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E quando o tempo findar, as sementes do bem já devem estar brotando

Ocelio de Jesús Morais

Ninguém se dá conta ou praticamente quase ninguém fica pensando nisso: a fugacidade do tempo – o tempo vai retirando o vigor e a agilidade físicas; o tempo onde a sagacidade do raciocínio caminha na mesma lentidão dos passos trôpegos da velhice e a velhice conta monotonamente cada segundo do tempo restante até o previsível final da existência física, isso quando não ocorre nenhum fato extraordinário que modifique o curso natural e ordinário da condição humana.

Se pudesse definir a fugacidade do tempo da vida, além do seu conceito físico-natural – período sem interrupções no qual as coisas ocorrem –, diria que ela é uma espécie de democracia, porque existe indistintamente para todos e alcança igualmente a todos, de alguma forma e na medida de seu próprio tempo.  

Imaginária, Pio X – a criança nascida em 02.06.1835 e batizado Giuseppe Melchiorre Sarto – que chegaria ao Pontificado da Igreja Católica Apostólica Romana e que sofreria um ataque cardíaco que o deixaria com saúde totalmente debilitada, levando à morte?

Por lógica temporal, o Papa Pio X não foi meu contemporâneo.  Mas seu legado apostólico, com ênfase à  construção de seminários católicos pelo mundo para formação de padres,  chegou à cidade de Santarém do Pará, onde foi construído o seminário São Pio Décimo, uma homenagem póstuma ao pontífice falecido em 20.08.1914. Naquele seminário – a pedra fundamental do seminário foi lançada pelo bispo Dom Floriano Loewenau em 1955, mas foi inaugurado em 25 de fevereiro de 1962, por Dom Tiago Ryan, seu sucesso –   estudei em regime de internato na minha adolescência, a partir de 1976. 

E, assim, a obra do Papa Pio X chegou na Amazônia brasileira e alcançou o meu destino em janeiro de 1976 – mês em que, para celebrar o IX Dia Mundial da Paz – o Papa Paulo VI expediu ao mundo a mensagem “As verdadeiras armadas da Paz”, como esforço “para apagar focos de guerra e de guerrilha que de há anos a esta parte funestam a face do globo” e “que ameaçam de deflagrar em lutas gigantescas com as dimensões de continentes, de raças, de religiões e de ideologias sociais.

E será que João XXIII (20.11.1881) imaginaria que seria acometido por um câncer no estômago, o qual o levaria à morte em 3 de agosto de 1963? 

João XXIII foi o Papa da minha primeira infância e idealizador em 1961 do Concílio Vaticano II (1962-1965) – o Concílio que, dentre outras decisões, aboliu a celebração de missas de costas aos fiéis na Igreja Católica. E, assim, o legado de João XXIII beneficiou minha geração e as futuras: nunca assisti missas em latim com padres de costas aos fieis. As missas passaram a ser mais inclusivas.

Da minha adolescência no seminário menor, Paulo VI (29.06.1963 a 6.08.1978) foi o Papa que concluiu o Concílio Vaticano II, impactando na formação dos futuros padres. 

E quem poderia imaginar que Paulo VI, na velhice, desenvolveria artrite que o deixaria acamado e que iria sofrer um ataque cardíaco, enquanto uma missa era rezada junto à sua cama, a falecer no dia 6 de agosto de 1978?

E assim, mesmo sem saber, as conclusões do Concílio Vaticano II coordenadas por Paulo VI marcaram minha visão de mundo católico no seminário menor.

E quem lembra do Pontífice que falava 12 idiomas (Polaco, Italiano, Inglês, Português, Alemão, Francês, Espanhol, Ucraniano, Russo, Servo-croata, Grego e Latim), aquele que pronunciou a memorável frase: "se Deus é brasileiro, o Papa é carioca", por ocasião da sua terceira vista ao Brasil em 1997?

Será que algum dia, aquele Papa de voz potente e envolvente, imaginou que, também na velhice de seu pontificado, não teria nenhuma força gutural para fazer a bênção Urbi et Orbi – a bênção especial e tradicional nas três únicas ocasiões Natal, na Páscoa e na eleição do Papa – para  70 mil fiéis na praça de São Pedro, daquele domingo, 27 de março da Páscoa em 2005? E que, desde então, não mais iria pronunciar nenhuma palavra até o seu falecimento no dia 2 de abril de 2005, aos 84 anos?

Esse foi João Paulo II, nascido em 18 de maio de 1920, o Papa que sofreu dois atentados por sua luta o contrnismo: um, na praça são Pedro, na Cidade do Vaticano, no dia 13 de maio de 1981, quando foi baleado pelo terrosita turco, por Mehmet Ali Ağca. O outro, quando celebrava uma missa, foi esfaqueado dentro do Santuário de Fátima, em Portugal, no 12 de maio de 1982, pelo ex-padre espanhol Juan Maria Fernandez Krohn.  João Paulo II perdoou os dois agressores.

