Belém será um exemplo de sustentabilidade para o mundo, afirma Anette Kilmer
Em entrevista exclusiva ao O Liberal, a representante do BID no Brasil diz que as ações em Belém, focadas em sustentabilidade, servirão como modelo global
No ano em que Belém se prepara para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), marcada para novembro, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) intensifica o apoio ao estado do Pará, com foco em ações de sustentabilidade e adaptação climática. Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, Anette Kilmer, representante do BID no Brasil, destacou os investimentos e a importância do evento para o futuro da Amazônia e para o fortalecimento da economia local.
"Estamos focados em garantir o sucesso da COP 30 e promover ações concretas para melhorar a vida dos paraenses e fortalecer a economia local", disse Anette Kilmer.
Durante a conversa com Kilmer, em sua passagem por Belém nesta semana, ela também ressaltou a importância da COP 30 para promover ações concretas de adaptação e resiliência na Amazônia, com foco em soluções sustentáveis que beneficiem diretamente os paraenses. E, ainda, mencionou as iniciativas em Belém como um exemplo para o mundo, destacando o impacto positivo que o evento pode ter na região, não apenas em termos de visibilidade, mas também na implementação de mudanças tangíveis para o futuro.
Confira a entrevista:
1. Como o BID está apoiando Belém na preparação para a COP-30?
Anette Kilmer: Temos um trabalho conjunto de longa data com o Pará e vários de seus municípios. Especificamente para a COP30, nosso apoio está focado em fazer do evento um sucesso pleno e fomentar a discussão sobre adaptação e resiliência, bem como fortalecer a atuação do nosso programa regional Amazônia Sempre. Mais do que recursos financeiros, estamos à disposição tanto da Prefeitura de Belém, como do governo do Pará e do governo federal. Oferecemos o conhecimento dos nossos especialistas, inclusive com projetos executados aqui no Pará, nosso diálogo com outros bancos multilaterais e organismos internacionais, e nossa expertise em temas como inovação financeira, para que esta COP30 gere resultados concretos, crie soluções para tornar possível o financiamento da adaptação das cidades de países como o Brasil, de novos modelos de recuperação florestal como o que o Pará está desenhando.
Estou convencida de que o mundo vai sair daqui encantando com Belém e com o Pará. Ficamos muito impressionados com o avanço das obras do parque e com a visão que estão imprimindo às obras para a COP30, incluindo a sustentabilidade, a energia sustentável, e o convívio com a floresta. Vai ser muito simbólico. Belém vai receber muito bem e vamos chegar a discussões que levem a ações concretas para serem implementadas para o bem dos paraenses, dos brasileiros e do mundo.
E temos que medir o sucesso não só pelos dias de evento, mas para além. Por isso, trabalhamos há muito tempo com o Pará em projetos de saneamento básico e educação, por exemplo. E estamos conversando para apoiar também concessão florestal e até conectividade digital. A COP30 é um evento de importância mundial, mas ela passa, e o legado que ela deixar para o povo paraense é igualmente importante.
2. Como evitar que os recursos destinados à região fiquem concentrados em grandes projetos e não cheguem às comunidades locais?
Nossa parceria histórica com o governo do Pará já demonstra nosso compromisso de levar impactos positivos na vida das pessoas que moram na capital, no interior do Estado e em comunidades tradicionais. Na educação, por exemplo, financiamos a reforma de 260 escolas em todo o Estado nos últimos dez anos, além de apoiar programas de reforço escolar para mais de 150 mil jovens. Com essas e outras ações, o Estado do Pará obteve um aumento substancial de 17 pontos percentuais na taxa de jovens que concluem o Ensino Médio no tempo certo. Como os projetos que apoiamos são desenhados de maneira conjunta, conseguimos garantir que os recursos cheguem aos beneficiários de maneira efetiva.
Também estamos apoiando ativamente o projeto de concessão e recuperação florestal de 10 mil hectares da Floresta do Xingu, nos municípios de São Félix do Xingu e Altamira. Por um lado, estamos estruturando uma garantia financeira junto ao Estado do Pará no valor de US$ 15 milhões - algo em torno de R$ 90 milhões, o que pode tornar o projeto mais atrativo para os investidores. Ao mesmo tempo, estamos à disposição para eventualmente apoiar a empresa vencedora da licitação com nosso braço privado, o BID Invest.
