MENU

BUSCA

Conheça a história da corda do Círio: de cavalos a símbolo de fé

Com a pandemia, um dos mais estimados elementos do Círio se reinventou e agora chega a mais locais do que antes

Mayra Monteiro, especial para O Liberal

A Corda passou a fazer parte do Círio em 1885, quando uma enchente da Baía do Guajará alagou a orla, desde próximo ao Ver-o-Peso até as Mercês, no momento da procissão. Isso fez com que a berlinda ficasse atolada e os cavalos, que então faziam o transporte, não conseguissem puxá-la. Os animais então foram desatrelados e um comerciante local emprestou uma corda para que os fiéis puxassem a berlinda. Assim passou a ser incorporada às festividades e a ser um dos símbolos mais importantes nas duas maiores procissões: o Círio e a Trasladação.

“A corda de Nazaré ganha uma repercussão muito grande, desde o início do século 20. As fotografias mostram homens e mulheres ao redor da berlinda, carregando a corda como sinônimo de fé.  A partir da segunda metade do século 20, se tem a percepção de que a corda, além de ser uma manifestação, também vai ser um ato de promessa. E aí você consegue perceber, especialmente, nos últimos 30 anos — de 1970, 80 e 90 — uma corda que já não conseguia comportar a quantidade significativa de pessoas que seguiam o Círio. Daí, se tem a necessidade de aumentar a quantidade de corda e também redobrar os cuidados em relação a procissão”, contou o historiador e diretor da Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel), Michel Pinho.

Antes de ser oficialmente introduzida ao Círio de Nazaré e se tornasse um dos mais importantes ícones, a corda teve de passar por várias mudanças, transformações e polêmicas ao longo de sua história. Inclusive foi suspensa da festa entre 1926 e 1930, pelo Arcebispo dom Irineu Jofily, por não considerar a corda um elemento sagrado.

 

O formato da corda até aqui

A corda é uma encomenda padrão de 800 metros, sendo 400 na Trasladação e 400 no Círio. Ela vem de Santa Catarina e pesa 916 kg. Até 2003, o formato da corda era de “U”, com as duas extremidades atreladas à berlinda. A partir de 2004, por motivos de segurança, a corda ganhou formato linear dividida em cinco estações confeccionadas em duralumínio que ajudam a dar tração à corda e ritmo às romarias.

Desde 2011, com o objetivo de conscientizar os promesseiros a não levarem objetos cortantes para o Círio, para que a corda chegue até o destino final sem ser cortada, a diretoria do círio com os órgãos de segurança promovem campanhas de conscientização, que iniciam um pouco antes da semana dos eventos principais.

“Esse tempo pra gente é muito especial, porque a gente recebe o ícone do Círio, que todos conhecem muito bem, onde vários fiéis se aproximam, vêm pagar promessa, agradecer uma bênção alcançada. Tem uma representação muito forte para gente, porque significa o elo entre nós, os fiéis, e Nossa Senhora”, relatou Renato Neves, 38 anos, coordenador da Guarda de Nazaré.

 

Mudanças em decorrência da pandemia

Neste ano, por conta das modificações na programação do Círio, com a ausência das procissões e romarias, a corda foi somente exposta. Especialmente, para que os fiéis que fazem seus pagamentos de promessas, pudessem cumprir com a devoção, ainda que de uma forma diferente.

Emocionado, não contendo as lágrimas, o devoto Edilson Vilhena. Há 25 anos acompanha o Círio. E há 20 anos faz parte da organização do grupo “amigos da corda”, que reúne mais de 200 pessoas que se voluntariam para auxiliar os promesseiros ao longo dos percursos das romarias. Ele esteve presente na apresentação da corda, no dia 16 de setembro, quando declarou a importância e representatividade que esse símbolo possui. “Ela representa muito na minha vida. Mesmo não tendo as procissões neste ano, o simples fato de vir até aqui, tocar nela, pra mim é tudo”, contou.

Para ele, o Círio deste ano, em relação ao anos anteriores, não houve mudanças. “Teve mais acréscimo de fé. A gente, infelizmente, perdeu algumas pessoas, outras próximas da gente também se foram, mas o grupo continua aqui, sempre unido”, disse Edilson.

A corda, depois que foi usada, inicialmente, por uma necessidade de tração, acabou virando o ícone importante. Talvez um dos mais fortes das procissões. Com a pandemia, a Diretoria da Festa de Nazaré se viu obrigada a repensar o uso.

Como aconteceu no ano passado, este ano a Diretoria decidiu manter a mesma programação, conforme determinou o arcebispo metropolitano de Belém, dom Alberto Taveira. A corda será repartida em 96 pedaços para as 96 paróquias da Arquidiocese de Belém. Essa divisão também foi feita no domingo de Círio de 2020. Em cada paroquia houve uma missa, onde a corda estava presente junto com uma imagem de Nossa Senhora.

 

Expectativas: retorno da corda às ruas com segurança

O coordenador diretor do Círio, Albano Martins, ressalta que ainda é cedo para se pensar nas festividades do ano que vem. Mas não esconde as expectativas. “Eu, pessoalmente, acredito que a gente ainda demore um pouquinho para ter a corda novamente na procissão. Esperamos que ano que vem, quando será o círio simbólico de número 230º, que a gente possa voltar às ruas com segurança. Não sei se a corda poderá ser utilizada novamente naquele formato, por todas as circunstância, vamos torcer que seja possível, de qualquer modo, é uma coisa indissociável do Círio. Não dá para cogitar um Círio, sem, de alguma maneira, a corda fazer parte de todo festejo”, explicou.

Círio 2024