Corda do Círio feita no Pará será de fibras naturais e entregue em agosto

Produzida de fibras de malva e juta, a nova corda, feita por uma empresa em Castanhal, deve entregar um dos maiores símbolos do Círio com cor e textura diferentes, mas com a mesma resistência, que será posta a prova ao longo desta semana na UFPA

Victor Furtado
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Pela primeira vez na história, a corda do Círio de Nazaré será feita no Pará. A informação foi revelada, com exclusividade, por O Liberal em 2022. Mas o local de produção não é a única diferença. O material usado na confecção de um dos símbolos mais icônicos da festividade será totalmente natural da Amazônia: fibras de malva e de juta. Quem já viu a corda de perto e tocou, deve notar mais novidades para este ano, que são textura mais macia e uma cor mais vívida. Os detalhes foram obtidos em uma entrevista exclusiva com Robson Torres, gerente industrial da Companhia Têxtil de Castanhal (CTC). Os testes serão ao longo desta semana, na Universidade Federal do Pará (UFPA).

Historicamente, a corda era produzida em outro estado. Isso porque, geralmente, o mercado local tinha preços mais altos ou falta de estoque para os períodos de Círio. Quem costumava atender aos pedidos da Diretoria da Festa de Nazaré (DFN) era a empresa Itacorda, de Santa Catarina. Mas ainda assim, se trata de um produto que vinha de fora e tinha vários custos logísticos atrelados. A corda deste ano será uma doação da CTC — empresa familiar fundada em 1966, em Castanhal, com 1.100 trabalhadores —, em parceria com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme).

Um protótipo de 50 metros da Corda do Círio 2023 foi produzido pela CTC e entregue para análise da DFN, que aprovou tanto a textura quanto a resistência aparente. Após a confecção do produto, a corda seguirá para testes de carga, para saber se de fato vai aguentar a pressão da fé de 2 milhões de romeiros nas ruas de Belém. A corda final terá 800 metros de comprimento com partes de 400 metros, para cada romaria — Círio e Trasladação —, tendo 50 milímetros de diâmetro e pesando um total de quase 700 quilos. Com isso, a corda feita de fibra de sisal pode ser descontinuada.

Robson explicou que um pedaço da corda anterior foi fornecida para testes. A elaboração da nova corda levou em conta os mesmos parâmetros de resistência. Porém, ele garante que houve uma preocupação com a textura do produto final ser mais agradável de tocar para evitar que os romeiros machuquem as mãos durante a procissão.

"O sisal é uma fibra mais grosseira e abrasiva. Mas além disso, era um produto que saía da Bahia, ia para Santa Catarina e então voltava ao Pará. E agora, com as fibras de malva e juta, estamos tendo tudo dentro da nossa região, porque são sementes nativas da Amazônia e que empregam milhares de famílias de agricultores. É muito além da questão da industrialização. É a representação de toda essa cadeia econômica da Amazônia para o Círio, que é nosso", comentou o gerente da fábrica.

A corda passou a fazer parte do Círio em 1885, quando uma enchente da Baía do Guajará alagou a orla desde próximo ao Ver-o-Peso até as Mercês, no momento da procissão, fazendo com que a berlinda ficasse atolada e os cavalos não conseguissem puxá-la. Os animais então foram desatrelados e um comerciante local emprestou uma corda para que os fiéis puxassem a berlinda. Desde então, foi incorporada às festividades e passou a ser o elo entre Nossa Senhora de Nazaré e os fiéis.

image A cadeia produtiva de juta e malva são tradicionais no Pará e no Amazonas e tiveram um auge na década de 1960 (Calvin Paixão / Sepror-AM / Arquivo)

Malva e juta que da corda têm cadeia produtiva sustentável no Pará e no Amazonas

O cultivo da juta é uma cultura de várzea integrada ao bioma amazônico, que não provoca queimadas ou desmatamento, além de ser fonte de renda para cerca de 15 mil famílias ribeirinhas, nos estados do Amazonas e Pará, sobretudo por serem produtos que dependem do leito dos rios intactos. Não há uso de agrotóxicos e o trabalho necessita da floresta em pé. A produção de sementes de malva e juta se mostrou um mercado atrativo para os Governos do Pará e do Amazonas. Com isso, os dois estados estabeleceram, em 2021, uma parceria para fomentar essa cadeia. Ambos representam o fornecimento de 70% da matéria prima da indústria de fios e de embalagens de fibras naturais.

Essa produção já foi muito maior. Em 1960, mais de 60 mil famílias das áreas de várzea dos do Amazonas e do Pará viviam da extração das fibras de juta, que abasteciam as fábricas e prensas que surgiram e outras que se transferiram do Sudeste para o Norte, se instalando em cidades-pólos, como Castanhal, Belém e Santarém, no Pará; e Parintins e Manaus, no Amazonas. Atualmente, a produção nacional ainda não é autossuficiente e o setor busca parcerias para garantir que esse cenário mude no futuro. As informações são do pesquisador Aldenor da Silva Ferreira, que desenvolveu um estudo com apoio do Governo do Amazonas por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes) para fazer um resgate histórico do cultivo de juta e malva no Brasil.

Com o desenvolvimento das técnicas, muito conhecimento foi compartilhado entre os estados e produtores, transformando o extrativismo em cultura produtiva. No Pará, a produção se espalha por municípios das regiões Guajarina, Bragantina, Marajoara e Baixo Amazonas. Os processos locais são apoiados pelo Governo do Estado e possuem acompanhamento da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), como reforçou Robson. A CTC garante que vai produzir uma corda do Círio não só regional; é uma corda representativa, ambientalmente sustentável e que faz girar uma microeconomia verde do estado.

"Hélio Meirelles, o diretor-presidente da CTC, é um homem católico e devoto de Nossa Senhora de Nazaré. Temos muitos funcionários que são católicos e de modo geral, todos muito felizes e honrados em produzir a corda do Círio. Não tem Círio sem corda e sabemos dessa responsabilidade de produzir esse símbolo e saber que ao final, quando distribuírem um pedaço da corda para as pessoas, será um pedacinho nosso que vai estar indo", concluiu Robson.

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