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Cheiros, banhos e essências: Erveiras apontam o que deve conquistar turistas na COP 30 no Ver-O-Peso

De perfumes artesanais a óleos medicinais da floresta, empreendedoras tradicionais apostam na valorização dos saberes amazônicos para impulsionar a economia local com a chegada de visitantes do Brasil e do mundo à Conferência do Clima da ONU em Belém.

Jéssica Nascimento

No coração da Amazônia, entre aromas intensos, banhos de ervas, garrafadas medicinais e frases de fé, um mercado centenário se prepara para viver o maior momento de visibilidade internacional. O Complexo do Ver-O-Peso, cartão-postal de Belém do Pará, deve ser um dos epicentros culturais e turísticos durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), marcada para novembro de 2025. As empreendedoras tradicionais do setor de ervas e perfumaria popular se organizam para transformar o conhecimento ancestral em fonte de renda, identidade e conexão com o mundo.

Tradição, fé e biodiversidade: os pilares de um mercado que atravessa gerações

“Eu trabalho com ervas medicinais há mais de 50 anos. Essa atividade vem da minha avó, passou para minha mãe, depois pra mim. Agora já estou passando para os meus filhos e netos. É a quinta geração”, conta orgulhosa Beth Cheirosinha, figura carismática entre as dezenas de barracas no setor das ervas. 

Rodeada por garrafas coloridas, sabonetes aromáticos, óleos densos e incensos, Beth fala com paixão da função terapêutica, espiritual e simbólica de cada item que vende. “As ervas curam o corpo, mas também o espírito. A gente vende esperança em forma de perfume e fé em forma de banho.”

image Beth Cheirosinha. (Foto: Ivan Duarte)

Com fórmulas que misturam ingredientes da floresta como patchouli, priprioca, pau d’Angola, andiroba e copaíba, Beth destaca o “cheiro do Pará” como a grande estrela entre os turistas brasileiros.

“Eles são loucos para conhecer o aroma da nossa terra. Esse perfume é uma fusão de tudo que é da Amazônia e pode usar no corpo ou até na limpeza da casa. Passa pano na lajota e a casa fica cheirosa, protegida.”

A fama do “cheiro do Pará” só é comparável ao sucesso dos óleos medicinais, que, segundo Beth, são mais procurados por causa das dores físicas dos visitantes. 

“Eles vêm de fora e reclamam muito de dor no joelho, inchaço na perna. Leva logo a pomada milagrosa. Eu mesma faço: leva andiroba, copaíba, sebo de carneiro, óleo elétrico, banha do poraquê, tudo numa só pasta. É tiro e queda!”, declara.

Produtos para atrair amor, dinheiro e... gringos

A criatividade e a intuição são ingredientes essenciais na produção dos perfumes e banhos. 

“Tem o perfume atrativo do amor, que é o meu carro-chefe”, conta Beth, rindo. “É feito com carrapatinha, agarradinha, chega-te-a-mim, chora nos teus pés, pega-não-te-larga… Vai buscar quem tá longe e, queira ou não queira, ele vai ter que te querer. É forte!”

E ela vai além: criou o “banho da COP 30”, pensando especificamente no evento internacional. “Esse banho é pra abrir os caminhos, levantar a autoestima. Vai ser um sucesso com esse povo todo que vem do mundo inteiro.”

Ediléia Barros, outra veterana do mercado, aposta em uma linha semelhante.

“Meus mais procurados são os banhos de descarrego, pra tirar as energias negativas, e o atrativo de 21 ervas, que é muito poderoso. Depois disso, entra com o perfume: ‘chama dinheiro’, ‘abrir caminho’, e agora o ‘chama gringo’, que eu fiz pra essa COP 30”, explica.

Para Ediléia, o evento é uma chance única de mostrar ao mundo o poder da natureza amazônica. “Tudo aqui é natural. Xarope natural, óleo da mamona natural. O mundo vai descobrir o que é de verdade a natureza quando pisar aqui no Ver-O-Peso”, declarou.

image Ediléia Barros. (Foto: Ivan Duarte)

A sabedoria indígena como base dos produtos

Beth Cheirosinha faz questão de dar o crédito a quem de direito: “Quem deu nome para as ervas foram os índios. Eles é que sabiam o que cada planta fazia. A gente só segue com o respeito e a fé.”

Ela acredita que o sucesso dos produtos está ligado à confiança que transmite aos fregueses. “Eu passo uma garantia tão grande que eles compram e ainda ligam depois pra contar o resultado. Eu digo logo: funciona de verdade, mas tem que ter fé. Comprar um remédio sem fé é jogar dinheiro fora.”

O desafio: conquistar os ‘estrangeiros’

Apesar do alto potencial, as vendedoras reconhecem que ainda não conseguem alcançar os turistas estrangeiros como gostariam. “Eles param, olham, cheiram... mas não compram. Falta o intérprete, falta alguém pra explicar. Às vezes, só observam, tiram foto”, comenta Ediléia.

Beth concorda: “Eles não têm o conhecimento, mas dão valor quando a gente explica. Só precisam entender o que é cada coisa. Eu já tô me preparando. Quando a COP chegar, vou estar com muita mercadoria pronta, cheirinho, óleo, chá. O povo de fora vai se encantar.”

Entre a fé e a ciência: consumidoras apaixonadas indicam os produtos

A bióloga Silvana Moraes, que nasceu em Belém mas mora em Florianópolis, visita a cidade com frequência e não sai sem seus perfumes favoritos. “Comprei o ‘perfume do amor’, funciona mesmo! Já casei duas vezes. Agora tô viúva, levando outro pra conseguir amor novo”, brinca. 

Ela também comprou o “atrativo da perseguida” para presentear a sogra da filha. “É pra ela segurar o marido, porque diz que tá difícil.”

image Silvana Moraes. (Foto: Ivan Duarte)

Silvana vai participar da COP 30 como visitante e entusiasta das discussões ambientais. “O mundo inteiro vai estar aqui. E eu vou estar também. Esse evento é histórico pra Amazônia e pra Belém.”

Economia criativa e popular ganha protagonismo

Os produtos variam de R$ 10 a R$ 50, e as vendedoras prometem manter os preços durante o evento. Os perfumes custam em média R$ 10; os banhos, R$ 30; garrafadas terapêuticas, R$ 40. Além da venda direta, muitas encomendas são feitas por telefone ou redes sociais.

Com criatividade e resistência, as mulheres das ervas projetam não apenas um aumento nas vendas, mas o reconhecimento da importância econômica e cultural de suas atividades. “A COP 30 vai ser boa pra Belém e boa pra nós. Vamos mostrar pro mundo o que o Ver-O-Peso tem de mais bonito: a força da nossa tradição”, resume Ediléia.



 

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