SILVIO NAVARRO

Formado em jornalismo, acompanhou os principais fatos políticos do país nas últimas duas décadas como repórter do jornal Folha de S.Paulo em Brasília e na capital paulista, editor de Veja e âncora da Jovem Pan. É comentarista político da RedeTV! e escreve para a revistaoeste.com e o jornal O Liberal. Autor do livro "Celso Daniel - Política, corrupção e morte no coração do PT". | silvionavarrojornalista@gmail.com

Lula sentiu

Silvio Navarro

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não consegue fazer campanha nas ruas. Não reúne mais seguidores, é hostilizado em grandes centros e parece não ter mais o repertório do passado no microfone. As bravatas que arrancam aplausos de uma pequena massa de convertidos – como sua habilidade para encerrar a guerra entre Rússia e Ucrânia numa mesa de bar – não têm importância nenhuma. Nesta semana, contudo, o petista parece ter cruzado a linha. Em discurso para a companheirada da Central Única dos Trabalhadores (CUT), afirmou que é preciso "mapear os endereços" dos deputados e enviar 50 pessoas para "incomodar a tranquilidade" deles.

Como a avaliação do Congresso Nacional pela sociedade é péssima, a gravidade da fala por pouco não passou despercebida. "Não é para xingar não, é para conversar com ele, conversar com a mulher dele, conversar com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele", disse Lula. Ele sugeriu que seus seguidores persigam os parlamentares nas suas bases, acampem em frente ao portão de suas residências, provoquem constrangimento aos seus familiares? O motivo, segundo o petista, é que a atual composição do Legislativo "é a pior da história". É importante lembrar que durante os governos dele o Congresso foi palco de escândalos como mensalão, petrolão, sanguessugas, entre outros.

A tentação em resolver disputas políticas com truculência não é novidade para o público que o assistia. Em 2015, o vice-presidente da central, Vagner Freitas, conclamou aliados a saírem às ruas "entrincheirados com arma na mão" para impedir o impeachment de Dilma Rousseff. Há alguns anos, o guerrilheiro José Dirceu disse que o PSDB iria "apanhar nas ruas e nas urnas" – o então governador Mário Covas, de fato, acabou agredido. O ápice da escalada de violência foi a facada no então candidato Jair Bolsonaro, em setembro de 2018.

Duas perguntas ficam no ar sobre a declaração infeliz de Lula: 1) se a mesma frase fosse dita por um aliado de Bolsonaro seria considerado um ato antidemocrático? Passível de prisão, conforme o inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF)? 2) o que tem deixado o ex-presidente e os movimentos satélites do PT com os nervos exaltados?

Sobre o primeiro questionamento, o histórico de decisões da Corte mostra que, infelizmente, a regra só vale para um lado. Já uma resposta possível para o desconforto latente de Lula é que ele – experiente e sagaz – sabe que o cenário não é tão confortável como pintam os institutos de pesquisa. Pelo contrário. Bolsonaro tem crescido, é provável que herde a maioria dos votos da finada terceira via e a articulação política para ampliar sua base na janela partidária funcionou. Lula sentiu.

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Silvio Navarro
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