Periferia pulsa e ajuda a construir a Belém de 407 anos

Atores que emergem da periferia vêm ajudando a reconstruir a capital paraense sob uma nova ótica de respeito à diversidade

Natália Mello
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Diversa, pulsante, pujante. Com esses predicados, reconhecidamente dispensados em um passado recente pela sociedade em geral, a cultura da periferia emergiu e ocupou um espaço hoje indispensável para a formação de uma nova personalidade a ser atribuída a Belém: a de uma capital cuja história deixa de ser restrita ao centro histórico, onde foram dados os primeiros passos de sua formação. Neste dia 12, a cidade completa 407 anos e vem servindo de palco a um movimento crescente de protagonismo que surge nos bairros mais populosos do município, como Guamá, Terra Firme e Jurunas.

Atualmente, a cidade abriga 1,5 milhão de habitantes, de acordo com a última estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo dados da prefeitura de Belém, são 80 bairros, divididos em três circunscrições cartorárias. Mas muito da densidade populacional se concentra nos bairros periféricos, por estarem nas áreas de expansão da cidade. O mais populoso deles, hoje, é o Guamá, com mais de 100 mil moradores, seguido de cerca de 70 mil na Terra Firme, e a mesma média na Pedreira, Jurunas e Marambaia.

Centro de produção de conhecimento e ciência, o Guamá abriga o campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), a maior universidade do Norte do país; a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). O professor da UFPA e doutor em história urbana, Túlio Vasconcelos Chaves, de 35 Anos, pontua que, do ponto de vista histórico, é importante frisar que a forma de contar a história da cidade sempre foi organizada em função de grandes personagens, em geral pertencentes a grupos de elite e de seus bairros mais nobres e centrais.

“A imagem oficial de Belém, produzida e reproduzida pelo discurso oficial, em geral observadas em cartões postais antigos, textos turísticos ou em imagens de documentários, davam conta dos bairros mais nobres da cidade e de seus ícones históricos, como suas igrejas, palacetes, o Teatro da Paz, Mercado do Ver-o-Peso ou a Praça da República. Em geral, ícones ligados a personagens advindos de uma matriz branca e europeia e de uma Belém que sonhava em ser Londres ou Paris”, pontua o historiador.

Ainda de acordo com Túlio, em meio a esta representação histórica sobre a cidade, é possível perceber silêncios sobre outros períodos históricos e sobre a importância da inclusão de novos agentes para se contar a história da cidade, marcada por grande diversidade social, racial e de gênero, de grupos que talvez não compartilhem, segundo ele, a imagem cultural da decadente cidade belepoquiana que alimenta as visões bucólicas de parte da elite e classe média sobre a Cidade no presente.

“O crescimento urbano acelerado e aprofundamento de processos migratórios e a consequente ampliação de vozes diversas levam ao crescimento de demandas que reivindicam novas visões sobre a cidade, que mostram uma Belém ansiosa por novas histórias e consequentemente por um novo futuro especialmente mais diverso e inclusivo. É perceptível que o processo de renovação historiográfica e a ampliação de um espaço democrático nas últimas décadas deram novo folego a busca de uma história urbana que amplie as formas de interpretar a história da cidade e de seu patrimônio Histórico”, declarou Túlio.

O historiador ressalta que é importante reconhecer as vozes que emergem da periferia e seguem na luta por narrarem a partir de seu próprio ponto de vista os processos de exclusão social e as diferentes formas de resistências vividas nas periferias de Belém. Ele observa, em seus estudos, nesse processo, figuras ansiosas por contar sua própria história e interferir na construção de seu presente.

“Neste sentido, acredito que o universo musical esteja se construíndo como um importante agregador de lutas, sonhos e expectativas das vozes das periferias de Belém. Em especial o crescimento da cultura musical do Tecnobrega paraense na mídia nacional a partir de personalidades como Joelma, Gabi Amarantos, entre outros, deram novo vigor a busca desse protagonismo popular nos bairros periféricos da cidade”, diz. “A gravação do clipe da Cantora Anitta com aparelhagem na vila da Barca em 2021 é um exemplo da importância simbólica da presença midiática de lugares historicamente silenciados, e que agora se mostram cada vez mais centrais na definição do que significa ser Belenense e Amazônico”, finaliza.

image Na periferia de Belém se encontram também formas de lazer e expressão que são formadas pela própria comunidade, como um balneário informal às margens de um canal (Sidney Oliveira / O Liberal / Arquivo)

Música é mola propulsora da periferia

Em busca de garantir a visibilidade de um movimento que sempre existiu, Gerson Dias, de 32 anos, observou uma quebra de paradigma com relação ao consumo da música produzida nas periferias na cena musical paraense. Produtor cultural há cerca de 14 anos, em Belém, ele lembra que, quando começou esse trabalho, com a realização de pequenas festas de rock na cidade, percebia a ausência de programações que incluíssem o tecnobrega, por exemplo. Depois de alguns anos, procurou, junto ao irmão que também é um parceiro nessa empreitada, trazer o gênero musical para o lineup da primeira edição do Psica Festival, que em 2022 completou 10 anos.

“No início de tudo, a gente não se atentava muito ao protagonismo da cultura periférica, sabe? A gente fazia festinhas de rock com músicas internacionais, músicas dos anos 60, 70, e era pouca a participação do que estava acontecendo na periferia. A gente veio se atentar a isso já um pouquinho depois e, em 2012, vimos a importância do tecnobrega e buscamos, já na primeira edição, trazer o gênero para a gente. Aí esse foi só um pontapé inicial. Durante esses 10 anos de festival, a gente viu a indústria da cultura periférica se consolidando um pouquinho mais”, lembra.

Gerson pontua: apesar dos bits musicais terem demorado a reverberar para além dos muros das comunidades belenenses, o movimento sempre foi promessa, muito embora, para ele, nunca tenha conseguido atingir o status que alguns nomes do ritmo alcançaram, como a Gang do Eletro e Gaby Amarantos. Entretanto, o gênero, autêntico no estilo, melodias e sonoridade, segue conquistando mais espaço no universo cultural da capital paraense.

“Hoje a gente procura trazer toda a nossa experiência, toda a nossa expertise, para dentro disso, não só estar aqui no brega, mas também no reggae, no carimbó, que são movimentos periféricos de certa forma e a gente está vendo um uma valorização um pouco maior”, pontua. Na nossa última edição, as expressões culturais periféricas estavam em peso, inclusive na nossa curadoria. E é isso que a gente quer fazer, a gente quer mais e mais dar espaço para essas expressões. Porque eu vejo Belém, o Norte, a Amazônia inteira como catalisadores culturais. A gente tem potencial e a forma que a gente tem de esse movimento crescer é respeitando a cultura periférica”, analisa. “Colocamos pessoas de outros estados, inclusive, no Festival, para consumir a nossa cultura e sair espalhando por aí. Então esse é o nosso papel enquanto festival, e no que depender da gente esse cenário só tende a melhorar”, finaliza.

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