Carlos Drummond de Andrade foi considerado pela crítica como um dos mais importantes e influentes poetas do modernismo brasileiro do século XX. Apesar disso, ele nunca concorreu a uma Cadeira na Academia Brasileira de Letras. Não esteve entre os imortais das letras, embora a imortalidade tenha alcançado seu nome na arte de suas obras literárias. Drummond, Vinícius de Moraes e Mário Quintana são os poetas de minha preferência no Brasil.
Sempre gostei da poética de Drummond, especialmente pela temática existencialista (sobre os valores da vida e o sentido da morte). Dentre os inúmeros poemas que escreveu, o intitulado “A Palavra” é um dos quais mais gosto, porque ele quer “a palavra que não está nos dicionários”, isto é, na minha interpretação, a palavra que seja aquela não convencional ou a palavra que não seja a de conveniência política, mas a palavra – como dito no poema – que “resumiria o mundo e o substituiria”.
Mas, qual seria a “palavra” que “não está nos dicionários” e que seria capaz de resumir o mundo ao ponto de substituí-lo? De forma simples e objetiva, o poeta também deu a resposta: a palavra que fosse tão iluminada da comunhão até “Mais Sol do que o Sol” – a palavra “dentro da qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.” Portanto, “comunhão”, é a palavra perfeita, certa e completa do poeta, a palavra que pode ser saboreada.
Então pensei: o poeta estava falando naquilo que hoje muito se fala: a palavra não violenta, a palavra não agressiva, a palavra não desumana, a palavra não falsa, a palavra não hipócrita, a palavra não grosseira, a palavra não estúpida, a palavra não egoísta, a palavra não invejosa, enfim, a palavra que – antes de ser expressada – precisa ser bem pensada para que não faça mal a ninguém.
“Comunhão” (traduzida como a “mais Sol do que o Sol”) era a palavra não violenta e não agressiva, logo, é a palavra que traduz fraternidade – “a palavra” que poderíamos “saboreá-la” e, dentro dela poderemos viver todos em comunhão”.
E ainda pensei: quem de nós – na multitude diária das coisas – já parou para pensar no valor de suas palavras e na forma representativa de seus atos? Andei pensando nisso, porque, no meu dia a dia, ouço muitas palavras e lido com muitos atos das mais variadas pessoas e das mais variadas incrédulas ou verdadeiras narrativas, que são transformadas em causas judiciais.
E percebe-se que cada palavra tem um sentido e uma consequência dentro dos respectivos ambientes culturais específicos, e que cada ato tem uma força representativa.
São incontáveis nossas palavras. Algumas marcam positivamente e outras negativamente muitas vidas. Vamos imaginar o seguinte: se fosse possível fazer uma fileira com as palavras, desde a primeira que pronunciamos lá entre 12 e 18 meses até a última verbalizadas no dia de hoje; ou se o enfileiramento dessas palavras formasse uma espécie de Escada de Jacó para nos levar à eternidade, qual seria a nossa percepção acerca do valor (para o bem) dessas palavras?
Nossas palavras são fraternalmente respeitosas ou são palavras que, embora sob a roupagem de cortesia, são agressoras e desagregadoras?
Observemos que segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora e dia a dia, as escolhas por cada palavra e a decisão prática (cada ato) definem o caráter de cada indivíduo. Nisso tudo há um fato natural e inquestionável: as palavras e os atos – a gente nem percebe – vão se empilhando ou formando um tipo de montanha até o segundo final da vida, o nosso implacável day of bodily death.
E por nossas palavras e por nossos atos, precisamente, seremos lembrados como pessoas confiáveis ou não confiáveis, como pessoas honestas ou desonestas, como pessoas boas ou más, enfim, como pessoas fraternais ou não.
Sim, as palavras revelam nossos pensamentos. Os atos revelam quem somos e os nossos interesses éticos ou não. As palavras e os atos nos personificam.
Isso é antigo, muito antigo mesmo na nossa história humana. O rei Salomão – a quem se atribui a autoria do livro de Provérbios entre 1.015 a 975 a.C. – recomendou um cuidado especial com o uso das palavras: “(...) A língua dos sábios adorna a sabedoria, mas a boca dos tolos derrama a estultícia. (...) A língua benigna é árvore de vida, mas a perversidade nela deprime o espírito. (...) Os lábios dos sábios derramam o conhecimento, mas o coração dos tolos não faz assim.”(Provérbios 15, 2, 4 e 7).
O sábio (o sensato, o compreensivo, o fraternal) escolhe bem as palavras, precisamente porque a sua “língua benigna é árvore de vida”, ou seja, a língua do conhecimento não é tola, não é traiçoeira, não é maldosa, não é agressiva, não é violenta, por fim, não quer e não faz mal a ninguém.
Por toda a existência, uma coisa também é certa: todos nós temos uma espécie de hard disk drive ou uma espécie “cofre forte” no universo espiritual, recipientes onde ficam armazenados todas as palavras e todos os atos que praticamos. A questão a saber, na perspectiva de cada um, é sobre o valor de cada palavra e a força representativa de cada ato para a construção da fraternidade, enquanto ainda estamos na fila – todos estamos na fila à espera do dia final (the final day) – porque sempre há tempo de ressignificar a vida com boas palavras e com atos fraternos.
Vou então – como no poema de Drummond – lançar um desafio a você: vamos eleger a boa palavra do nosso dia a dia – e para toda a nossa existência – para saboreá-la e vivermos dentro dela em comunhão e em fraternidade.
Escolher sempre a palavra certa para que possamos morar dentro dela com fraternidade – e excluir todas aquelas palavras ruins e más que um dia já utilizamos contra o semelhante – nos coloca de joelhos diante do confessor da própria consciência, o que é uma espécie de domínio da própria natureza, aquilo que a filosofia clássica deixou como legado atemporal: “Conhece-te a ti mesmo”, a frase inscrita no templo de Apolo em Delfos.
A minha palavra é fraternidade, porque ela é o primeiro passo para amar e cooperar uns com os outros, como parte da essência humana e da nossa Alma imortal.
E para você, caro leitor, qual a palavra certa para ser saboreada e morar dentro dela em comunhão fraternal?
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