Acidente de percurso e a repercussão previdenciária
Compreenda como era e como fica
Compreenda como era e como fica
Quero começar essa reflexão com duas questões jurídicas importantes para a vida do trabalhador segurado e para as causas judiciais no âmbito da Justiça do Trabalho.
Antes, faço uma advertência (alerta) científica: a análise que farei é exclusivamente técnica daquilo que a norma dispõe, portanto, sem emissão valorativa se a lei é justa ou injusta, se a norma é protecionista ou antiprotecionista,
Meu critério de análise é técnico, metologicamente sistemático das normas celetistas e previdenciárias, sem incursão subjetivada.
A primeira questão é saber se a regra do § 2º, Art. 58 da CLT, acrescentado pela Lei 13.467/2017, exclui a possibilidade do acidente de trajeto em sede dos contratos de trabalho e nas relações de trabalho.
A segunda, saber se o referido § 2º, Art. 58 é incompatível e, portanto, se prevalece sobre a regra da alínea D, inciso IV, Art. 21 da Lei 8. 213 de 1991.
A questão jurídica de fundo dessas regras se refere ao acidente de trajeto da residência para o local de trabalho ou deste para aquela e, a par disso, os efeitos previdenciários ao trabalhador segurado, especificadamente as questões relacionadas ao direito de receber auxílio-doença acidentário (ou auxílio-acidente) com a respectiva garantia do emprego pelo prazo mínimo de 12 meses.
Investiguemos a primeira questão: se o novo § 2º, Art. 58 da CLT exclui a possibilidade do acidente de percurso.
A resposta passa pela compreensão sistemática das normas da CLT, no que referem ao acidente de percurso e suas repercussões previdenciárias.
A nova redação do § 2º, Art. 58 celetista dispõe que “O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.”
Em suma, essa regra passa a considerar apenas o tempo efetivo de serviço na jornada de trabalho, porque não mais considera como tempo à disposição o trajeto entre a residência/trabalho/residência, qualquer que seja o meio de transporte utilizado pelo trabalhador empregado.
Assim. deixando de considerar como tempo à disposição do empregador, e ocorrendo o acidente de trajeto, tecnicamente poderá ser tido como acidente de percurso equiparado ao acidente do trabalho?
Qual seria a resposta?
Note-se bem: o empregado não está à disposição da empresa, não está guardando ordens de serviços, nem executando tarefas. Portanto, pela nova redação do § 2º, Art. 58, quer dizer o seguinte: nesse trajeto, o empregador não possui ingerência sobre o tempo do empregado ou sobre o meio de transporte utilizado,portanto, não nem assume riscos laborais.
Então, tecnicamente poderá ser tido como acidente de percurso equiparado ao acidente do trabalho?
A resposta está no Art. 19, da Lei 8. 213 de 1991, que define o “Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico (…) provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.
A questão chave é esta: a lei previdenciária adota como critério mãe objetivo para a tipificação do acidente do trabalho “o exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico”.
O tempo do trajeto “não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador”, conforme o § 2º, Art. 58 celetário.
Desse modo, conclusivamente posso afirmar que a primeira questão está respondia: juridicamente o § 2º, Art. 58 da CLT exclui a possibilidade de tipificação do acidente de trajeto como acidente do trabalho , porque:
→ a) o empregado não está à disposição do empregador, mas sendo, de outro lado, equiparável quando o empregado está à disposição da empresa;
→ b) o tempo do trajeto não integra a jornada de trabalho, logo, não existe a presunção de trabalho ficto, muito menos efetivo – questão que aponta para o não atendimento do Art. 19 da Lei 8. 213 de 1991, isto é, não pode ser equiparado ao acidente do trabalho porque o evento não ocorreu pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico.
Vamos à segunda questão: o § 2º, Art. 58 da CLT é incompatível em face do disposto na alínea D, inciso IV, Art. 21 da Lei 8. 213 de 1991 e prevalece sobre esta?
Coloquemos o nosso pensar na regra jurídica: o acidente de trajeto sofrido pelo segurado é equiparado ao acidente do trabalho, de acordo com o Art. 21, inciso Iv, alínea D, da Lei 8. 213 de 1991.
