Ribeirinhos presos no leito de um rio que arde devido à seca na Amazônia

Especialistas relacionam a seca histórica que o Brasil enfrenta à mudança climática

Por Michael Dantas com Juan Sebastián Serrano
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Os mais fortes e jovens da pequena comunidade de Paraizinho caminham sobre a areia ardente que até pouco tempo era o leito do caudaloso rio Madeira, na Amazônia.

Acostumados a ver o nível da água subir e descer conforme a temporada, os moradores desta comunidade no estado do Amazonas enfrentam, desta vez, a pior seca já registrada no Brasil, segundo o Governo Federal.

Com temperaturas próximas dos 40º C, as praias do Madeira se tornaram uma passarela infernal que aprisiona os mais velhos e os doentes.

"Cada ano que passa está ficando pior. O ano passado ficou seco dali pra lá mais da metade. Já esse ano já estamos quase do outro lado", diz à AFP Reis Santos Vieira, um agricultor de 69 anos.

O Madeira, um afluente do Amazonas que se estende por 3.300 km, passando por Bolívia e Peru, alcançou nesta semana seu nível mais baixo desde 1967, quando começou o monitoramento, de acordo com o Serviço Geológico Brasileiro (SGB).

"E aí a previsão é ficar pior", antecipa este homem grisalho, com um boné que o protege do sol.

Especialistas relacionam a seca histórica que o Brasil enfrenta à mudança climática, que, por sua vez, desencadeou uma onda de incêndios na Amazônia e em outras regiões brasileiras.

"Momento muito difícil" 

Em Paraizinho, a areia se estende por quase um quilômetro e, durante boa parte do dia, está tão quente que machuca os pés. A travessia fluvial para a cidade vizinha de Humaitá, essencial para centenas de habitantes, tornou-se uma espécie de travessia pelo deserto.

"A gente está enfrentando essa praia para conduzir tanto alimento como a água que a gente usa aqui. Então, está um momento muito difícil", lamenta Sandra Gomes Vieira.

Na seca do ano passado, uma de suas filhas queimou um pé ao atravessar o rio seco. Desta vez, a pequena abandonou a escola ao ver a areia reaparecer.

"Minha irmã está em tratamento para o câncer e não pode ir à cidade. O pessoal de saúde está vindo até a casa dela. Eu também não tenho muita saúde, mas ainda consigo chegar lá. Com um esforço nas pernas, eu consigo", acrescenta Gomes.

Voluntários
Descalços, cinco voluntários da comunidade carregam galões de água potável de Humaitá até Paraizinho.

"Aqui, só temos a ajuda dessas pessoas (...) Só Deus e eles", agradece Francisca de Chaga da Silva, que recebe um galão.

O líder comunitário João Ferreira explica que a água vai para "as famílias mais vulneráveis, que têm pacientes com hipertensão e diabetes".

"Imagine uma pessoa com hipertensão fazendo essa tarefa. Seria muito difícil", enfatiza Ferreira.

Diante da escassez de água, os vizinhos tratam a água do rio com cloro e a usam para tomar banho e lavar pratos e roupas.

Fumaça
A pesca e a venda de produtos agrícolas, principais atividades econômicas de Paraizinho, também estão em crise devido à prolongada seca.

"Cresceu muita praia, antes era só dois meses e três meses que ficava sempre até trafegar. Agora já está dando quatro, cinco meses", alerta Ferreira.

A cena se repete por toda a margem do rio Madeira, uma importante via para o comércio de soja, peixe e combustíveis. Em algumas comunidades mais distantes de Humaitá, a situação é mais complicada, afirmam.

E à histórica seca soma-se a nuvem de fumaça dos intensos incêndios florestais na Amazônia brasileira, onde as queimadas se duplicaram em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Os incêndios são, em sua maior parte, de origem criminosa e frequentemente ligados à exploração agrícola das terras.

O clima "está mais quente este ano. Também há mais fumaça", diz Sandra Gomes.

Uma de suas filhas "tem sentido dores no peito devido a essa fumaça. Antes, ela não sofria desse problema", preocupa-se a mãe.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende anunciar medidas contra a seca na Amazônia em uma visita a Manaus nesta terça-feira.

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