Famílias mobilizam-se para garantir medicamentos contra o câncer neuroblastoma no Brasil
É o caso, por exemplo, da família e amigos de Pedro, filho do indigenista Bruno Pereira, assassinado em 2022, na Amazônia
Não é nada fácil fazer, no Brasil, tratamento contra o neuroblastoma, terceiro tipo de câncer mais recorrente entre crianças, depois da leucemia e de tumores cerebrais, e o tumor sólido extracraniano mais comum entre a população pediátrica, representando 8% a 10% de todos os tumores infantis. Isso porque a medicação não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) e, em muitos casos, somente pode ser adquirida via plano de saúde ou por decisão judicial. Sobre essa problema, a campanha entabulada pelas redes sociais pela família e amigos do menino Pedro, filho do indigenista Bruno Pereira, assassinado em 2022, na luta pelos direitos dos povos indígenas da Amazônia, tem conseguido resultados positivos e serve para chamar a atenção para esse desafio na saúde brasileira.
O tratamento, segundo informações da Agência Brasil, varia de acordo com o risco apresentado para cada paciente. Para aqueles com baixo risco ou intermediário, são necessárias cirurgia e, em alguns casos, quimioterapia. Para quem tem alto risco, pode haver necessidade da cirurgia para retirada do tumor, quimioterapia e até radioterapia. O tratamento envolve também a utilização de transplante de medula óssea, com células provenientes do próprio paciente. Esses procedimentos são oferecidos pelo SUS.
Mobilização
A maior dificuldade é conseguir os medicamentos, cujos estudos demonstram que aumentam as chances de recuperação. A corrida é contra o tempo, já que os medicamentos devem ser usados em etapas especificas do tratamento para que façam o devido efeito e também em casos específicos. Pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) e o Hospital Israelita Albert Einstein tenta reduzir para 20% a dose do betadinutuximabe, um desses medicamentos.
A família da menina Giovana Basso, que aos 6 anos de idade recebeu o diagnóstico do neuroblastoma, lutou muito contra a doença, a partir de 2020, a ponto de se tornar internacionamente conhecida. Essa mobilização trouxe para o Brasil o medicamento naxitamabe, liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apenas em 2023, após o período em que a criança fez uso dessa medicação.
Por meio de pesquisas para o tratamento da filha, o pais de Giovana, o engenheiro civil Vinícius Basso, descobriu o medicamento naxitamabe, nos EUA, vendido sob o nome de Danyelza e que custa R$ 1 milhão. a primeira paciente da América Latina a receber ser tratada com o Danyelza®. Vinícius contatou com Thomas Gad, presidente da empresa Y-mAbs que produz essa medicação. Resultado: Gad atuou para que o medicamento chegasse ao Brasil, e Giovana, segundo Basso, tornou-se a primeira paciente da América Latina a receber e ser tratada com o Danyelza®. No entanto, o quadro de Giovana era muito grave, e ela faleceu em 2022, com 8 anos de idade.
Vaquinha
A campanha para arrecadar recursos para o tratamento de Pedro, filho do indigenista Bruno Pereira, assassinado em 2022, lançou luz sobre uma luta contra o neuroblastoma, que é também de muitas outras famílias no Brasil. Medicações usadas no tratamento, como o naxitamabe (Danyelza®) e o betadinutuximabe, conhecido pelo nome Qarziba, não são ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). São também medicações recentes, o Qarziba foi aprovado pela Anvisa em 2021. Famílias sem condições financeiras para adquiri-los buscam obtê-los via plano de saúde, quando dispõem desse meio, e, ainda assim, muitas vezes têm o pedido negado. Quando não, buscam garantir a medicação por via judicial determinando aos planos ou à União adquiri-la.
Muitos pais se socorrem por meio de vaquinhas (campanhas) para conseguir os recursos para a compra dos medicamentos, como fez a mãe de Pedro, a antropóloga e diretora do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Beatriz Matos. Essa mobilização lançou luz sobre a luta das famílias nesse sentido no Brasil e conseguiu, inclusive, atingir a sua meta, ou seja, a família terá recursos financeiros apra comprar as medicações. “O caso do Pedro, a gente fica triste de ver mais uma criança, mas, por outro lado, ele ganha uma força de alcance de mídia. Pelo menos a gente está ganhando força para brigar pelas crianças que anda precisam”, enfatiza Vinícius Basso.
A campanha para Pedro bateu a meta, mas a arrecadação não terminou. Agora, os recursos a mais arrecadados serão encaminhados a outras crianças, por meio do Fundo do Neuroblastoma, criado pela mãe dele em conjunto com o Instituto AnaJu. As doações podem ser feitas na internet, na página do fundo
O Instituto AnaJu é uma organização não governamental dedicada a assistir e amparar crianças com câncer e doenças raras. O Instituto foi fundado por Laira dos Santos Inácio, após a morte da filha, Ana Júlia, de 10 anos, em agosto de 2023, três anos após ser diagnosticada com neuroblastoma.
Os principais sintomas do neuroblatoma são: irritabilidade, febre, incômodo no tórax, dor de barriga, palidez, dor óssea e emagrecimento. A doença é mais comum até os 5 anos de idade. O diagnóstico é feito por biópsia. Esse é o terceiro câncer mais recorrente em criança e pode surgir na glândula adrenal e/ou nas regiões cervical/torácica, abdominal e/ou pélvica, seguindo o trajeto do sistema nervoso simpático.
Ministério da Saúde
Ainda que os medicamentos betadinutuximabe (Qarziba) e naxitamabe (Danyelza) tenham obtido registro da Anvisa, não foram, até o momento, demandados para análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), como informa o Ministério da Sáude (MS). A solicitação de avaliação de tecnologias para que os remédios possam ser distribuídos pela rede pública pode ser feita por qualquer instituição ou pessoa física, como por exemplo, por uma empresa fabricante, uma sociedade médica ou de pacientes, áreas técnicas do Ministério da Saúde, de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Segundo a pasta, no entanto, as demandas devem preencher os requisitos documentais exigidos legalmente.
Como informa o MS, o secretário substituto de Ciência e Tecnologia, Leandro Safatle, esclarece: “O critério para aprovação de uma nova terapia é a eficácia, e não o preço. O custo eventualmente mais alto não é impeditivo para a incorporação. É preciso que o medicamento ou tratamento apresente resultados”.
De acordo como Ministério, o SUS oferece quatro linhas de tratamento oncológico às crianças com neuroblastoma. A cada ano, o SUS realiza, em média, 1.604 sessões de quimioterapia para tratar neuroblastoma em crianças.