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Aura e a visão de Ary Souza

Fotojornalismo paraense perde um gênio

Bruna Lima

Esta semana o jornal O Liberal e o jornalismo paraense perderam Ary Souza, um mestre das lentes. Ary fazia do jornalismo uma arte, nos dois sentidos da palavra. Além de mostrar com nitidez as belezas e misérias da realidade também sempre foi colecionador de boas histórias para conseguir a melhor foto.

Fazer fotografia não se resume ao apertar o clique, mas sim num caminho que é percorrido para chegar até esse registro. E com o Ary esses caminhos sempre foram cheios de graça e aventura. Uma das companheiras de trabalho, Lilian Oliveira, lembra que em uma greve dos servidores da Sespa ele pediu emprestado o megafone do oficial da Polícia militar, subiu em um muro e pediu para que os grevistas olhassem para cima.

"E fez uma foto aérea espetacular", disse a amiga de muitos anos de trabalho. Com o Ary, ela recorda também que foi até um covão em Ananindeua e lá ele desabou das alturas e ficou todo sujo de piçarra. "Tínhamos uma pauta com o presidente do Tribunal de Justiça do Estado em seguida e mandei ele ficar no carro. Durante a entrevista ele entrou todo sujo na sala do magistrado, que ficou com muita raiva", mas sagazmente o Ary começou a falar de futebol e logo o clima ficou descontraído.

Lilian diz que com o Ary ela passava as piores saias justas. Teve um certo dia que ela foi fazer uma entrevista com uma dentista e, como sempre inquieto, ele foi mexer no armário da entrevistada e lá achou uma dentadura gigante. 'Ele colocou na mesa, fez belas fotos e antes de sair perguntou se ela era casada. Ela respondeu que era viúva e na sequência o Ary soltou: pelo amor de Deus. Ele tinha um bocão", recorda Lilian nitidamente.

Por aí se vê o porquê dessa trajetória diferente e peculiar. Com aquele olho rasgado de índio ele sempre enxergava além. Foi com essa perspicaz que ele foi o único fotógrafo a conseguir a imagem do índio Payacan durante a prisão.

"Ele fingiu que era da policial, colocou uma jaqueta e entrou no local na maior autoridade. Ninguém desconfiou. Ele entrou e fez a foto. Enquanto os fotógrafos dos outros veículos não conseguiram", conta Bernadete Tavares, companheira de 38 anos.

Até por enfermeiro o Ary já passou. Na época da epidemia da cólera, ele entrou em um hospital disfarçado para obter a imagem de um paciente na maca típica da época, uma vez que o Estado tentava esconder a problemática. Para o Ary não existia limites.

Aventureiro da boa imagem

Luiz Braga que o diga, em homenagem de despedida ao amigo ele compara Ary como uma entidade que apenas voltou para a terra dos encantados e conta a primeira aventura que presenciou do mestre das lentes.

"Um dia dos anos 1980, passava em frente ao conjunto de sobrados próximos da sede do jornal O Liberal. Um deles incendiava com labaredas assustadoras que saiam pelas janelas que um dia eu havia fotografado. Os bombeiros lutavam, a escada Magirus, orgulho da corporação, levava as mangueiras para o topo do incêndio. Nesse momento noto um pequeno homem com uma câmera na mão subindo os degraus na direção do fogo. Fiquei observando-o trabalhar. Seu destemor e agilidade me davam frio na barriga. Quem seria esse cara? Fui ao encontro dele e perguntei seu nome: Ary Souza", recorda Luiz Braga. 

Outro acontecimento importante na vida do fotógrafo foi a cobertura do Massacre de Eldorado dos Carajás, de onde ele voltou com um grande acervo e que resultou em premiações. “O Ary sempre foi referência para todos os fotógrafos, pois quando comecei com ele eu me sentia intimidado, pois sempre foi muito astuto e arisco para conseguir uma boa imagem. Sempre foi um cara que preocupou a concorrência”, diz Oswaldo Forte, editor de fotografia de O Liberal.

Ary foi vencedor de prêmios internacionais e nacionais. Ganhou um prêmio na Suíça. Foi vencedor do Arte par. Ele chegou a desbancar 600 profissionais de várias partes do mundo, ele conquistou o prêmio do Banco Itaú Cultural de São Paulo, nos anos 90; a Bienal de Fotojornalismo em Ibirapuera, em São Paulo e entre outros.

Como todo artista, Ary Souza sempre foi vaidoso com seus títulos e conquistas. Um “Know hall” alcançando por meio de muita vivência e curiosidade. “O Ary começou na fotografia ainda adolescente. A mãe dele de criação tinha um pequeno estúdio e lá ele começou com a atividade. Ele morava num prédio anexo ao prédio do O Liberal e foi quando começou a fazer amizade e deu início na atividade profissionalmente”, destaca Bernadete Tavares.

Mas a dedicação e empenho não foi apenas à profissão. Apesar do jeito ousado e aventureiro, Ary sempre foi um pai dedicado e responsável com os filhos. “O Ary nunca deixou faltar nada para os nossos filhos. Ele sempre priorizou a educação, a saúde e o bem-estar deles”, completa a esposa.

Ela diz que se for para descrever quem é Ary Souza. Ela diz que é um aventureiro apaixonado pela vida e que estava sempre de olhos atentos para a realidade. “Ás vezes ele se fazia de ingênuo para pescar algo, mas na verdade ele estava enxergando tudo”, destaca Bernadete Tavares

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