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Antônio Lemos e as artes

Sebastião Godinho

Deve-se a Antônio José de Lemos, que esteve à frente dos destinos de Belém de 10 de julho de 1897 a 1º de setembro de 1911, quando renunciou por razão políticas, não apenas os avanços e melhoramentos urbanos que todos nós conhecemos, mas também conquistas artísticas até hoje perduram para o gáudio dos que amam as manifestações do espírito. 

Dotado de notável senso administrativo e refinada sensibilidade, foi ele quem encomendou a confecção do célebre quadro “Últimos dias de Carlos Gomes”, pintado em Roma por Domênico de Angelis e seu sócio Giovanni Capranesi, inaugurado na sede da intendência em 17 de setembro de 1899, três anos após a morte do autor de “O Guarani”.

De incontestável valor artístico e histórico e executada dentro dos cânones do academicismo, a tela mede 5,20 x 3,70 e é ornada por expressiva moldura, igualmente confeccionada na capital italiana, de autoria do escultor Giuseppe Bucci, que realizou trabalho primoroso de talha em madeira, dourada a ouro, no estilo barroco-romano.

Conhecido dentro e fora do país,  o quadro, em óleo sobre tela,  teve como base fotos tiradas pelo próprio De Angelis do interior do imóvel da rua Quintino Bocaiuva esquina da travessa Tiradentes, locado pelo governo do Estado para servir de residência ao insigne maestro quando este veio para o Pará em 14 de maio de 1896 atendendo convite do governador Lauro Sodré para dirigir o conservatório de música, instituição que, anos depois, seria rebatizada com o seu nome. 

Carlos Gomes, porém, morreria meses depois, em 16 de setembro, aos 60 anos, supliciado por um mal insidioso e incurável afagado pelo carinho e admiração dos nossos antepassados.

De Angelis moldou a sua máscara mortuária em gesso e a ofertou a Antônio Lemos que a colocou sob guarda da Imperial Sociedade Beneficente Artística Paraense, hoje extinta. A relíquia passaria depois a ser custodiada pelo Museu do Estado e hoje se acha no memorial da Fundação Carlos Gomes ao lado de outros objetos do compositor.

A cena de que se compõe a grandiosa obra foi totalmente idealizada, sendo nela inseridas pelos artistas, rodeando o compositor que se encontra sentado em uma cadeira de embalo, várias personalidades da época como o governador Lauro Sodré, o vice Gentil Bittencourt e o intendente Antônio Lemos, num total de vinte e dois figurantes.

Além desse imponente marco artístico, certamente o mais valioso do acervo do Museu de Arte de Belém, a cidade deve ao velho intendente outro feito que sempre foi motivo de orgulho para todos nós: o monumento a D. Frei Caetano Brandão que se ergue no antigo Largo da Sé, logradouro que depois seria crismado com o nome do 6º Bispo do Pará, na Cidade Velha. 

Com vistas a realização do projeto, Lemos contratou mais uma vez o italiano Domenico de Angelis que se responsabilizou por sua criação e por todos os elementos que o compõe, além do transporte, sendo o valor de cinquenta mil francos isento de todos os impostos, correndo estes por conta dos cofres da intendência, o custo total da obra.

Para a modelagem da belíssima estátua o artista incumbiu o renomado escultor italiano Enrico Quattrini, confiando a sua fundição à afamada Casa G. Bastianelli, de Roma, que a executou em um metal novo, liga de alumínio e bronze, do mais agradável efeito, conforme a impressão de um cronista da época.

O monumento foi inaugurado em 15 de agosto de 1900, tendo ao ato comparecido o governador Paes de Carvalho, muitas outras autoridades, além de Lemos que, segundo um jornal da época, mais uma vez, deixou patente a sua “proverbial pontualidade”. 
Com a vinda a Belém do pintor fluminense Antônio Parreiras, hoje um dos grandes nomes da pintura nacional, com vistas a realizar exposição no foyer do Teatro da Paz, Lemos, além de adquirir três de suas obras para o acervo da intendência, encarregou o artista de produzir oito trabalhos retratando cenários da cidade como o bosque municipal, calçada do Largo da Pólvora, Praça da República, catedral de Belém, Avenida São Jerônimo, Praça Batista Campos, todos hoje integrados à coleção do MABE.  
“A Fundação da Cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará” de autoria do consagrado pintor paraense Theodoro Braga, é outro trabalho de vulto encomendado “pelo benemérito intendente”. 

Pintado em óleo sobre tela, é resultado de um abalizado estudo histórico realizado pelo artista em Lisboa, sendo a sua viagem – em 1906 - patrocinada por Lemos. 

Medindo 5,00 x 2,50, foi apresentado ao público no dia 17 de dezembro de 1908 no foyer do Teatro da Paz, no curso da exposição que o artista promoveu naquela casa de espetáculo. Hoje pode ser apreciado no Museu de Arte de Belém. 
Outros artistas foram beneficiados pela ação administrativa de Lemos como Carlos Azevedo, José Irineu de Souza, Maurice Blaise, sendo este o autor da versão atual do brasão d’Armas de Belém, que o redesenhou em suas linhas de contorno a pedido do intendente. 

Antônio Lemos chegou a planejar um monumento em homenagem a Carlos Gomes na Praça da República defronte ao Teatro da Paz, porém, por razões que ainda não apuramos, e não obstante os avanços impulsionados pela administração municipal, como a contratação de um escultor italiano para sua execução, a obra, lamentavelmente, não se materializou.

Sebastião Godinho é advogado e escritor.

Belém Pra Ver e Sentir