Brasil tem menor número de mortes violentas em 12 anos
Levantamento é do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e entre os fatores para o cenário está a presença do Poder Público e a diminuição de conflitos no narcotráfico
O Brasil registrou o menor número de mortes violentas no período de 12 anos, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que acaba de ser divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo a publicação, desde 2018, há uma tendência de queda nas mortes violentas no país, ainda que tenha desacelerado entre 2021 e 2022.
Entre homicídios dolosos, latrocínios, lesão corporal seguida de morte e ainda mortes por intervenção policial, é registrada a perda de 47.508 vidas em 2022. Foi de 4% a redução entre 2020 e 2021, mas agora, em 2022, foi de 1,9%. Para cada 100 mil habitantes, a taxa proporcional de mortes caiu de 24 para 23,4.
Com queda de 2,2% entre 2021 e 2022 e como indicador com a maior parte de mortes violentas intencionais, a taxa de homicídios dolosos ficou em 19,5. A redução de 1,4% foi verificada nas mortes por intervenção de agentes policiais, que chegaram a 6.430.
Região Norte
O Amapá desponta como o estado mais violento do Brasil, registrando uma taxa de 50,6 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes -- isso é mais que o dobro da nacional (23,4 mortes). No entanto, a Região Norte teve 2,7% de redução nesse indicador, atrás do Nordeste (4,5% de redução em um ano)
Com São Paulo registrando a menor taxa do país, o Sudeste apresentou queda de 2%. Já o Sul teve aumento de 3,4% nas mortes, e o Centro-Oeste, aumento de 0,8%.
O crime de lesão corporal seguida de morte (entre os mortes violentas intencionais) foi o único com aumento no país. Elevou-se de 517 casos, em 2021, para 610, em 2022.
Ausência de política
O envelhecimento da população pode ser considerado, entre outras hipóteses, como um fator para a redução de mortes violentas no país, como pontua o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A inexistência de uma política nacional de segurança pública é apontada pelo presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima como necessidade premente.
A flexibilização de armas impediu uma queda maior dos assassinatos no país, segundo o Fórum. No ano passado, três em cada quatro assassinatos no Brasil foram cometidos com arma de fogo. Renato Lima defende que "gestão de segurança pública é articulação", com foco não apenas na atividade policial, mas, inclusive, com programas locais que, inclusive, registram redução em mortes violentas.
A migração do crime é outra hipótese para a redução de mortes: caíram os roubos de cargas, em casas e em estabelecimentos comerciais, mas, em 2022, 208 golpes de estelionato foram aplicados a cada hora no país, chegando a 1,8 milhão de casos. A dinâmica do crime organizado pode contribuir para a redução de mortes.
Amazônia
A Amazônia Legal, com apenas 13,6% da população brasileira, tem o índice mais alto de mortes violentas intencionais do Brasil. A região, com nove estados, respondeu por uma a cada cinco mortes desse tipo no país, em 2022, de acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo o levantamento, em 2022, Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins tiveram, somados, 9.302 MVIs (mortes violentas intencionais). O número equivale a 19,57% do registrado em todo o território nacional. Em 2012, as mortes violentas na região representavam 15,6% do total nacional. Ainda que a proporção populacional tivesse se mantido estável, em uma década a alta na taxa foi de 25,2%.
Pará: 16% de redução em crimes violentos
No Pará, segundo levantamento feito pelo Governo do Estado, de janeiro a junho de 2023, em números absolutos, foram computados 981 casos de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), preservando assim 188 vidas, se comparado ao mesmo período de 2022, que registrou 1.169 casos. Na comparação com o primeiro semestre de 2019 - primeiro ano da atual gestão estadual -, que computou 1.584 casos, foram preservadas 603 vidas, alcançando 38,07% de redução. Esses números indicam uma queda de 16% nos CVLI, o que inclui homicídios, latrocínio e lesão corporal seguida de morte, no primeiro semestre de 2023, se comparado a igual período do ano anterior.
Os dados foram divulgados, na quinta-feira (20), pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), por meio da Secretaria de Inteligência e Análise Criminal (Siac). Eles apontam, que investimentos em efetivo e equipamentos, ações integradas, fortalecimento e atuação dos setores de inteligência estão entre ações que viabilizam a redução nos indicadores de criminalidade no Estado.
Os dados da Siac indicam que de janeiro a junho de 2023 foram computados 916 homicídios, uma queda de 17,6% em relação ao mesmo período de 2022, quando houve 1.112 registros em todo o Estado. O secretário de Estado de Segurança Pública e Defesa Social, Ualame Machado, destac que nos últimos quatro anos e meio estratégias e investimentos fizeram que o Pará obtivesse reduções significativas, inclusive, retirando algumas cidades paraenses do ranking de municípios mais violentos do país, como Belém e Ananindeua, que já figuraram na lista em anos anteriores.
