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Um diálogo atemporal entre grandes filósofos sobre a ética (parte I)

Ocelio de Jesús Morais

Imagino-me o Aprendiz do Tempo. E assim esforço-me para sê-lo com pertinência. Imagino que fui convidado para uma conversa sobre ética com um seleto grupo de filósofos.   Agora, vamos imaginar, por um exercício atemporal, que esses filósofos tenham vivido na mesma época. Portanto, são contemporâneos: Sócrates (Atenas, Grécia 470-469 a.C), Platão (Atenas, Grécia, 47 ou 428 a.C - 348 ou 347 a.C.), Aristóteles (Estagira, Grécia, 384-322.), Sêneca, “O Moço” (Córdoba, 4 a.C - 65 aC.), Marco Aurélio (Roma, 121-180. a.C), Agostinho de Hipona (Argélia, 354-430 d.C.), Tomás de Aquino (1225-1274), Arthur Schopenhauer (Reino da Prússia, 1788-1860), Espinoza (Amsterdã, Holanda, 1643-1677) e Maquiavel (Florença, Itália, 1469-1527). Todo esse “time” de craques do pensamento humanista reunidos na mesma sala de conversas sobre humanidades. 

Um parêntesis: embora a reunião desses filósofos, nessa conversa atemporal, seja imaginária, como fruto da liberdade filosófica, destaca-se que o tema escolhido  à abordagem, assim como a maioria das perguntas reproduzidas são originárias das obras referidas nesta pensata sobre a ética. Fecho o parêntesis. 

O diálogo é livre. Começa com a ética no estoicismo, a partir das Meditações, de Marco Aurélio, que quer saber o pensamento de Sócrates a respeito, enquanto que o maior filósofo grego de todos os tempos, maieuticamente, pergunta a Schopenhauer, este a Aristóteles, o qual, por sua vez, questiona Agostinho de Hipona.  Este chama Maquiavel para a conversa sobre  a ética em O Príncipe, o qual se dirige a Sêneca para saber mais sobre as bases éticas   que levam à  Serenidade da Alma e o filósofo de Córdoba tem curiosidade sobre a ética na Suma Teológica de Tomás de Aquino, enquanto este deseja perguntar sobre a Ética de Espinoza, que chama o idealista Platão na sua República e este inclui Epicteto, que, com sua Arte de Viver, chama o Aprendiz do Tempo para o bate-papo e, finalmente,   eu –  o Aprendiz do Tempo – tenho a honraria de perguntar a Marco Aurélio sobre a ética em suas “Meditações”.

– De Marco Aurélio a Sócrates: Marco Aurélio, dirigindo-se a Sócrates, comenta: bem sabeis, senhor Sócrates, que sou adepto e propagador do estoicismo, a filosofia que compreende que o fim mais elevado do homem é a felicidade e que esta somente pode ser alcançada “vivendo de acordo com a natureza”. 

E sei que não tivestes um tratamento justo e que fostes condenado injustamente, por isso, presto-lhe minha solidariedade, mas  acalma tua alma, pois “Nesta vida só uma coisa é preciosa: viver os nossos dias em verdade e em justiça, e em caridade, mesmo para com os falsos e os injustos.”. (Livro 6, fragmento do pensamento  47).

E para Sócrates, o general, o imperador e o filósofo romano Marco Aurélio – referindo-se ao fragmento nº 66, do Livro 7, das Meditações, – imagina-se que faria a seguinte pergunta, para tentar saber o verdadeiro sentimento de filósofo grego sobre o seu próprio julgamento: “Que espécie de alma tinha ele?” o teu acusador, acusador?, indagou, para arrematar: para acusar-te de coisas tão injustas?

O leitor deve recordar – assim comentam os registros históricos e assim também consta em Apologia de Sócrates e em A República, obras de Platão – que Sócrates também foi general do exército grego mas, enquanto filósofo, foi acusado de corromper a juventude e de negar a divindade dos deuses gregos.

Bem oportuna, a pergunta renovou a Sócrates a chance para reiterar o que já dissera no dia de seu julgamento: um  processo e um resultado de mentiras e injúrias. Mas talvez, e ainda, Sócrates – relembrando sua defesa no Tribunal Ateniense e fazendo uma autocrítica – responderia assim: “não disseram nada de verdadeiro. Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar.” (Cf. Platão: Apologia de Sócrates). 

Sócrates não poderia ter sido mais direto, ao acrescentar que ".(...) tudo nasceu da calúnia!, (...) “pelas tantas que dizem de mim (...) me vieram muitas inimizades e tão odiosas e graves que delas se derivaram outras tantas calúnias.“” (Cf. Platão: Apologia de Sócrates). 

E acrescentou que foi caluniado e difamado, mas que não se arrependeu de ter vivido a verdade – a verdade pela qual morreu porque era sua virtude ética. Traduzindo aos nossos dias, poder-se-ia dizer, quanto à pergunta “Que espécie de alma tinha ele?” [o teu acusador, acusador?]: almas mentirosas e caluniadoras, poder-se-ia dizer nos dias atuais. 

