A Rússia foi palco da cúpula dos BRICS nesta semana. O grupo reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e, desde janeiro, novos países passaram a fazer parte oficialmente: Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos.
Esta foi a primeira vez que o grupo se reuniu sob nova formação, com muitos outros países convidados para fazer parte dos três dias de reunião em Kazan. Entre nomes conhecidos e uma disputa grande de pretendentes querendo fazer parte do grupo, chamou atenção a situação do Brasil com a Venezuela.
Azedou de vez a relação entre Lula e Maduro. Putin e Xi Jinping deram todos os sinais positivos para um ingresso da Venezuela aos BRICS, mas Lula, através de Celso Amorim, foi muito claro ao dizer que seria inoportuno. Rússia e China respeitaram a diplomacia brasileira e avisaram os venezuelanos que, pelo menos agora, eles não têm vez.
Se a reunião tivesse acontecido quatro meses atrás, Lula provavelmente seria um dos grandes entusiastas de ingressar o velho amigo e parceiro Maduro ao grupo. Quando o ditador venezuelano visitou o Brasil em 2023, Lula o defendeu diante das câmeras e não escondeu o entusiasmo em tentar acabar com o “preconceito com a Venezuela”.
Acontece que Maduro tem mais fascínio pelo Palácio de Miraflores do que por seus parceiros, e nem mesmo Lula escapou deste pensamento. Após o resultado eleitoral em julho, quando o mundo inteiro, corretamente, contestava e condenava a maquiada vitória do chavista, Lula se tornou o único canal de mediação na região.
Foram reiteradas vezes em que Celso Amorim buscou diálogo com Maduro. A Casa Branca ligava para o Planalto para pedir atualizações da situação. Se havia alguém capaz de costurar um acordo para acabar com o impasse eleitoral, era o Brasil. Ainda assim, Maduro fez ouvidos de mercador e optou por ignorar o governo brasileiro e virar as costas para Lula.
Custou caro à diplomacia brasileira, que saiu da história com a imagem abalada de quem fracassou em dialogar com aquele que era visto como um grande aliado e amigo de Lula. Agora, veio o primeiro troco.
Maduro foi à Kazan de surpresa, mas viu o governo brasileiro jogar um balde de água fria nas suas pretensões de parecer menos isolado do mundo. Voltou para casa de mãos vazias. Na quinta-feira, o governo venezuelano soltou nota repudiando a atitude do Brasil e chamando de “agressão e gesto hostil”.
Em clima de cúpula na Rússia, a amizade de Lula e Maduro é como a amizade de Razumíkhin e Raskólnikov, em Crime e Castigo. Razumíkhin tentou ajudar o colega diversas vezes, mas a paranoia de Raskolnikov com seus crimes o afastou de todos. Uma hora, veio a ruptura inevitável.
Se a cúpula fosse no Brasil, a banda do Clube Militar teria a oportunidade de repetir o encontro entre Dilma e Michel Temer em 2015, tocando “amigos para sempre” em uma cena absolutamente desconfortável entre ex-amigos no mesmo recinto.
Quem soube aproveitar mesmo foi Vladimir Putin, que encerrou a reunião dos Brics com a casa cheia, já com novos membros e muitos interessados, inclusive a Turquia que também faz parte da OTAN. O isolamento russo, aparentemente, depende de onde se vê.
Gustavo Freitas é articulista do jornal O Liberal.