Alunas de medicina expõem paciente transplantada: 'Acha que tem 7 vidas'
A jovem Vitória Chaves da Silva havia sido submetida a 4 transplantes de coração e morreu 9 dias após a publicação do vídeo pelas estudantes
Duas estudantes de medicina publicaram um vídeo no TikTok — removido nesta terça-feira (8/4) — no qual expõem a paciente Vitória Chaves da Silva, de 26 anos, internada no Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, nove dias antes de sua morte por insuficiência renal, em 28 de fevereiro.
Em 2023, o portal Metrópoles havia noticiado o caso inédito de Vitória, que foi submetida a três transplantes de coração — algo até então limitado a dois procedimentos no Brasil.
No vídeo, embora não citem o nome da paciente, as alunas Gabrielli Farias de Souza (de cabelos loiros) e Thaís Caldeiras Soares Foffano (à direita, de cabelos escuros) mencionam os três transplantes cardíacos e indicam quando ocorreram — na infância, adolescência e início da vida adulta — coincidindo com o histórico de Vitória.
VEJA MAIS
“Um transplante cardíaco já é burocrático, já é raro, tem a questão da fila de espera, da compatibilidade, mil questões envolvidas. Agora, uma pessoa passar por um transplante três vezes, isso é real e aconteceu aqui no Incor e essa paciente está internada aqui”, afirma Thaís no vídeo.
A postagem, feita em 17 de fevereiro, foi visualizada por pouco mais de 212 mil pessoas. A repercussão foi suficiente para que um amigo reconhecesse o caso de Vitória e enviasse uma mensagem à família no último dia 3, conforme relatou Giovana Chaves dos Santos, 19 anos, irmã da paciente.
A exposição gerou revolta na família. A mãe de Vitória, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves, e a irmã decidiram registrar um boletim de ocorrência, acionar o Ministério Público de São Paulo (MPSP) e o próprio Incor.
Durante a gravação, as estudantes sugerem que a sequência de transplantes ocorreu porque Vitória não teria se cuidado adequadamente nem seguido a prescrição de medicamentos, informação rebatida pelos familiares da paciente.
No vídeo, Thaís afirma que as duas iriam encontrar a paciente em seguida: “A gente vai subir lá em cima [sic] e tentar conversar com essa paciente transplantada por três vezes”. Gabrielli então comenta sobre os procedimentos: “A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou [o órgão] e teve que transplantar de novo, por um erro dela [Vitória]. Agora ela transplantou de novo, [o corpo] aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações”.
Na sequência, Thaís diz: “Estou em choque. Simplesmente uma pessoa que já passou três vezes por transplante, recebeu três corações diferentes, pra quem não é da medicina, resumindo, é isso […] e tá com problema ainda. Espero que fique tudo bem com ela, que agora ela realmente tome as medicações e faça o tratamento correto”.
Vitória faleceu nove dias depois, em decorrência de choque séptico e insuficiência renal crônica. A morte ocorreu um ano após o terceiro transplante cardíaco e dois anos após um transplante de rim, órgão que foi comprometido devido aos medicamentos utilizados no tratamento cardíaco.
Cláudia, mãe da paciente, afirmou ao Metrópoles que as declarações das estudantes são falsas. “O que elas dizem é inverídico e temos provas de tudo, que ela [Vitória] seguia o tratamento à risca”, afirmou. “A gente sempre acompanhou a Vitória. A gente sabia o quanto ela lutava para viver, né? Tanto é que tem um monte de ofício na Promotoria da gente pedindo ajuda com medicação, com passagem para vir no tratamento. Ela nunca faltou numa consulta sequer, né? E minha filha tinha sede de vida. Tudo o que ela queria era viver. Aí vem uma pessoa e diminui a história dela, eu não aceito, quero Justiça”, desabafou.
Cláudia também destacou que a postagem gerou milhares de comentários, muitos deles ofensivos contra a filha. A família exige uma retratação pública por parte das estudantes, na mesma proporção da exposição feita. Até a publicação desta reportagem, nem Gabrielli nem Thaís, tampouco seus representantes, haviam sido localizados. O espaço permanece aberto para manifestações.
Vitória sonhava em ser médica
Enquanto aguardava pelo terceiro transplante cardíaco, Vitória revelou que sonhava em ser médica para ajudar outras pessoas, da mesma forma como era acolhida. Ela chegou a prestar o Enem para ingressar no curso de medicina em 2019, mas não alcançou a pontuação necessária.
Na ocasião, mesmo sob forte medicação, Vitória enviou um áudio ao Metrópoles demonstrando esperança de voltar à rotina com a família e realizar tarefas simples, como tomar banho sozinha e comer refeições caseiras. “Quero muito ir embora para poder usufruir da minha família. Tenho esperança. Vou ficar bem e ter uma boa recuperação. Peço orações”, declarou na época.
“Essa menina tá achando que tem sete vidas.”
Outro lado
Em nota, "a FMUSP esclarece que as alunas envolvidas na ocorrência são graduandas de outras instituições, que estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês). Atualmente, não possuem qualquer vínculo acadêmico com a FMUSP ou com o InCor.
Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis.
Internamente, a FMUSP está tomando medidas adicionais para reforçar junto aos participantes de cursos de extensão as orientações formais sobre conduta ética e uso responsável das redes sociais, além da assinatura de um termo de compromisso com os princípios de respeito aos pacientes e aos valores que regem a atuação da instituição.
A FMUSP repudia com veemência qualquer forma de desrespeito a pacientes e reafirma o compromisso inegociável com a ética, a dignidade humana e os valores que norteiam a boa prática médica.
A instituição reforça ainda a missão de formar profissionais comprometidos com a excelência e com o cuidado humano, valores que são inegociáveis em nossa Instituição".