Pulmão, coração, tesoura e até algema: objetos de cera revelam histórias de fé e gratidão
Aumentaram as vendas de pulmão de cera, mas os pedidos de outras partes do corpo e objetos curiosos, como galho de mandioca, também movimentam esse setor
Inúmeros são os milagres atribuídos pelos fiéis à Nossa Senhora de Nazaré e, durante o Círio, muitos promesseiros expressam através de objetos e partes do corpo humano esculpidos em cera demonstrações de fé e gratidão pelas graças alcançadas ou pelos pedidos de intercessão à Virgem. São objetos carregados de histórias e muitas delas Pedro Manoel Barbosa, gerente da tradicional Casa Círio, no bairro da Cidade Velha, conhece bem. A venda desses itens de fé, que também estão entre os elementos mais importantes da tradicional festa religiosa paraense, faz parte do seu dia a dia há 35 anos.
Segundo ele, todos os anos, antes da pandemia, durante os meses de setembro e outubro, a procura pelos objetos de cera triplicavam e, mesmo no ano passado, com a surto de transmissão do novo coronavírus, que mudou o formato do Círio, os fiéis continuaram honrando as promessas feitas à Nossa Senhora de Nazaré. Na fábrica em que Pedro trabalha são produzidos cerca de 120 mil artigos para a festividade nazarena, em um total de 90 itens, todos relacionados ao Círio de Nazaré. Eles fabricam todos os órgãos e membros do corpo humano solicitados, entre eles cabeça, perna e braço. Há, também, animais de estimação e bens materiais, como carro, casa e moto.
Ele diz que por conta da pandemia em 2020, a demanda foi menor que em 2019. “Não houve crescimento na produção, pelo contrário, houve uma queda se comparado ao ano de 2019. As vendas não atenderam as expectativas que a gente pensou que iria ter, deu uma caída. Neste ano, a procura já está melhor que no ano passado”, avalia.
Pedro conta que em razão do grande número de infecções causadas pela covid-19, o pulmão passou a ser o órgão mais solicitado para produção. Porém, muitos promesseiros também pedem objetos diferenciados e inusitados. Ele cita, por exemplo, um galho de mandioca encomendado por uma senhora da Ilha do Combu que trabalhava com agricultura familiar e que queria pagar uma promessa feita para que o surto de pragas que atacava a sua plantação acabasse.
Já um morador da cidade de Barcarena encomenda, todos os anos, um boneco de oitenta centímetros de altura para agradecer pela cura do filho, que terminou um complexo e delicado tratamento contra o câncer. “A gente faz de tudo para conseguir realizar o desejo do romeiro, para que ele possa pagar sua promessa à Nossa Senhora de Nazaré”, afirma Pedro Manoel Barbosa.
Já Ana Brahuna, proprietária de uma fábrica de velas, também situada no bairro da Cidade Velha, em Belém, conta que no ano passado, apesar da pandemia, as vendas ficaram aquecidas, principalmente por conta do serviço de delivery oferecido pela empresa, pelo qual as peças eram entregues nas casas dos clientes.
Para esse ano, Ana diz que além do delivery, um outro tipo de serviço está ajudando a fomentar as vendas para o Círio: é a entrega das peças em nome do promesseiro. “O cliente entra em contato conosco e depois do pagamento, nós produzimos, embalamos e levamos a peça encomendada até a Basílica em nome do promesseiro. Tudo é registrado através de fotos que são mandadas para os clientes. Fora as encomendas de outros estados do Brasil, o que nos deixou mais surpresos foram encomendas que recebemos da Suíça e de Portugal”, descreve.
A empresária conta que já ouviu diversos relatos de graças alcançadas e que se sente muito feliz por poder trabalhar materializando o símbolo de agradecimento e fé das pessoas. Ana Brahuna ressalta que o Círio é um momento de emoção, assim como as produções da fábrica, com pedidos e histórias que “são de superação, devoção e de cura”.
A proprietária da fábrica diz que ao longo do tempo as promessas vão passando por mudanças e que antigamente, bens como casas, carros e telefones eram muito valorizados. Hoje, as promessas relacionadas ao corpo humano e à intercessão da Virgem de Nazaré em situações de aflição dos promesseiros, são muito mais vendidas.
“Para esse ano, por exemplo, tivemos um cliente que encomendou 100 pulmões, mas também sempre aparecem encomendas que são fora do padrão, como por exemplo a mãe que pediu para fazer de um par de algemas em agradecimento pela libertação de seu filho da cadeia ou outra mulher que era ambulante e encomendou um sapato de cera por ter conseguido montar a sua sapataria. Um rapaz conseguiu montar seu salão e encomendou uma tesoura de cera. São inúmeras as histórias e é muito gratificante poder trabalhar com algo que ajuda as pessoas a pagarem suas promessas” relata.
* Luciana Carvalho, estagiária, sob supervisão de Keila Ferreira, coordenadora do número de economia
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