3. E como é que o BID pretende lidar com a resistência de alguns setores econômicos que veem essa agenda ambiental, que Belém e o Brasil têm vivido nesse momento, como um empecilho? Como é que vocês têm lidado com isso?
O impacto das mudanças climáticas está, hoje em dia, presente na vida das pessoas, e a gente está muito focado em atender essas demandas. As pessoas estão sentindo os efeitos das enchentes, das ondas de calor.
Acabamos de conversar com a vice-governadora sobre o impacto do calor nos alunos das escolas e como isso pode ser reduzido. Existem ações muito concretas que podem melhorar a qualidade de vida, e o BID está trabalhando nisso, de forma objetiva, gerando um impacto significativo no bem-estar, na economia e na produtividade.
Vemos muito potencial para fomentar, por meio dessas ações, sociedades e economias mais fortes.
4. O BID pode colaborar com o Fundo Amazônia, especialmente considerando a intenção do Brasil de expandir sua atuação para outros países sul-americanos que compartilham a bacia amazônica?
Acreditamos em uma abordagem holística para a região, envolvendo todos os países do território Amazônico no enfrentamento a questões como o combate ao desmatamento, segurança cidadã, bioeconomia, entre outros. Em 2023, lançamos o Amazônia Sempre, um programa de coordenação regional para o desenvolvimento sustentável dos oito países amazônicos, e que trabalha conjuntamente a conservação da floresta e do clima, com a melhora da qualidade de vida das pessoas, oferecendo alternativas econômicas. O programa foi criado também para agregar valor a iniciativas como Fundo Amazônia, e ambos permitem atender diversas demandas e necessidades sociais, culturais, econômicas e ambientais prioritárias para as comunidades da região amazônica.
Nosso objetivo com o Amazônia Sempre é dar escala aos investimentos e aumentar a coordenação entre todos os atores que se dedicam ao desenvolvimento sustentável da região amazônica. Nesse sentido, temos ampliado nosso trabalho através de várias redes com múltiplos parceiros dedicados a temas como inovações financeiras e financiamento com bancos públicos e privados, cidades amazônicas, educação, pesquisa e inovação em biodiversidade, entre outras.
Em um ano, a carteira de projetos do programa evoluiu de US$ 1 bilhão em operações nos oito países da Amazônia, para US$ 4,2 bilhões. Estamos buscando constantemente aumentar o escopo das parcerias, e já trabalhamos com o BNDES, o gestor do Fundo Amazônia, no âmbito da Coalização Verde de bancos que criamos em 2023 para escalar o financiamento. A Coalizão pretende mobilizar entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões para a agenda de desenvolvimento da Amazônia até 2030.
5. O Brasil tem metas ambiciosas de financiamento climático. O BID pode ajudar o país a atrair mais investimentos internacionais para projetos sustentáveis na região?
Temos acompanhado os ambiciosos esforços do Brasil para alcançar suas metas climáticas e estabelecer uma economia verde, a partir da transformação ecológica. No BID, temos trabalhado lado a lado com o país em iniciativas que preparam o ambiente para atrair investimento verde associadas a diversos mecanismos financeiros inovadores para alavancá-lo.
Um exemplo são os esforços para oferecer proteção cambial para atrair mais investimento verde. Estamos trabalhando com o Tesouro Nacional no desenvolvimento do Eco Invest, um programa cujo objetivo central é facilitar a atração de investimentos privados estrangeiros essenciais para a transformação ecológica do país. Entre as linhas de crédito oferecidas pelo Eco Invest está uma grande inovação que ajudará a proteger os riscos cambiais – enfrentando um desafio para o investimento de capital privado.
Também estamos apoiando o governo federal na Plataforma Brasil de Investimentos Climáticos e para a Transformação Ecológica (BIP). Especificamente na consolidação da estrutura da plataforma e capacidade de coordenação da demanda por investimentos, mostrando inclusive os investimentos e oportunidades elegíveis para o programa Eco Invest.
