo de aborto era real. Nada foi feito. Naquele exato momento, chega uma carcereira dizendo: 'Rita Lee, chegou uma artista famosa aqui na portaria e tá junto com o filhinho rodando a baiana, querendo te levar de qualquer jeito' (...) Céus quem seria essa santa porreta que me aparece exatamente na hora que eu mais preciso, Nossa Senhora das Roqueiras? Chego corcunda de dor na sala do delegado e quem vem me dar um abraço dos mais fofos que já recebi na vida? Elis, aquela que fazia cara feia para os roqueiros! Elis, a musa mor da MPB!", conta Rita em sua autobiografia.
"O delegadinho da vez, sem saber se pedia autógrafo ou enfiava a cara no apontador de lápis, fazia papel do falsinho atencioso, ora oferecendo cafezinho, ora perguntando sobre música. Elis ignorou o cara e disse em alto e bom som: 'Se um médico não chegar em cinco minutos, você é que vai precisar de um cafezinho, porque eu vou convocar uma coletiva e denunciar o que está acontecendo aqui com minha amiga Rita Lee'", narrou no livro.
Em 2012, em Aracaju, quando Rita Lee anunciava que faria o último show da carreira, ela discutiu com policiais e acabou sendo detida ao final da apresentação: “Vocês não têm o direito de usar a força brutal na meninada que não está fazendo nada. Este show é a minha despedida do palco e vocês continuam tendo que guardar as pessoas, não tendo que agredir. Seus cachorros – coitados dos cachorros – seus cafajestes. Vocês estão fazendo de propósito. Eu sou do tempo da ditadura. Vocês acham que eu tenho medo? As pessoas estão esperando eu cantar, não a gracinha de vocês, seus filhos da p**a. Agora, vêm me prender”, disse ela na ocasião.
Rita foi apresentada na delegacia ao final do show, onde assinou boletim de ocorrência por desacato aos policiais e, em seguida, foi liberada.
Aborto
Rita Lee também fala sobre aborto na autobiografia e defende o direito da mulher em decidir sobre o próprio corpo: “Nenhuma mulher faz aborto sorrindo”. Ela argumenta que a mulher arca sozinha com as consequências moral e espiritual e que o universo feminino “é complexo demais para machos, religiosos e políticos meterem o bico, esses para os quais prevalecem mais o direito do feto que ainda nem nasceu ao da mãe que não deseja pari-lo por motivos que não nos cabe julgar, psicológicos, econômicos, neurológicos, até mesmo espirituais.”
“Aborto não é uma mutilação no corpo da mulher. (...) Parir e abandonar o bebezinho numa lata de lixo é criminoso. Parir e pôr para adoção é irresponsavelmente confortável. Parir e criar em condições sub-humanas é indigno”, acrescenta.
Drogas
Na autobiografia, Rita também comenta situações da dependência de drogas que sofreu por muitos anos. Como da vez em que desembarcou no aeroporto de São Paulo com um “mimoso colar de muitas voltas feito com 'miçangas' de pedrinhas de LSD coladas pacientemente uma a uma num cordãozinho de algodão”. Rita disse que pretendia vender, mas acabou usando metade da droga.
Também no livro, Rita Lee conta que havia deixado as drogas e que estava curtindo a vida com a família. "Sei que ainda há quem me veja malucona, doidona, porra-louca, maconheira, droguística, alcoólatra e lisérgica, entre outras virtudes. Confesso que vivi essas e outras tantas, mas não faço a ex-vedete-neo-religiosa, apenas encontrei um barato ainda maior: a mutante virou meditante”.
"Sigo sendo uma septuagenária bem‑vivida, bem‑experimentada, bem‑amada, careta, feliz e bonitinha (...) Tempo para curtir minha casa no mato, para pintar, cuidar da horta, paparicar meus filhos, acompanhar minha neta crescer, lamber meus bichinhos, brincar de dona de casa, escrever historinhas, deixar os cabelos brancos, assistir novela, reler livros de crimes que já esqueci quem eram os culpados, ler biografias de celebridades com mais de 70 anos, descolar adoção para bichos abandonados, acompanhar a política planetária, faxinar gavetas, aprender a cozinhar, namorar Roberto e, se ainda me sobrar um tempinho, compor umas musiquinhas", conclui.
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