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As orquídeas só florescem em setembro. E a Nova Aliança?

Ocelio de Jesús Morais

Suas mãos, alguma vez, já foram arranhadas  ou perfuradas pelos  espinhos? Naquele dia,  acordamos por volta das 5:00 horas da manhã, bem mais cedo do que o costume. Tínhamos que ir à cidade, minha mãe e eu. 

Não era um dia de rotina de trabalho no rosso roçado na colônia Jacaré, daquela rústica e bucólica cidade da década de 1960 – a terra mãe dos originários  índios Gurupatuba, que virou freguesia de São Francisco de Assis; depoiis, Vila Monte Alegre (1758),  nome ratificado com a sua elevação à categoria de Município (1880).

Naquele tempo, o dia de domingo era muito especial, pois realmente era dedicado ao descanso.  Mas era diferente sobretudo por ser reservado para uma conversa mais íntima,  mais sintonizada e honesta com o Senhor da vida: o domingo tornava-se um dia bem mais especial do que os outros – a rigor, do amanhecer ao anoitecer,  tudo torna os dias especiais – porque  naquele domingo eu completava a primeira década de vida, coincidente com o dia da minha primeira comunhão.

Tradicionalmente, na cidade, a missa das crianças na Igreja matriz (construída entre 1869-1872) era celebrada às 8:00 horas da manhã –  o nome  da igreja homenageia São Francisco de Assis (1181, ducado de Espoleto, Itália) como padroeiro  – o jovem  boêmio que abdicou de toda sua riqueza e morreu na extrema pobreza aos 44 anos, no dia 3 de outubro de 1226.

  Tínhamos que ir à cidade. Na zona rural, a “colônia do Jacaré”, às margens do igarapé com o mesmo nome, pois aquele domingo iria me incluir – embora  naquele tempo eu não tivesse a menor ideia –  no § 2º do Can. 77 do Código de Direito Canônico,  o qual prevê que, como sequência ao Batismo, o sacramento da santíssima Eucaristia representa, na Teologia Católica, a iniciação da criança cristã na comunhão com a comunidade.

Uma camisa branca e short na cor preta,  uma vela e um buquê  de flores foram necessários como indumentárias para aquele evento. Mamãe colheu flores rústicas do campo  –  era Setembro o mês da floração das Orquídeas – para um pequeno  buquê,  também composto com rosas brancas, colhidas de uma roseira  que havia na gruta de rocha calcária  erguida como oratório (com uma imagem da Virgem Maria) entre a Casa Paroquial e a Igreja Matriz, na cidade Alta.

E ali ela disse,enquanto colhia algumas rosas brancas:   suas mãos, alguma vez, já foram arranhadas  ou perfuradas pelos  espinhos? Não havia entendido, mas respondi que não. E ela explicou: veja essas mãos calejadas  do trabalho na roça:  de início, os calos podem sangrar.  Mas,  doem muito mais os espinhos que podem arranhar as mãos  e podem  perfurar os dedos.

E continuou falando: colocaram uma coroa de espinhos na cabeça de Jesus, zombando dele, antes mesmo de ter sido crucificado.  Hoje a sua primeira Comunhão vai acontecer – a primeira  Eucaristia  é a primeira vez que o cristão  católico recebe o “Corpo e o Sangue de Jesus Cristo” –  porque Jesus morreu por nós e para nossa oportunidade de salvação.

Naquela idade, confesso que não compreendi a dimensão daquelas palavras.  Hoje  pensando nelas –   aliás, como você se lembra da sua mãe? E  você já pensou como seus filhos e netos vão se lembrar de vocês? –  vejo uma sabedoria singular naquelas breves palavras: elas aliaram a coroa de espinhos da coroa de Jesus, os espinhos da roseira que podem arranhar ou perfurar dedos, a  inocência e singeleza da rosa branca, o amor e a alegria das orquídeas, tudo comparado à penitência e da santíssima Eucaristia. 

As rosas e os espinhos –  quando pensamos na natureza composta dos galhos das  roseiras e das suas flores (beleza, inocência  e perigo, sacrifício) – podem representar muito adequadamente os caminhos que percorremos em perspectiva entre os dois sentimentos mais antagônicos do ser humano (amor e ódio) ou bem recorrentes  do dia a dia (alegrias e tristezas). 

Rosas e orquídeas  – recordemos bem –  remetem à pureza, à inocência, à  paz e à espiritualidade e as orquídeas representam beleza, amor, solidariedade,  alegria e  paz. Os espinhos representam sangue, dor, dificuldade, sacrifício e martírio. 

Nesta parábola de  rosas, orquídeas e espinhos  da nossa existência em comparação à   primeira Eucarístia no catolicismo cristão, posso então dizer que ela é, bem a rigor, a  confirmação do pacto da “Nova Aliança” legada, na última Ceia,  por Jesus Cristo  a todos os que desejarem viver com Ele a “Nova Aliança” como uma verdade profética de Jesus, conforme relatado pelo evangelista Lucas (22:19):

– “Pegando ele o pão, deu graças, partiu‑o e o deu aos discípulos, dizendo: ― Isto é o meu corpo, dado em favor de vocês; façam isto em memória de mim. Da mesma forma, depois de ter comido o pão, ele pegou o cálice e disse: ― Este cálice é a nova aliança no meu sangue, que é derramado em favor de vocês.”

Em algumas regiões, as rosas podem florescer durante o ano, mas seu ponto máximo é na estação de Outono, enquanto que as orquídeas foram em setembro. A Nova Aliança, anunciada há mais de dois milênios,  existe para toda eternidade, como verdadeiro significado da existência humana.

ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

Océlio de Morais