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Vida longa: paraenses centenárias ensinam a receita para viver por muitos anos

Gostar de viver, levar a vida com bom-humor, aproveitar cada instante de forma positiva e aprender sempre são ações que contribuem para chegar aos 100 anos

Eduardo Rocha

Como é ser uma pessoa centenária? Ter o privilégio de ter vivido por um século, vivenciado muitos fatos e ter acompanhado grandes e transformações no mundo? Pois essa realidade, essa longevidade está mais presente na vida de muitas pessoas em Belém do que se possa imaginar. Em números absolutos, são 307 pessoas na capital paraense, de acordo com o novo Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 27 de outubro. Belém é a cidade paraense com a maior quantidade de pessoas com 100 anos de idade ou mais.  Duas dessas pessoas, dona Odaléa e dona Júlia, revelam trilhas para chegar a um século de vida.

Odaléa Lobato da Cunha, com 101 anos de idade, não titubeia quando lhe perguntam sobre a receita para ter essa longevidade toda. "Tem que gostar da vida; se não gostar da vida, não adianta!". Ela nasceu no sítio Panacuera, no interior do município de Abaetetuba, na região do Tocantins, no Pará. Isso em 12 de março de 1922. Trabalhou como professora de alunos do então curso Primário e como costureira em solo abaetetubense. Essa torcedora inveterada do Paysandu Sport Clube é mãe de 14 filhos e tem 23 netos, 15 bisnetos e 3 tataranetos. Teve como marido Elesbino Lobato da Cunha.

"Eu sou feliz. Tenho a companhia dos meus filhos, que trazem o açaí para mim. Gosto muito de açaí e tomo todo dia", declara dona Odaléa. Ela é mais conhecida no edifício onde mora no bairro de Nazaré pelo apelido carinhoso de "Dona Pequenina", uma referência à altura dela (1,50 metro) e ao bom-humor. Aliás, bom-humor é uma marca registrada de "Dona Pequenina", que também não abre mão de conferir as programações dos canais de TV, em particular, os telejornais. E ela gosta muito de uma boa conversa, em uma das poltronas da casa.

Ela morava com o marido e filhos em Abaetetuba, mas acabou vindo com Elesbino com os rebentos, pois os meninos e meninas precisavam estudar. Tudo registrado nas centenas de fotos no apartamento onde mora, inclusive, as formaturas dos filhos  e netos. "Tenho neto que é médico", diz orgulhosa.

No meio da vida

A fé em Deus é um dos fatores da longevidade de dona Odaléa. Com os filhos, ela assiste a missas e, todos os anos, confere a passagem do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em um prédio na avenida Nazaré, ou seja, a Trasladação e a Grande Romaria propriamente dita.

Fora isso, dona Odaléa transita em casa entre imagens de santos variados, incluindo a Rainha da Amazônia, Nossa Senhora de Nazaré.  Quando sai de casa por algum motivo, ou recebe uma visita, ela gosta de estar sempre bem. Coloca brincos, capricha no perfume e em um leve batom. Prova de que a auto estima a acompanha na trajetória da vida. Dona Odaléa é bem tratada pelos filhos e sempre recebe a visita de um deles, além de outros familiares.

Brincalhona, nunca deixa passar uma oportunidade para demonstrar que é torcedora do Papão, mas recebe sempre com carinho os familiares torcedores do rival, o Clube do Remo. Diz que se deve querer bem às pessoas para que elas lhe queiram também. Com a desenvoltura de quem gosta mesmo da vida, "Dona Pequenina" seguem em frente, de olho no dia 12 de março de 2024, data dos 102 anos de vida, sempre bem vividos.

Vivacidade

Quem também possui uma relação afetuosa com a vida é Júlia Felipe Beltrão nasceu em Igarapé-Açu, no nordeste do Pará, em 2 de julho de 1923. É mãe de quatro filhas e desfruta a felicidade de ter cinco netos e sete bisnetos. "Eu não tenho segredo algum (sobre a longevidade). Eu vivi, tive saúde para chegar até os 100 anos", destaca. Dona Júlia conta que a infância dela foi muito boa, em Igarapé-Açu, “andando descalça, correndo na rua, pegando manga embaixo da mangueira".

Lembra que na época de estudante funcionava somente o chamado Grupo Escolar e quem tinha mais condições colocava os filhos para estudar com uma professora particular. Então, ela veio estudar em Belém, passando a morar na casa de tios que eram os padrinhos dela. "Eu estudei no Ginásio Paraense, depois, ele ficou Colégio Estadual Paes de Carvalho. Fiz a Escola Normal, fazendo os dois cursos no mesmo ano, no Ginásio e na Escola Normal (curso de normalista)", conta.

