Artesãs do Círio fortalecem a tradição e economia local com peças temáticas
As criações refletem a essência da festividade, desde pequenos souvenirs até sofisticados itens de decoração
Às vésperas do Círio de Nazaré, celebrado em outubro, Belém se transforma, com o clima festivo invadindo todos os cantos da cidade. Turistas e fiéis movimentam a economia local e as mulheres artesãs desempenham um papel central nesse cenário. Com talento e dedicação, elas produzem peças temáticas que capturam a essência do Círio, desde pequenos souvenirs até sofisticados itens de decoração.
Em 2024, espera-se que mais de 89 mil visitantes cheguem à Belém, impulsionando a economia da cidade com um impacto estimado em R$ 189 milhões. O artesanato temático do Círio de Nazaré, marcado pelo simbolismo e devoção, não só encanta turistas, mas também conecta os paraenses com suas tradições. Além disso, esses trabalhos reforçam o sentimento de pertencimento e a fé que une devotos nessa celebração, considerada a maior procissão religiosa do mundo e Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Feirante de Belém confecciona peças temáticas para o Círio
Com mais de duas décadas dedicadas ao artesanato em Belém, a feirante e artesã Elizabeth Nascimento, de 57 anos, vê no Círio de Nazaré uma oportunidade especial para criar peças únicas e inspiradas na festividade. Elizabeth confecciona à mão uma variedade de itens, como leques, agrilandas, chaveiros, barquinhos de miriti, escapulários, broches, mantos e blusas personalizadas com fitas.
As santinhas de amigurumi são o grande sucesso entre os clientes. Essa técnica, que combina crochê e tricô, teve origem no Japão na década de 1980 e ganha destaque nas mãos da artesã.
Elizabeth destaca a importância desse momento para as vendas, que sempre aumentam durante a celebração, tornando o período favorável para pequenos empreendedores. "As vendas nessa época são muito boas, pois as pessoas procuram sempre o tema do Círio. É quando a gente vende um pouquinho mais", revela a feirante.
A empreendedora conta que impulsionou a carreira no artesanato pela participação de grupos e feiras, seja em praças ou em órgãos públicos. Ela relata que adapta os tipos de peças de acordo com cada período do ano.
"Comecei a entrar em grupos de mulheres. Eu sou da Vitrine das Artes, assistida pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater), há mais de 20 anos. Comecei também a participar de feiras em praças e em órgãos públicos, das quais sempre estou sendo chamada para expor o meu trabalho. Faço um bocado de artesanato em geral, dependendo da época", compartilha.
Emocionada, ela expressa profunda devoção à santa padroeira do Pará e a satisfação que sente ao atender os clientes com peças autorais durante o Círio, época de tradição tão viva e cheia de significado para os paraenses.
"É muito emocionante, eu sou muito devota à Nossa Senhora de Nazaré e fico muito satisfeita por atender meus clientes. Eles gostam muito, aí eu procuro trabalhar ainda mais. Fico muito feliz, todos os anos eu procuro inventar, criar peças minhas peças e renová-las", conclui.
Mãos e pés do Círio: esculturas decoram altares e reúnem famílias
A artesã e enfermeira Camila Miranda, proprietária da @moldesmemoraveis, começou a produzir esculturas realistas de mãos e pés em março de 2021, durante a pandemia da covid-19. Devota de Nossa Senhora de Nazaré, Camila cria obras inspiradas na santa, com elementos do Círio de Nazaré, como terços, fitas e a corda.
"A inspiração veio exatamente durante a pandemia, quando acreditei fortemente na intercessão dela nesse momento difícil. A ideia das mãos representa pedidos de bênçãos, ato tão presente em nossa tradição familiar. Mãos e pés, significam fé e a força da devoção dos paraenses. Mãos que cuidam, que puxam a corda, pés que caminham por quilômetros atrás da rainha da Amazônia. Mãos que preparam as ceias do Círio e que carregam as velas nas procissões", reflete.
As esculturas são moldadas nas mãos e pés dos próprios clientes. Para produzir essas encomendas, são utilizados materiais amplamente difundidos na área da saúde, conhecidos pela durabilidade e capacidade de capturar todos os detalhes das partes do corpo. O processo é complexo e passa por várias etapas, desde a imersão das mãos e pés em um produto específico, o preenchimento do molde, até o desmolde, restauração, lapidação, secagem, impermeabilização, pintura e a finalização, que envolve a fixação dos elementos em um pedestal.
Camila acredita que as peças se tornarão uma forte e especial lembrança para as famílias, o que a motiva a personalizar cada projeto ao máximo para seus clientes. Além disso, ela diz que as histórias de fé compartilhadas pelas famílias, os relatos de superação e os milagres de cura influenciam o processo criativo e a escolha das peças.
Entre as várias histórias que marcaram profundamente a artesã, uma se destacou: "Uma nora solicitou à minha equipe um projeto surpresa para sua sogra, em plena pandemia, que por conta do isolamento social, não recebia ninguém em casa. Porém, ela aceitou nos receber sem saber do que se tratava. A sogra tinha inúmeras imagens de Maria espalhadas pela casa e, durante a moldagem, ela nos afirmava ouvir Nossa Senhora de Nazaré e que sabia exatamente o que estávamos fazendo ali. E, de fato, ela parecia estar conversando com a santinha", relembra.
Ela finaliza refletindo sobre o sentimento de ver sua arte tão valorizada durante o período do Círio. "É um presente de Nossa Senhora de Nazaré para mim. Me sinto uma pessoa privilegiada. Uma pessoa que pode ser utilizada como instrumento de fé pelos clientes, que muitas vezes querem deixar representado nos projetos o amor e a devoção pela santa. É uma honra saber que essas peças passarão de geração em geração e se farão presentes nos Círios das famílias, na ceia de domingo e nos lares dos paraenses, decorando casas e altares".
(Eva Pires, estagiária sob supervisão de Fabiana Batista, cooordenadora do Núcleo de Atualidade)
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