Sócrates – que dedicou seu pensamento aos valores humanos (a sabedoria, a verdade e seus fundamentos) – não escreveu livros, mas pregava que a maior virtude era dizer e viver a verdade, como podemos constatar nas obras de Platão, por exemplo, A República e Apologia de Sócrates.    Isso está muito claro em Apologia, um relato da autodefesa de Sócrates perante o Tribunal dos Heliastas, que o acusava de corresponder a juventude e negar os deuses gregos.

– De Sócrates a Schopenhauer: Bem ao modo maiêutico – recorde-se que a técnica não visa obter respostas absolutas, mas provocar a reflexão crítica – Sócrates dirigiu-se a Arthur Schopenhauer: meu caro, dizem que és Misantropo, pessimista, solitário, individualista e crítico ferrenho da sociedade. 

Contudo, não se preocupe, no meu tempo também diziam que eu era um homem solitário e de poucos amigos; mas, como você, eu também fui ferrenho crítico das injustiças e hipocrisias da sociedade de minha época. Já bem o sabes que fui injuriado, difamado e condenado injustamente. Então, sob o olhar da sociedade de seu tempo, eu lhe faço a mesma que pergunta que fiz a Meleto (meu acusador) no dia do meu julgamento: “— E, agora, diz-me, por Zeus, Meleto: o que é melhor: viver entre virtuosos cidadãos ou entre malvados?”

Arthur Schopenhauer – citando a sua obra Mundo como Vontade e Representação – respondeu: meu amigo e mestre Sócrates, sábio dos sábios, bem sabeis que é melhor viver entre os virtuosos, pois “a ética está para a virtude como a estética para a arte”, à medida que na verdadeira virtude (que é uma espécie de solidariedade e compaixão), a pessoa é solidária e se esforça para evitar o sofrimento do outro. Por isso – dia ainda Schopenhauer – mestre Sócrates, seus acusadores, por não terem a sabedoria da compaixão, foram maldosos e lhe imputaram calúnias.

Sócrates viu que Schopenhauer não tinha aversão às pessoas e nem à sociedade dos homens; mas, apenas, tinha aversão às injustiças. E ainda ressentido com o julgamento do Tribunal Ateniense que o condenou a tomar o veneno cicuta, dirigindo-se ao interlocutor do Século XVIII, Sócrates fez mais uma pergunta, respondendo-a diretamente: “onde nasce a calúnia contra mim, baseado neste processo?”. E respondeu: “na inveja, na calúnia e nos ambiciosos”, disse ele, nominando Meleto, Anito e Licon, seus difamadores. (Cf. Platão: Apologia)

E Arthur Schopenhauer disse que isso decorreu da maldade dos detratores: “portanto, se um malvado mostra sua maldade e injustiças diminutas, intrigas covardes, velhacarias sórdidas que ele exerce no círculo estreito de seu ambiente, (...) isso é a forma exterior de seu fenômeno”, de seu caráter,. (Cf. Mundo como Vontade e Representação).

– De Schopenhauer a Aristóteles: Solidário com Sócrates, vítima das calúnias e das infâmias, e afirmando que não se joga a verdade “ao pescoço de quem não a deseja”, visto que “a verdade é a relação de um juízo com o seu fundamento de conhecimento”, Schopenhauer – ainda citando o seu livro “Mundo como Vontade e Representação” – perguntou a Aristóteles, o discípulo predileto de Platão: “como quem julga pode de fato acreditar possuir tal fundamento, apesar de não o possuir, noutros termos, como é possível o engano da razão?” 

Por entender que as bases do pensamento aristotélico sobre a ética  são fundamentais para a filosofia ocidental, objetivando a busca pela eudaimonia, isto é, a busca da felicidade e do bem-estar humano, através do desenvolvimento da prática das virtudes éticas, pode-se imaginar a seguinte resposta de Aristóteles ao questionamento de Schopenhauer:   estimado Schopenhauer, diria Aristóteles, de um modo geral: tudo isso tem a ver com a virtude ética, que é uma disposição de caráter de quem julga, pois a virtude é uma disposição que se adquire com as escolha ou conforme a razão. (Cf. Aristóteles:. “Ética a Nicômaco”)

Aristóteles – ainda referindo-se à obra “Ética a Nicômaco” – imagina-se que assim responderia textualmente: “(...) o homem que não se regozija com as ações nobres não é sequer bom; e ninguém chamaria de justo o que não se compraz em agir com justiça”, pois “pelos atos que praticamos em nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos”. (Cf. Ética A Nicômaco).

Em síntese, o fundamento ou razão de quem julga deve ser, conforme Aristóteles, as virtudes éticas (saboeira, coragem, equidade e temperança) quando cultivadas pelo “homem justo e temperante”, visto que “A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática.” (Cf. Ética A Nicômaco).

O diálogo imaginário atemporal prosseguirá na próxima pensa entre os filósofos Aristóteles, Agostinho de Hipona, Maquiavel e Sêneca (O Moço).

MORAIS, OJC. PhD em Democracia e Direitos Humanos (IGC/CDH, instituto associado à Universidade de Coimbra e à FDUC através de protocolos de cooperação institucional.).Doutor em Direito (com ênfase ao princípio da proteção social)  pela  puc/sp; Mestre em Direito pela UFPA, e Acadêmico Perpétuo da APL, da APLJ, da APJ e da ABDSS. Escritor brasileiro.

Océlio de Morais