Ao chegar em Belém, ela morou na rua João Diogo, casa 59, e em um internato chamado Santa Clara. Ela lembra também que chegou a trabalhar em Igarapé-Açu, como professora do Grupo Escolar, e, em Belém, no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), onde se aposentou no final dos anos 70.  

Ela não dá conselho sobre como chegar aos 100 anos de idade, até porque, como diz, "cada um é cada um", mas orienta no sentido de cuidar da saúde "tanto a física como a moral". Dona Júlia revela que nunca se sentiu desrespeitada pelos mais jovens. Ela sempre conseguiu manter um bom relacionamento com pessoas de diferentes gerações, repassando o que tem aprendido na vida e assimilando novos conhecimentos, curiosa que é.

Em atividade

Estar em atividade sempre foi um trunfo para que dona Júlia se mantivesse e se mantenha de bem com a vida, desfrutando de uma boa saúde. Ela revela que sempre gostou de cozinhar,  fazer palavras cruzadas, jogar baralho (jogo de paciência) e, muito em particular, ler jornais, revistas. 

"Leio o jornal todos os dias", destaca. Dona Júlia acompanha tudo em volta dela e ressalta que os governos (estadual e municipal) não têm tido o cuidado necessário, "o zelo pela cidade (Belém) como deviam ter". Entretanto, observa que hoje em dia a situação mostra-se bem melhor do que antes, porque "faltavam coisas, tinham mais restrições, em tudo o que a gente fazia tinha sempre a parte negativa, mas é boa a vida, ainda é boa".

Na juventude de Júlia Beltrão, "a vida era mais dura", como reforça. Lembra que a mãe dela teve 12 filhos, em Igarapé-Açu. Os pais de Dona Júlia vieram ainda crianças da Espanha para o Pará com seus respectivos pais, com toda uma história de vida, de amor à vida. História essa que acabou tendo continuidade por essa cidadã centenária que cuida da saúde tanto física como moral para manter a vivacidade.

“A gente não se aposenta da vida”, diz geriatra 

No Brasil, está diminuindo a quantidade de crianças (fecundidade das pessoas está cada vez menor) e aumenta a expectativa de vida dos cidadãos, ou seja, as pessoas estão vivendo mais, gerando a tendência de o país ficar com um número maior de idosos e quantidade menor de crianças, no chamado envelhecimento populacional. Essa análise é feita pelo médico geriatra Karlo Edson Moreira, integrante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e médico preceptor no Programa de Residência Médica em Geriatria da Universidade Federal do Pará (UFPA). 

O fato de as pessoas estarem vivendo mais, como pontua o médico, está atrelado a campanhas de vacinação e de trânsito, diminuição de ocorrências de doenças infectocontagiosas, melhora da assistência médica, novos antibióticos, melhora das condições de saúde e higiene. 

Além do fator genético, os hábitos de vida, estilo de vida apresentam-se como o principal fator para uma vida longa. "Então, manter hábitos de vida saudável, tipo uma atividade física, uma alimentação equilibrada, para controle adequado de peso; frequências regulares aos médicos, para fazer o check up, medindo pressões, glicemias, para tentar detectar doenças precocemente e tratá-las de forma precoce; fazer check ups para prevenir cânceres de próstata, de mama e outros, como de colo uterino, isso faz a diferença para a pessoa ter mais oportunidade de envelhecer", enfatiza o geriatra Karlo Moreira. Deve-se evitar o consumo exagerado de álcool e o tabagismo. 

Deve-se cuidar da saúde mental diante da depressão, ansiedade e síndrome de pânico, já que uma limitação emocional muito grande gera o impedimento de fazer tarefas, como pontua o médico.   

Ao se chegar na faixa dos 80 a 100 anos de idade, deve-se manter ativo. "A gente não se aposenta da vida, e deve se manter ativo intelectualmente e fisicamente", como ressalta Karlo Moreira. A pessoa idosa deve consumir água e proteínas, para ter menor perda muscular.  Apesar de não terem mais o mesmo paladar que antes, as pessoas idosas devem se alimentar  regularmente. Não devem tomar medicação alguma sem orientação de um geriatra, porque os órgãos vitais não são mais os mesmos. Um simples remédio para dor pode causar reações adversas. 

De acordo com o Censo Demográfico 2022, no ano passado, "o total de pessoas com 65 anos ou mais de idade no país (22.169.101) chegou a 10,9% da população, com alta de 57,4% frente a 2010, quando esse contingente era de 14.081.477, ou 7,4% da população". "Já a população idosa de 60 anos ou mais é de 32.113.490 (15,6%), um aumento de 56,0% em relação a 2010, quando era de 20.590.597 (10,8%)", segundo o IBGE. 

Belém