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Projeto de pesquisa revela marcas da pandemia sobre o Círio de Nazaré

Resultados iniciais indicam que, para alguns devotos, abrir mão de estar nas ruas é ‘inegociável’, independentemente de riscos à saúde

Gabriel da Mota

A pandemia de COVID-19 trouxe impactos profundos em diversos aspectos da vida social e religiosa. Um desses reflexos foi profundamente sentido pelos participantes do Círio de Nazaré, que não tiveram procissões oficiais para acompanhar nas ruas de Belém por dois anos seguidos (2020-2021). A professora e doutora em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Mariana Ximenes, tem liderado a investigação dessas mudanças. Algumas delas apontam para a necessidade que os participantes sentem de conexão com o tempo e o espaço presenciais do evento.

Para Ximenes, o Círio de Nazaré durante a pandemia representou um desafio inédito para os devotos. "Foi extremamente rico entender o que é o Círio quando a santa Peregrina não está na rua, quando a corda não está na rua, quando a Berlinda não está na rua", reflete a pesquisadora. A celebração de 2020, sem procissões tradicionais, evidenciou um aspecto essencial da festa: a importância de estar na rua.

"O que eu trago de grande resultado dessa etapa da pesquisa é que o Círio tem dois elementos fundamentais: o tempo e o espaço. Estar na rua e fazer o percurso no segundo sábado à noite e no segundo domingo de manhã é inegociável para as pessoas".

Mesmo com a pandemia, muitos devotos não abriram mão de participar de alguma forma. "As pessoas foram para a rua, levaram suas próprias imagens, suas próprias cordas, suas caixas de som. Elas criaram soluções para manter a tradição", conta Ximenes. A pesquisadora enfatiza que a necessidade de agradecer as graças recebidas foi uma motivação poderosa para os fiéis se arriscarem. "Apesar da pandemia, muitos sentiram a necessidade de agradecer a Nossa Senhora de Nazaré por estarem bem e por terem seus pedidos atendidos", explica.

No entanto, as marcas da pandemia no Círio não se limitaram ao ano de 2020. A pesquisadora destaca que, em 2021, muitos fiéis ainda não sentiam que a celebração havia voltado ao normal. "O que eu ouvi muito em 2022 foi que parecia que ainda não tinha voltado totalmente. As pessoas não estavam totalmente à vontade. Somente em 2023 é que os fiéis começaram a dizer: 'Agora sim, parece que se restabeleceu a normalidade'".

Essa sensação de retomada gradual também se refletiu em algumas tradições que estavam planejadas para 2020 e só foram realizadas em 2022. Um exemplo é o Traslado dos Carros de Promessas, que foi oficializado em 2019, mas teve sua primeira edição adiada. "Esse evento, que leva milhares de pessoas às ruas, só foi possível em 2022, e foi interessante observar como ele rapidamente cresceu e se consolidou como parte da programação do Círio", analisa.

Ao refletir sobre o futuro da festa, Ximenes afirma que 2024 promete novas oportunidades para investigar o impacto duradouro da pandemia. "Minha proposta é olhar mais de perto as procissões que acontecem depois da principal, como a procissão das Crianças, da Juventude e da Acessibilidade", revela. Outro foco de interesse da pesquisadora é a procissão das águas: "Eu nunca fiz campo na Romaria Fluvial, e talvez este seja o ano para explorar esse aspecto", projeta.

Para a antropóloga, o Círio de Nazaré é um fenômeno que transcende a simples devoção religiosa. Ele conecta a fé das pessoas ao espaço urbano de Belém, especialmente após um período tão desafiador como a pandemia. "Tudo o que envolve o Círio, especialmente se vai para a rua e envolve caminhada, tem uma adesão imediata dos devotos. As pessoas se conectam profundamente com esses dois elementos: o tempo e o espaço", conclui.

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Círio 2024
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