Dois fatores da condição humana quase sempre levam a pessoa a pensar a vida como se fosse um balcão de negócios: a natureza imperfeita e o natural desejo em obter as coisas.
Possuir as coisas, conquistar espaços e exercer lideranças, mais do que desejos, são objetivos de vida que a família e a sociedade adotam como arquétipos (aquele modelo que se utiliza modelo).
A questão decorrente é o padrão que pode ser adotado para essas finalidades: a troca de favores que desviam o sentido ético da relação que é estabelecida. Nessa perspectiva, a troca de favores é mal em si, mas, sob outra perspectiva, também pode ser uma boa experiência para finalidades nobres.
A troca de favores está no campo das escolhas, portanto, é o espaço ético onde cada pessoa – conforme seus valores e princípios virtuosos ou não – aposta suas fichas ou, por outras palavras, emprega suas principais energias (física e mental) para conseguir o seu objetivo.
Pode ser dito que a boa troca de favores é um aspecto da incompletude da natureza humana. O fato de que todos precisamos reciprocamente um do outro revela a condição de que ninguém é o poderoso-absoluto-poderoso (ainda que ocupe cargo e função com altos poderes decisórios) senhor das coisas, à medida que, dada a imperfeição humana, as redes de solidariedade e caridade são necessárias para que, mutuamente, sejam suprimidas necessidades materiais e espirituais que se apresentam carentes.
Ainda na perspectiva de que a troca de favores está no campo das escolhas éticas ou aéticas, pode-se entender que ela também aponta para a ideia da reciprocidade para bons propósitos.
Eis um exemplo: “eu te ajudo com as regras matemáticas e você me ajuda com as regras gramaticais”. Nesse sentido, a troca de favores é para o bem, qual seja, o aprendizado mútuo de alunos que, carentes em áreas específicas do conhecimento, se complementam com ajuda mútua – ajuda que deduz a solidariedade e a fraternidade.
Aqui, esses valores elevam a virtude espiritual daqueles que se envolvem nessa reciprocidade solidária e fraternal.
A troca de favores rigorosamente não é boa quando a moeda de troca é a corrupção ética, campo onde os envolvidos e favorecidos são autofágicos: primeiro, porque não dão valor às suas próprias dignidades, o que decorre da alma seca dos valores espirituais. Segundo, porque na primeira oportunidade, um será o destruidor do outro ou, para lembrar o filósofo inglês Thomas Hobbes: o homem é o maior inimigo do próprio homem ou o homem é o lobo do próprio homem.
Eu diria que um homem passa a ser o lobo do próprio homem quando, mutuamente, perdem a referência da ética humana.
Quem de sua vida esvaziou as virtudes e se tornou refém da corrupção das coisas do mundo é aquele que perdeu o domínio de sua alma; portanto, não valorizou a sua dignidade e, como tal, também não dará importância à dignidade dos seus semelhantes. Será homem (o lobo faminto) à espreita da oportunidade de devorar (destruir) o próprio homem.
Mas, observe-se bem que tudo isso decorre das escolhas: sendo escolhas boas (relativas aos valores humanos que elevam a espiritualidade), os frutos serão a solidariedade, a caridade e a fraternidade. Mas se as escolhas são más (aquelas desvirtuadas que c), não tenhamos dúvidas: o homem será o lobo do próprio homem.
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