COP 27 termina com discussões em aberto e Amazônia no centro das atenções
Possíveis acordos a nível internacional ainda estão sendo avaliados pelas delegações dos países, apesar da agenda oficial já ter encerrado nesta sexta-feira.
A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP 27, termina oficialmente a programação nesta sexta-feira (18), mas sem entregar um documento que formalize alianças ou acordos em nível global. As delegações dos países ainda estão em impasses sobre detalhes de como ações, como o financiamento climático, devem ser tratadas, na prática.
A expectativa é a de que as discussões sejam concluídas e o documento final desta edição seja entregue até o final do dia de sábado (19). No entanto, para o Brasil e para a Amazônia, algumas conquistas foram obtidas durante as duas semanas de evento, como exalta o superintendente de Inovação e Desenvolvimento Institucional da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Victor Salviati, que participou da conferência, em Sharm El Sheikh, no Egito.
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Perdas e danos traz “humanização” à COP
Além de financiamento, um tema que foi muito discutido nesta edição da conferência foi o que a comunidade científica chama de "perdas e danos", que, basicamente, refere-se à ideia de que os países desenvolvidos assumam a responsabilidade e compensação por impactos sofridos por países vulneráveis e em desenvolvimento, já que são os mais ricos que historicamente mais poluíram e agora são os mais pobres que mais sofrem. A delegação do Egito, sediadora do evento, é uma das nações que levantaram essa pauta. E havia uma expectativa de saber como o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se posicionaria nesse debate. De fato, foi um tema muito abordado por Lula em seus pronunciamentos. Para Lula, o debate não pode mais ser adiado. Em discurso, disse: “Precisamos lidar com a realidade de países que têm a própria integridade física de seus territórios ameaçada, e as condições de sobrevivência de seus habitantes seriamente comprometidas. É tempo de agir. Não temos tempo a perder. Não podemos mais conviver com essa corrida rumo ao abismo”.
Além de ser uma questão urgente, para Victor Salviati, a discussão de perdas e danos coloca a qualidade de vida da sociedade em primeiro lugar. “A conferência se demonstrou, nos últimos anos, como se fosse uma grande feira de negócios do mercado de carbono. Mas, há uns quatro, cinco anos, tem-se colocado muito a questão das perdas e danos que trouxe, usando uma expressão que ouvi e gostei, uma ‘humanização’ das conferências”, analisa Salviati, que acompanha a conferência há 12 anos. “O planeta não vai morrer, é o nosso modo de vida que vai ter que ser modificado. Se a gente não cuidar do planeta, talvez percamos nossa essência como humanidade”, alerta.
De acordo com ele, houve avanços no texto do documento, oficializando esse tema, mas ainda há oportunidade de melhorias, “principalmente para identificar quais são as regiões ou países que vão receber e quais vão doar”. O superintendente explica que existem critérios claros, mas, em alguns casos, como o Brasil, há uma dificuldade de decidir se o país será doador ou receptor, porque há muita desigualdade entre as regiões do País. “A região Norte, por exemplo, é uma região mais vulnerável não só do ponto de vista climático, mas também do social, que poderia se categorizar como receptora desses recursos, enquanto as regiões Sul e Sudeste, que têm indicadores melhores, poderiam se categorizar como doadoras. Então, como é que você trata isso sendo que a Conferência do Clima vê o Brasil como um único só?”, pondera.
Salviati ressaltou ainda que o Brasil, ali representado por um corpo diplomático, tem participado ativamente dessa discussão. “O Brasil sempre foi, de um ponto de vista diplomático, muito solidário, então leva consigo [nesse debate] países insulares [país que é composto de uma ilha ou grupo de ilhas], menos desenvolvidos. É um motor bastante forte na arena global”, aponta.
Discussão continua após a conferência
Salviati esclarece que, apesar de fecharem textos a cada COP, a discussão não se encerra com o evento. “A partir desse documento, você pode revisitá-lo a partir de experiências boas ou ruins”, informa. Assim, se algo que foi decidido previamente, ao se colocar na prática demonstrar que não foi como o esperado, é possível fazer uma nova rodada de discussão para propor as mudanças que as nações julgarem necessárias. Ele destaca que se for incluída a questão das perdas e danos, “se a conferência entregar um documento robusto, com metas e as ferramentas fundamentais que as decisões da COP necessitam, instruindo os países sobre seus respectivos papéis e os países internalizando isso nas suas políticas e mobilizando recursos financeiros, o próximo passo é fazer o monitoramento desse mecanismo, assim como fazemos com o Acordo de Paris”, prevê.
Próxima COP deve fechar Acordo de Perdas e Danos
Na avaliação do superintendente da FAS, o próximo passo a ser tomado na COP de 2023 (COP 28), seria formalizar um acordo, como foi o Acordo de Paris, um documento mais completo para lidar com as lacunas que ficaram nesta edição. Ademais, um passo que precisa ser dado pela organização da COP, para ele, é que haja espaços para que a sociedade civil possa não apenas se expressar, mas que de fato tenha poder de voto. “Precisamos ter uma espécie de fórum deliberativo e inclusivo para que essas pessoas, povos originais e jovens, possam participar de modo efetivo [nas conferências]".
Amazônia no centro das atenções
O superintendente da FAS acrescenta que não há dúvidas de que a Amazônia foi um dos destaques da COP, não apenas nos pavilhões do Brasil, mas também nas discussões internacionais, afinal, a “Amazônia é o fiel da balança na questão climática global”, acentua. Segundo ele, nos nove países que compõem o bioma, habitam mais de 400 povos indígenas, e a região tem um alto potencial biotecnológico e bioeconômico. “A partir do momento em que a gente tiver um plano para a Amazônia, vamos conseguir construir uma sociedade mais próspera, não só do ponto de vista climático, mas também do ponto de vista social e econômico”, acredita.
O estande inédito do Consórcio da Amazônia Legal, para ele, foi uma sinalização importante do compromisso dos governantes para a preservação do meio ambiente. “A Amazônia se mostrou ao mundo como uma entidade muito grandiosa”, assinala. Mas não basta apenas ficar no discurso: “Agora, na volta para casa, a gente precisa implementar essas sinalizações e, obviamente, fiscalizá-las, acompanhá-las”.
Brasil com esperança de retomar protagonismo
Para o superintendente, a presença do presidente eleito Lula também foi um dos destaques desta edição. Com quatro eventos públicos na conferência, o petista contou com público cheio em todas elas, incluindo comunidade nacional e internacional. "Trouxe mensagens bastante contundentes sobre o que pensa, junto à sua equipe, e, com isso, uma esperança de reforçar o Brasil como um ator muito significativo na arena global climática", enfatiza Salviati.