Enquanto seminarista maior no Instituto de Teologia em Belém da Conferência dos Bispos do Brasil  – que funcionava no casarão de estilo colonial anexo ao Palácio Arquiepiscopal localizado na Cidade Velha –    vi e senti ao vivo a força apostólica daquele Papa. Tive a felicidade de assistir à sua missa celebrada na então avenida 1º de Dezembro com a Mauriti, no Bairro do Marco, no dia oito de julho de 1980  em Belém do Pará. E, assim, João II influenciou positivamente minha vida. 

E será que o pacifista e líder espiritual Mohandas Karamchand Gandhi 

 – o  homem que liderou o povo indicando  à desobediência civil não violenta   contra o “Raj Britânico”, no período de 1858 a 1947 –, imaginaria que seria assassinado a tiros,  por um hindu radical, no dia 30 de janeiro de 1948,em Nova Deli?

Não que Gandhi  tenha sido o precursor da resistência à luz do princípio  não violência – essa primazia universal é de Jesus Cristo, quando ensinou que “Se alguém lhe der um tapa numa face, ofereça também a outra” (Lucas 6:29) – mas deve-se reconhecer que o pacifista indiano procurou, à maneira e no seu tempo vigoroso, reagir com pacifismo à violência da ocupação inglesa .

E vejam que coisa intrigante: o homem que estudou a astrofísica e mudou a concepção científica global sobre os mistérios dos buracos negros no Universo  – “buracos negros são regiões do espaço com uma gravidade tão intensa que nada, nem mesmo a luz, pode escapar de sua atração” –  não conseguiu vencer a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), a doença degenerativa que afeta o sistema nervoso e provoca paralisia motora irreversível. 

Esse foi Stephen Hawking (8.01.1942),  indiscutivelmente  um dos maiores cientistas dos séculos XX e XXI,  e praticamente o 1° homem robô  da história, pelo fato de manifestar suas ideias e desenvolver suas teorias  sobre os buracos negros do Universo, através de máquinas inteligentes:  a partir de 1970, Hawking passou a usar cadeiras de rodas para se locomover e, algum tempo depois, quando perdeu a capacidade da fala, passou a utilizar uma voz robótica para se comunicar – condição que o acompanhou até a morte em 14.03.2018.

A história está repleta de casos icônicos dessa natureza – e de outros tantos de milhares de casos invisíveis –  os quais são aqui referidos para dar ênfase especial à minha reflexão filosófica sobre a imprevisibilidade da vida e sobre a perspectiva da velhice, seus dilemas de saúde, até o momento final – the day of death,  que não sabemos quando e como será. 

O tempo da existência é uma dádiva, mas também é uma incógnita como uma caixinha cheia de surpresas agradáveis e  desagradáveis – tempo inexorável que carrega todas as marcas da vida, porque o tempo da nossa existência nunca e jamais retorna às fases anteriores à da velhice.

Se o tempo, ainda que por mágica, voltasse atrás, fico a pensar se esses homens notáveis  fariam as mesmas escolhas e se tomariam as mesmas decisões  de cada momento chave de suas vidas.

Então, se fosse possível perguntar diretamente a cada um dos papas (Pio X, João XXIII, Paulo VI e a João Paulo II) e ainda se fosse possível indagar ao Gandhi e ao Hawking  – os personagens paradigmáticos desta pensata filosófica – eu lhes faria as seguintes indagações comuns:   seus sofrimentos físicos, que foram deixando cicatrizes indeléveis às suas vidas, lhes tiraram o prazer e a alegria de viver? E se, para cada um, fosse possível mais alguns segundos ou um minuto de vida – como última chance para apresentar as suas razões finais ou para deixar algum recado derradeiro à humanidade – o que diriam: 

Eles manifestaram gratidão a Deus pela vida que tiveram e reafirmaram o compromisso em servir a humanidade? Ou diriam que o tempo de  suas existências foi bem vivido e suficiente para o propósito de ser feliz e fazer o bem?

Ou diriam: o curso da vida é realmente instigante, pois cada escolha (que gera uma ação virtuosa ou não virtuosa) é como se fosse um cofre forte que armazena nossas boas e más ações e, na velhice e nos últimos segundos do day of death tudo isso vem à mente, mas nos faltam forças para pronunciá-las, e as lágrimas que escorrem dos olhos embaçados falam, por si, da felicidade ou da infelicidade até secar a dor final do coração. 

Como o tempo nunca retorna às origens, minhas perguntas ficam sem respostas. Contudo, seus exemplos de vida estão incorporados na história como lições de vida para quem quer ir além da efemeridade das coisas e compreender que o dom da vida tem um propósito especial: por toda a existência e por todos os seus caminhos, semear sementes do bem como condição da felicidade e à evolução espiritual.

Essas sementes são gratuitas. Quem desejar semeá-las, pode encontrá-las em qualquer ‘feira livre” do bem, enquanto o tempo da existência favorece,   pois não sabemos a hora nem dia, o mês, o ano e nem a causa de nossa morte.  Pode ser a qualquer momento.  Mas, uma coisa é absolutamente necessária: quando o tempo findar, as sementes do bem já devem estar brotando, porque a saga humana em busca da felicidade contínua às gerações que ficam e às gerações sucessivas. 

 

ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

Océlio de Morais