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Reforma previdenciária na reforma trabalhista (nº 03)

Para que servem as contribuições sociais do período laboral e da decisão trabalhista?

Océlio de Morais

Por que tratar das contribuições previdenciárias, um assunto que, em regra, trabalhadores e sindicatos colocam em segundo plano nas ações trabalhistas.

Tratar das contribuições sociais dos contratos de trabalho ou das decisões trabalhistas não se restringe ao custeio federativo da previdência social como um direito coletivo e difuso da sociedade, mas também está diretamente relacionado à vida de bem-estar dos trabalhadores segurados e seus familiares dependentes.

As contribuições sociais são, nessa perspectiva teleológica, relativas à vida dos trabalhadores segurados.

O direito à vida é o principal direito fundamental da condição humana, como assim bem o reconhece a República Federativa brasileira, constituída em Estado democrático de direito, e que adota a primazia da pessoa humana e os valores sociais do trabalho dentre seus principais fundamentos.. E o direito à vida digna é universal da humanidade, assim já reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) da Organização das Nações Unidas desde 1948.

ADUDH e a Constituição Federal de 1988 têm, no campo dos direitos sociais, a mesma preocupação: o reconhecimento dos direitos sociais para a garantia do bem-estar humano.

Do trabalho humano no âmbito do contrato de trabalho, como direito social, decorrem as contribuições sociais que são base de custeio da previdência, outro direito social fundamental adotado na Constituição da República Federativa do Brasil  -   CRFB/1988.

Logo, as contribuições sociais decorrentes do trabalho humano remunerado (contrato de trabalho e relação de trabalho) são instrumentos de dignificação da vida dos humana, porque através delas o trabalhador segurado – nas situações de doenças incapacitantes, na maternidade ou na velhice – recebe a proteção previdenciária.

Desse modo, pela compreensão conjunta das interdependências do macro sistema social, juridicamente as contribuições socais são critérios legais de acessibilidade às prestações e benefícios previdenciários, observados os períodos específicos de carências.

Tratar então das contribuições sociais do período laboral é tratar da vida laborativa do trabalhador e como isso vai repercutir na vida de seus dependentes como legados de pensões previdenciárias.

Se as contribuições sociais são legalmente critérios de acessibilidade do trabalhador aos benefícios e prestações previdenciárias – cobertura previdenciária que está relacionada à proteção do bem-estar humano – de outro lado, como compreender que, nas ações e decisões trabalhistas, as contribuições sociais sejam ignoradas, sonegadas ou apropriadas de forma indevida? E nesta mesma perspectiva, seriam, determinadas decisões trabalhistas, legitimadoras das condutas de sonegação previdenciária quando ignoram o dever de ofício (previsto no Art. 43 da Lei 8.212) para determinar as medidas legais ao recolhimento e comprovação?

São reflexos inquietantes do ponto de vista jurídico e diante do princípio universal da proteção da vida humana nas situações de enfermidades laborais e nas necessidades da velhice. Vamos verificar essas questões a partir dos seguintes pontos dentro da reforma previdenciária na reforma trabalhista implementada pela lei 13.467/2017: a) a obrigação da empresa em recolher e comprovar as contribuições sociais sobre sua folha de salário e as específicas das remunerações pagas ao trabalhador empregado ou não; b) a competência material da Justiça do Trabalho para processar, julgar e executar as contribuições sociais que decorrem das suas próprias decisões judiciais.

Notemos bem: a obrigação constitucional de recolher e comprovar está dento das funções sociais da empresa e a obrigação de executar está dentro do princípio poder-dever-responsabilidade dos juízes e tribunais do trabalho no Brasil em garantir a efetividade do direito social ao trabalho e à previdência, princípio que é inerente à defesa da autoridade normativa da Constituição – força normativa que o jurista alemão Konrad Hasse, na obra “A força normativa da constituição” (1991, p. 11-12) , relaciona diretamente aos próprios fundamentos do Estado de direito.

A obrigação (= dever) de recolher e comprovar as contribuições adequadamente por mio da Guia Fundiária de Informações à Previdência (GFIP) com vinculação ao Número de Identificação do Trabalhador (NIT) inclui-se nos deveres constitucionais da empresa, sendo por isso que a sonegação ou apropriação indébita das contribuições previdenciárias do trabalhador consistem também crime contra os fundamentos sociais do próprio Estado.

O dever de recolher as contribuições sociais decorre da previsão constitucional e infraconstitucional no regime jurídico brasileiro.

No Art. 195, I e II da Constituição Federal de 1988, com redação pela Emenda Constitucional nº 20/1998 está definida a base de incidência das contribuições sociais à Seguridade Social, dentre outras. Interessa ao nosso estudo as seguintes: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pago ou creditado à pessoa física, ainda que sem vínculo empregatício; b) do trabalhador e demais segurados da previdência social.

A folha de salário inclui a massa de trabalhadores incluídas e unificados pela mesma relação jurídica com a empresa: os contratos de trabalho (tácitos ou expressos, nos termos do Art. 442 da CLT), de onde decorre a fidúcia contratual entre as partes contratantes e donde nasce à empresa a obrigação de informar à Receita Federal folha salarial e à Previdência Social as remunerações que são pagas aos empregados.

