Diplomacia vacinal deve ser considerada para quem deseja viver em outro país
Realidade que deve ser considerada na movimentação dos "brazucas" em terras lusitanas, sobretudo no contexto da pandemia da covid-19.
Em junho de 2021, um total de 183.993 brasileiros estavam residindo de forma legal em Portugal, segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que apontava se tratar da maior comunidade estrangeira, representando 27,8% dos imigrantes naquele país. A movimentação dos brazucas em terras lusitanas traz à tona dinâmicas relacionadas a aspectos da chamada diplomacia vacinal no contexto da pandemia da covid-19. A necessidade de novas vacinas para se estabelecer no país está em jogo nessa discussão.
Juliana Geambastiani, 44, é uma das que fizeram a recente transição luso-brasileiro e está há cerca de quatro meses morando na freguesia de Landal, oeste português, pertencente à cidade de Caldas da Rainha. A baiana é jornalista e atualmente cursa o mestrado na cidade de Leiria. Chegou ao país em outubro de 2021, já com duas vacinas garantidas no posto de saúde do bairro Barra do Jacuípe, em Camaçari. As doses da Covishield, fabricadas pela Fiocruz, foram feitas em maio e julho do ano passado.
Para se proteger e seguir a rotina em Portugal, Juliana se preparou para a terceira dose, que seria de reforço, mas para surpresa dela, no dia 27 do mês passado, no posto de saúde da cidade de Rio Maior, foi informada que “a União Europeia não aceitava a Covishield do Brasil”. Naquele dia recebeu a vacina da Pfizer. O problema da Covishield é que ainda não teria sido aprovada pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
“Eu já sabia dessa possbilidade de não aceitarem, porque já tinha visto no noticiário, então não questionei”, explica a baiana, imunizada contra o Sars – Cov-2. Ou seja, agora cumprirá o esquema vacinal europeu, já com a segunda dose agendada para 17 de fevereiro. “Não fiquei com nenhum temor quanto ao fato de ter feito mais de duas vacinas (no Brasil). Estou pensando que é proteção extra, porque se a gente ficar temerosa em relação em tomar a vacina, eu não vou conseguir fazer nada aqui em Portugal, porque por enquanto os restaurantes estão pedindo, ainda, o certificado de vacinação europeu para entrar em locais públicos fechados. É minha proteção, é importante para poder viver aqui”, ressalta.
“Eu tomei as minhas duas doses aí em Belém, em junho e em setembro do ano passado, nas férias. Quando cheguei aqui em Portugal, procurei a minha unidade de saúde, levei meu cartão de vacinação, e os dados foram inseridos no sistema. E não foi preciso tomar outras doses. Vou tomar a dose de reforço ainda, pois me infectei e tenho 180 dias para tomar”, revelou a jornalista paraense Isa Arnour, 42, moradora na cidade de Aveiro, há mais de dois anos. Isa foi imunizada com a vacina da Pfizer, uma das aceitas pela União Europeia. “Ia consultar um médico antes para avaliar o impacto de novas doses no meu corpo”, afirma, questionada se tivesse que se vacinar novamente. “Só tomaria novamente, caso fosse obrigada. Tomei a Pfizer e disse ‘olha, essa vacina não é aceita aqui’, aí eu tomaria. ‘E, seu eu não tomar, o que acontece?’ Porque, olha o que acontece aqui, se você não toma a vacina, você não tem o certificado digital”, relata.
Anvisa
Para repercutir a decisão de se vacinar novamente em um outro país e as possíveis consequências ao organismo, consultamos Agência Nacional de Vigilância à Saúde (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde (MS). A Assessoria de Comunicação do órgão federal enviou uma nota. “É importante lembrar que as vacinas autorizadas pela Anvisa para uso no Brasil demonstraram eficácia e segurança de uso. As regras imigratórias de outros países são definidas por cada nação. A atuação regulatória da Anvisa se limita aos produtos autorizados para uso no território brasileiro”. Outra consulta foi feita, desta vez à professora universitária e médica infectologista, Rita Ribeiro. Ela garante que ainda não existe um estudo sobre o efeito cumulativo das doses. “Não temos um trabalho dizendo que tem um efeito deletério, que seja ruim tomar mais de duas doses”, resumiu. Medeiros enfatizou a necessidade de se respeitar os sistemas de registros de vacina de cada país.
Dois casos e duas condutas diferentes por conta da orientação de autoridades europeias e a divergência quanto às recomendações e orientações do Ministério da Saúde, dentro do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19. Sob do Direito, nesse caso o Internacional, no contexto das regras estabelecidas às realidades da paraense Isa e da baiana Juliana, o Liberal ouviu o professor Tito Almeida, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (Unb) e coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade da Amazônia (Unama).
O professor lembra da existência de dois Direito, um vinculado à sociedade nacional, que organiza um determinado território, “a partir do conceito de soberania”, e o Internacional (Direito). “(Direito Internacional). “A questão maior é que, de um lado, o contexto da pandemia trouxe uma incerteza muito grande de procedimentos, porque ela (pandemia) não era esperada. No que diz respeito à saúde ou à violação da saúde por uma pandemia, isso não tinha ficado claro”, salienta.
Para refletir sobre a exigência da vacina pela Comunidade Europeia, Tito Almeida lembra das organizações internacionais e a salvaguarda da soberania no âmbito de discussões da Organização Mundial de Saúde (OMS), assim como ocorre nas decisões da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em que são deliberadas orientações para procedimentos no mundo todo. Mas ele enfatiza: “São orientações e não determinações. Na hora que as coisas ficam um pouco claras, recorre-se ao Direito interno para salvaguardar a população de um determinado território, de uma determinada soberania”, referindo-se a um ordenamento jurídico, nesse caso, à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.
O conflito que se acende no terreno da saúde, do “fato de estarmos tratando de vidas humanas”, deliberações das comunidades políticas internacionais, procedimentos comuns às nações sob o sentido da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. “A discussão que você coloca é exatamente: as vacinas tomadas no Brasil não são de alguma forma aceitas em Portugal, está exatamente nesse viés de problema. Portugal tem esse direito, se você for pensar na defesa de seu território, ele tem o direito de fazer dentro do ordenamento jurídico”, defendeu o docente.