“Hoje, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresentou novos dados sobre a violência no País, no qual o Pará tem 13 cidades que são inclusas no estudo por possuírem mais de 100 mil habitantes. Os números divulgados incluem mortes violentas intencionais, inclusive casos que não são tipificados como crimes. Entretanto, quando se computam apenas os dados criminais, a exemplo do CVLI, os dados ratificam que o Pará apresentou o seu melhor ano em redução em 2022, como resultado das inúmeras ações que vêm sendo implementadas diariamente em todas as regiões”, ressaltou Ualame Machado.
O titular da Segup acrescentou ainda que, “recentemente, o Pará foi reconhecido pelo Monitor da Violência como o estado que vem reduzindo a criminalidade, a exemplo do primeiro trimestre, que apresentou 14% de redução, e o Estado ficou em 5º lugar no ranking dos que mais reduziram; após esse estudo, já fechamos o semestre com 16% de redução no CVLI também, demonstrando que seguimos com quedas gradativas”, reiterou.
Desafios históricos
Na avaliação do geógrafo, professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Aiala Colares, deve-se considerar para a redução das mortes violentas no Brasil o fato de que hoje várias regiões, estados que enfrentavam conflitos relacionados ao crime organizado registram estabilidade gerada a partir da dominação de grupos hegemônicos em regiões, territórios, o que levou a essa diminuição desses óbitos.
Essa estabilidade identificada no Brasil não se relaciona apenas à presença do Estado (Poder Público). Ocorreu uma estabilidade relacionada à diminuição dos conflitos envolvendo facções rivais ligadas ao narcotráfico. Antes, esses conflitos envolvendo facções do narcotráfico e milícias elevavam os índices de mortes violentas, associados a isso as intervenções das polícias militares. Esses conflitos diminuíram em alguns estados, sobretudo, na Região Sudeste, como aponta o pesquisador.
No Pará, de acordo com Aiala Colares, se tem aumento no interior e diminuição na Região Metropolitana de Belém. "No geral, você tem, então, a diminuição que ela é do Estado, embora aumente no interior".
Ele aponta que no Pará atualmente praticamente não há conflitos envolvendo facções rivais. Ao contrário de anos anteriores, com grupos locais em conflito, hoje hegemonicamente nós temos a presença do Comando Vermelho, que acabou alterando drasticamente as formas de organização do narcotráfico nas periferias de Belém, na Região Metropolitana. Não se pode deixar de considerar que houve muito investimento do Estado no combate à violência. Existem bairros nos quais é proibido assalto à comunidade, como o Curió-Utinga, Tapanã, algumas partes do Benguí, Terra Firme, proibido pelo tráfico de drogas", assinala.
"A discussão que se refere à Região Norte tem que considerar as peculiaridades que a região apresenta, primeiro mesmo com essa redução com relação ao primeiro semestre de 2022, nós ainda temos uma região altamente violenta e alguns municípios do Pará se colocando na condição de municípios mais violentos do Brasil, sobretudo, considerando a violência letal, porque o Pará é um estado que historicamente enfrenta problemas relacionados à questão fundiária, ou seja, há uma violência muito relacionada ao mercado da terra, isso faz parte da história dos conflitos na Amazônia e no Pará, envolvendo indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, garimpeiros, madeireiras e outros", pontua Aiala.
Nos últimos anos, ocorreu a chegada de facções criminosas no Estado e na Amazônia, que antes atuavam só na Região Sudeste e passaram, então, a disputar áreas de influência no Estado, colocando alguns municípios na condição de municípios em conflito. Aiala Colares observa ser necessário se resolver a questão fundiária no Estado e na Amazônia.
"Não podemos esquecer que os modelos de desenvolvimento pensados para a Região Amazônica e Estado do Pará se deram com base no incentivo à extração de madeira, incentivo ao garimpo, as empresas mineradoras e outras, e isso acabou legitimando uma série de violações de direitos territoriais que afetavam ribeirinhos, quilombolas e indígenas, e que no cenário atual esse modelo não é mais relevante; então, se pensar em uma política estratégica que possa considerar a reforma agrária, a defesa dos direitos territoriais dos povos da floresta, políticas públicas e modelos de desenvolvimento alternativos que possam estar linkados com a realidade da região, com a densidade dos povos da Amazônia", enfatiza o pesquisador.