Agora, tão importante quanto escalar o investimento, precisamos fortalecer as capacidades para implementar projetos no Brasil e nos demais países da América Latina e Caribe. No BID, enfatizamos muito nosso apoio na implementação dos projetos para garantir escala, impacto e efetividade aos investimentos, e isso inclui geração de conhecimento aplicado, capacitações, adoção de melhores práticas, entre outras frentes de trabalho.
6. Países ricos estão falhando em cumprir metas climáticas antes da COP-30. Como isso impacta as negociações e os investimentos na Amazônia?
A COP 30 terá um enfoque na adaptação, em soluções baseadas na natureza e na implementação de ações concretas de comunidades afetadas pelos impactos da mudança de clima. Esse enfoque inclui ações locais e nacionais, que fazem sentido pelo seu potencial de melhorar a vida das pessoas que moram em Belém, no Pará e na Amazônia. O BID apoia esse enfoque. Por exemplo, já apoiamos soluções, e queremos criar outras, para financiar investimentos para tornar as cidades brasileiras mais adaptadas a essas ondas de calor que estamos vendo; melhor preparadas para que as pessoas sofram menos com as enchentes. E os amazônidas, os belenenses, os paraenses são parte da solução e da inovação. A produção sustentável de açaí, castanhas e outros bioingredientes para diversas indústrias são importantes pelo valor do produto, pela valorização do conhecimento local, e pela conservação ambiental. Além disso, podem contribuir à mitigação da mudança de clima e ainda inspirar o mundo a construir novos modelos que criem oportunidades para comunidades e indústrias. Isso pode significar também mais recursos para o Pará, mais empregos de qualidade aqui na Amazônia, melhores condições de vida para todo mundo.
7. O BID pode condicionar financiamentos na Amazônia a compromissos ambientais mais rígidos? Como garantir que isso não prejudique a economia local?
Os investimentos do BID na Amazônia obedecem a um mandato dos países amazônicos orientados justamente a fortalecer o desenvolvimento sustentável da economia local de forma inclusiva. Para promover isso, uma das maneiras é fortalecer as atividades econômicas baseadas no uso sustentável da natureza e compatíveis com a cultura e as tradições das comunidades locais, a sociobioeconomia, na Amazônia, para que ganhem tração e gerem renda para a população local. Para que isso aconteça, temos empenhado esforços em construções de iniciativas com as organizações indígenas, afrodescendentes e de povos e comunidades locais.
No campo da inovação financeira, por exemplo, estamos realizando atualmente uma série de diálogos com as principais lideranças indígenas e quilombolas da região amazônica no marco da preparação de um guia que servirá de padrão para os países, bancos e empresas amazônicos que queiram emitir títulos amazônicos, um instrumento fundamental para alavancar investimentos para a região. Ao seguir esse guia, os emissores dos títulos amazônicos selecionam os projetos que atendam aos critérios e padrões de sustentabilidade desenhados de acordo com a realidade local, escalando dessa forma apenas os investimentos coerentes com as necessidades locais de desenvolvimento.
Além disso, os programas financiados pelo BID obedecem a políticas de salvaguardas ambientais e sociais que seguem elevados padrões internacionais em sua implementação, o que inclui a conservação do meio ambiente e o cuidado com os beneficiários diretos e indiretos de cada projeto.
8. Qual vai ser a atuação do BID em Belém no período da COP-30?
Durante a COP30 participaremos nas negociações e debates com uma delegação de expertos em clima, bioeconomia, educação, saúde, agricultura, infraestrutura sustentável, energia renovável, instrumentos financeiros, entre outros. Em nosso habitual pavilhão na Zona Azul, que é a área onde acontecem as negociações, vamos ter uma sequência de eventos e discussões técnicas de alto nível durante todos os dias da conferência, incluindo o lançamento de iniciativas e parcerias, bem como de estudos relevantes para a discussão.
Teremos também o espaço Amazônia Sempre no Museu Goeldi, um espaço aberto ao público para criar conexões e sinergias entre a sociedade civil, academia, poder público e privado, ao redor do grande protagonista dessa COP: a Amazônia. Essa experiência será desenvolvida pelos parceiros do nosso programa Amazônia Sempre e refletirá as prioridades temáticas para a COP, reforçando temas como socio-bioeconomia junto a organizações indígenas, afrodescendentes e comunidades locais.