'Ainda Estou Aqui': história tem caso semelhante em Belém, com a vida do escritor Benedicto Monteiro
Família do então deputado estadual vivenciou longos momentos de aflição em Belém

A história contada no melhor filme internacional do Oscar 2025, "Ainda Estou Aqui", ou seja, a da família do engenheiro civil e deputado federal por São Paulo Rubens Paiva, no livro, nem de longe é o único relato de violações cometidas contra o estado democrático de direito e à vida dos brasileiros durante o período da Ditadura Militar no Brasil. Aliás, existem muitas semelhanças entre a de Rubens Paiva e de outros personagens da época, como a do deputado estadual e escritor paraense Benedicto Monteiro.
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Wanda Monteiro, filha de Bené (apelido do escritor) e personalidade homenageada na Feira Pan-Amazônica do Livro e da Multivozes em 2025, a ser realizada pelo Governo do Pará, destaca: "Há muitas semelhanças em suas histórias. Ambos eram políticos de esquerda que lutavam por ideais de liberdade e justiça social. Ambos eram pais de cinco filhos e tiveram suas famílias violentamente atingidas pelo sistema ditatorial num processo brutal de silenciamento, defenestração, privando-os de um convívio social diante do estigma de uma família 'subversiva' que atentava contra o sistema ditatorial imposto pelo golpe militar de 1964. Ambos foram presos, torturados e e perseguidos pelo sistema ditatorial".
"Mas há muitas diferenças quanto à dimensão política e suas implicações. Benedicto Monteiro, na época deputado estadual pelo PTB, além de ter sido cassado covardemente pelos seus pares foi cassado pelo AI5 e ainda respondeu, por longos anos como réu, um processo pelo Superior Tribunal Militar, sendo preso, perseguido e torturado por longos anos de sua vida. Rubens era deputado federal foi cassado pelo AI5, preso, torturado e morto no quartel militar no ano 1971, dado como desaparecido por décadas. Sua morte só foi reconhecida ante à luta abnegada de sua viúva Eunice Paiva", pontua Wanda.
"Mas, para ambas famílias, a ditadura teve essa cruel dimensão do silenciamento e do apagamento social. Infelizmente Eunice perdeu Rubens covardemente morto. Benedicto foi devolvido vivo à família, mas os anos de tortura e perseguição foram longos e nos deixaram muitas marcas", acrescenta Wanda Monteiro.
Rubens e Benedicto eram contemporâneos na cena política de um governo democrático cujo presidente era João Goulart (governo de 1961 a 1964), como ressalta Wanda Monteiro. No entanto, Rubens exercia seu primeiro e único mandato legislativo como deputado federal por São Paulo e Benedicto Monteiro exercia seu mandato na segunda legislatura como deputado estadual. Ambos foram eleitos pelo PTB histórico e eram próximos do presidente João Goulart.
Diante da perseguição do governo militar, Benedicto Monteiro foi para sua terra natal Alenquer e, em seguida, para o Alto do Curuá, Foi protegido por mateiros e ribeirinhos. Nesse período, Bené ainda tinha esperança na existência de núcleos de resistência no País. Mas, não havia mais esses grupos, e com o agravamento da situação política no país, Benedicto rendeu-se aos militares, Então, foi acorrentado e exposto como troféu nas ruas da cidade de Alenquer e depois exposto dentro de um barco que percorreu as margens do Rio Amazonas. “Ele era o troféu da ditadura que serviria de exemplo a quem quisesse atentar contra o regime ditatorial imposto pelo golpe militar", salienta Wanda.Mais, tarde, foi preso, torturado e isolado de todos no imóvel onde funciona hoje a Casa da 11 Janelas, na Cidade Velha.
No livro “Chão de Exílio”, Wanda detalha a saga do pai e da família como um todo: a mãe Wanda Marques Monteiro e os filhos Aldanery, Ana Luiza, Ben, Dulcinês e Wanda.
Liberdade
No período mais difícil de sua prisão e após sofrer tantas torturas, Benedicto recorreu à força do pensamento e à força de suas ideias. Ele mergulhou no mais profundo silêncio pra fazer a escuta do pensamento. Foi na prisão que ele concebeu e planejou a escrita literária de sua tetralogia amazônica. Benedicto foi salvo pelas palavras, pela escrita. A frase que até hoje está tatuada em mim: 'Quando escrevo, exerço a minha mais íntima liberdade'. Escrever para ele era sinônimo de liberdade", evidencia a autora.
O fato de o filme 'Ainda Estou Aqui' ter conquistado vários prêmios, incluindo um Oscar, “tem uma significância por nos fazer acordar pra esse momento civilizatório em que há um movimento crescente da extrema direita em grande parte do planeta e especialmente em nosso país”. “O Brasil tem uma democracia frágil, a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2024 que se iniciou desde 2023 bem demonstra isso. Devemos estar em constante vigília e defesa da democracia. E contar a história desse país que já foi vítima de uma cruel ditadura é imprescindível pra que possamos corrigir os erros e aprender com a história", arremata Wanda.
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