Equiparar é sinônimo de igualar; possui o sinônimo de tornar equivalente os efeitos jurídicos do acidente de percurso aos mesmos efeitos do acidente do trabalho.
Portanto, entre os dois, existe um pressuposto – o pressuposto do acidente de trajeto, para ser equiparado ao acidente do trabalho exige o mesmo requisito objetivo do Art. 19 da Lei 8.213 de 1991, isto é, acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico.
Por outras palavras: não será equiparável ao acidente do trabalho se o acidente de percurso não ocorrer em razão do serviço ou pelo exercício do do trabalho ao empregador.
Essa compreensão não é forçada, pois está adstrita à sistemática legislativa adotada na lei previdenciária para os artigos 19 (que traz o conceito legal de acidente do trabalho) e 21 (que cuida dos acidentes de trabalho por equiparação).
Para ser equiparado ao acidente do trabalho, o acidente de trajeto necessariamente deve resultar do exercício do do trabalho à empresa.
A resposta para a segunda questão é esta: o § 2º, Art. 58 da CLT não é incompatível com a alínea D, inciso IV, Art. 21 da Lei 8. 213 de 1991, porque o próprio Art. 21 da lei previdenciária é que estabelece o critério jurídico para a equiparação do acidente de trajeto como acidente do trabalho.
Disso tudo surge uma terceira questão relevante.
Como fica a proteção previdenciária do trabalhador segurado no caso do acidente de trajeto quando não está à disposição do empregador?
Respondo, primeiro, pelos direitos que não terá .:
→ 1. Não terá direito ao recebimento do auxílio-doença acidentário, nem auxílio-acidente, porque o Art. 118 da Lei 8.213 de 1991 garante esse direito apenas ao segurado que sofreu acidente do trabalho ;
→ 2. Não terá a garantida da manutenção do seu contrato de trabalho na empresa pelo prazo mínimo de doze meses,
→ 3. Não terá direito aos depósitos do FGTS do período de afastamento, porque a obrigação a empresa, neste particular, ocorre no caso de acidente do trabalho, conforme previsto pelo § 5º, Art. 15, da Lei 8.036/1990.
E quais os direitos que o trabalhador segurado terá no caso do acidente de trajeto que não for equiparado ao acidente do trabalho?
→ 1. Se o acidente de percurso afastar o trabalhador por período superior a 15 dias, resultando incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual (Art. 59), terá o direito ao auxílio-doença, conforme previsto no inciso II, Art. 26, da Lei 8. 213 de 1991, uma vez que o evento será enquadrado como “acidente de qualquer natureza ou causa”, observando o critério do § 10, Art. 29, da mesma lei para a fixação do valor do benefício, , isto é:
→ a) a média aritmética simples dos últimos 12 (doze) salários de contribuição;
→ b) ou, a média aritmética simples dos salários de contribuição existentes, se não alcançar se não alcançado o número de 12 (doze) de contribuição..
→ 2. O empregado afastado do trabalho terá assegurado, por ocasião de sua volta, todas as vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria a que pertencia na empresa (art. Art. 471 , CLT);
→3. No período do afastamento, ocorre a suspensão do contrato de trabalho, caso em que não poderá ser rescindido, salvo comprovada qualquer uma das hipóteses da justa causa do Art. 482 da CLT;
→ 4. Terá direito à aposentadoria por invalidez (enquanto permanecer nesta condição), qualificado que foi o acidente de percurso como de “de qualquer natureza ou causa” (Art. 26,II, Lei 8. 213 de 1991);
→ 5. A aposentadoria por invalidez será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência (Art. 42, ei 8. 213 de 1991);
→ 6. A aposentadoria por invalidez, inclusive a decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário de benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta Lei. (Art. 44, Lei 8. 213 de 1991).
Em conclusão, a questão chave para caracterizar o acidente do percurso equiparado ao acidente do trabalho, com a nova redação do § 2º, Art. 58 da CLT, é estar o trabalhador à disposição do empregador.