A partir das infirmações à receita, será possível fazer o enquadramento do capital social da empresa e, portanto, a definição das alíquotas tributárias que deve recolher compulsoriamente. Das remunerações pagas aos empregados no âmbito do contrato de trabalho, a receita previdenciária define as alíquotas de contribuições dos trabalhadores segurados ao INSS, portanto, define o salário de contribuição que servirá de referência à concessão dos benefícios previdenciários nos casos concretos.

A obrigação de recolher as contribuições sociais também é prevista nos demais rendimentos do trabalho pago ou creditado à pessoa física, ainda que sem vínculo empregatício, questão que abordei no livro Teoria da Prescrição das Contribuições Sociais da Decisão Judicial Trabalhista. Aqui se trata da hipótese das relações de trabalho entre a empresa e o prestador de serviços autônomo, geralmente aquele trabalhador que deve recolher como contribuinte individual.

Ao regime previdenciário na CLT pela reforma trabalhista da Lei 13.467/2017, foi incluída a mesma regra constitucional do Art. 195, I e II para as questões das contribuições sociais decorrentes do contrato de trabalho coladas ao exame da Justiça do trabalho. Com isso, bem à luz da teoria do sistema social de Luhmann, estabeleceu-se o diálogo constitucional com a norma infraconstitucional.

Em termos práticos, esta relação comunicacional das normas (Constituição e CLT – que consiste num grande e importante avanço jurídico da reforma previdenciária na reforma trabalhista – outorga à Justiça Federal do Trabalho a competência material para processar e executar as contribuições sociais do contrato de trabalho e as decorrentes de suas próprias decisões.

Reside no Parágrafo único, Art. 876 da CLT, a definição dessa competência material, quando atribui o poder-dever-responsabilidade aos juízes e tribunais do trabalho para executar, de ofício, as contribuições sociais devidas à seguridade social previstas nos incisos I e II, Art. 195 da Constituição Federal de 1988.

Aliás, no regime infraconstitucional, essa competência já estava prevista desde o início da década de 1991, quando a lei 8.212/1991, no Art. 43, atribuiu aos juízes do trabalho o dever da iniciativa de ofício para determinar todas as medidas necessárias ao recolhimento das contribuições sociais devidas à previdência em sede das ações e decisões trabalhistas.

E para que não repousasse nenhuma dúvida – embora por natureza criativa dos juristas e a dinâmica das leis alimentem variadas hermenêuticas, mas as interpretações não podem ser desvirtuadas do telos das leis – a Emenda Constitucional nº 45/2004 foi taxativa: incluiu na competência da Justiça do Trabalho a execução das contribuições sociais referidas no Art. 195, I, A, e II, da CF/1988, bem como as controvérsias decorrentes de suas próprias decisões.

No âmbito de uma decisão trabalhista que reconheça o vínculo empregatício, as contribuições sociais são inerentes ao contrato realidade (Art. 442 da CLT), realidade fática que atrai naturalmente a competência da Justiça do Trabalho em resolver o consectário (= controvérsia decorrente) que nada mais é do que o dever de determinar o recolhimento das contribuições sociais daquela relação de emprego.

Há quem insista que, apesar de toda essa previsão constitucional e infraconstitucional, a súmula vinculante nº 53 do Supremo Tribunal Federal limita a competência da Justiça do Trabalho apenas à execução das contribuições sociais quando a empresa for condenada ao pagamento de salários.

Tenho percepção bem diferente, assentada na interpretação sistemática das normas, valores princípios da constituição em relação às regras infraconstitucionais que tratam dessa matéria.

O ponto central da súmula vinculante nº 53 é o seguinte: a competência está vinculada ao objeto da condenação constante das sentenças proferidas e dos acordo trabalhistas homologados pelos juízes e tribunais do trabalho.

Vários podem ser o objeto da condenação numa sentença trabalhista: objeto declaratório (que reconhece o vínculo de emprego e definições obrigações de fazer ou abstenções); objeto constitutivo (que consiste no reconhecimento da certeza da relação jurídica entre empregador e trabalhador e disso são reconhecidos direitos trabalhistas e obrigações previdenciárias in abstrato); objeto condenatório (que consiste na obrigação de pagar as verbas trabalhistas e na obrigação de recolher as contribuições sociais à previdência).

Portanto, sob o princípio integral do objeto condenatório da sentença, não considero possível seccionar da sentença trabalhista (que declara a relação de emprego) a competência da Justiça do Trabalho para determinar o recolhimento das contribuições sociais, bem como a sua consequente execução, em caso de desobediência da coisa julgada material trabalhista.

A reforma previdenciária na reforma trabalhista de 2017 deu resignificação especial às contribuições socais nas causas submetidas à Justiçado Trabalho.

Quando isso ocorre, inclui-se o sistema de Justiça trabalhista à efetividade do direito fundamental à inclusão previdenciária do trabalhador segurado.

Por isso, essa questão é séria, muito séria. E se quisermos levar bem a sério o bem-estar do trabalhador nos casos de adoecimento no trabalho e nos seus tempos de velhice, as contribuições sociais do contrato de trabalho jamais poderão ser sonegadas e nem apropriadas indevidamente pela empresa, nem pelo empregador doméstico.

As contribuições sociais são essenciais à proteção do bem-estar humano, por isso constituem elemento social de fundamento do próprio Estado, o Estado-providência.

No próximo artigo, ainda na série a previdenciária na reforma trabalhista, vamos verificar o problema das proteção previdenciária da mulher na CLT.

Océlio de Morais