Professora cria robôs a partir de lixo eletrônico
Keila Cattete estimula seus alunos a reciclar lixo eletrônico e elaborar protótipos que são usados em projetos voltados para comunidades carentes
Por ano, quase 45 milhões de toneladas de lixo eletrônico são geradas no mundo inteiro. Deste total, apenas 20%, ou 8,9 milhões de toneladas, são recicladas. O restante acaba em lixões ou aterros. Os dados são de um relatório internacional elaborado pela Universidade das Nações Unidas (UNU), e revelam que poucas pessoas se preocupam com o descarte correto ou reaproveitamento deste tipo de resíduo. Mas em Belém, a professora de robótica e matemática Keila Cattete não só reaproveita o material, como também o transforma, junto com seus alunos, em robôs e protótipos automatizados, que são usados em projetos voltados a comunidades carentes.
A história de Keila com a robótica começou no início dos anos 2000, quando ela cursava licenciatura em matemática. Em uma época em que a discussão sobre a tecnologia estava entrando em pauta nos cursos acadêmicos, logo surgiu o interesse de buscar conhecimento sobre a robótica, área até então pouco explorada. A então aluna passou a estudar e se informar cada vez mais sobre o assunto.
Já em 2014, quando dava aulas em uma escola rural do nordeste paraense, Keila teve a ideia de criar um projeto onde fosse possível reaproveitar resíduos de lixo eletrônico para a criação de robôs e protótipos, com o intuito de tornar as aulas de matemática mais dinâmicas e divertidas para os alunos. "Eu revirava lixo, encontrava placas-mãe, mouses, teclados, colocava em uma caixinha e levava para casa", contou. "As pessoas me chamavam de louca. Mas eu não liguei e continuei a minha trajetória".
Mesmo após as negativas, ela não desistiu. Continuou investindo e sonhando com o projeto, buscando formas de torná-lo possível. Passou a aprimorar mais ainda seu conhecimento em robótica, participando de encontros, trocando experiência com pesquisadores e até ministrando oficinas e palestras. Como resultado da dedicação, foi convidada em 2017 por uma escola particular para coordenar uma equipe de alunos no Torneio Brasil de Robótica (TBR).
Após várias pesquisas, a equipe da professora decidiu montar um protótipo para ajudar a comunidade quilombola do Abacatal, localizada em Ananindeua. Lá, os membros da comunidade tinham algumas dificuldades para colher o fruto do açaí e da acerola, já que o trabalho era manual e demorava horas para ser realizado. Keila idealizou, junto aos seus alunos, uma espécie de robô feito a partir de lixo eletrônico, que fazia sozinho o trabalho antes feito por mãos humanas. Resultado: sua equipe foi a grande campeã do torneio, desbancando outras centenas de alunos de instituições educacionais das regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Durante todo o ano, a equipe se preparou para a competição, estudando diariamente e trabalhando disciplina, postura, conhecimento de programação e montagem de protótipos. "As crianças se empolgaram, os pais também. Foi uma experiência inesquecível", afirmou a professora. Naquele ano, o tema escolhido pelo torneio foi afrodescendência. Como Keila é remanescente de uma comunidade quilombola, o envolvimento com o projeto foi ainda mais intenso.
Projeto chegou a escola estadual
Toda a trajetória de Keila foi motivada por um grande sonho: o de conseguir levar o seu projeto aos alunos de escolas públicas. Este ano, o sonho se tornou realidade. O projeto da professora foi aprovado na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Professora Dilma Cattete, localizada no bairro do Coqueiro, em Belém. Agora, ela vai ter reuniões com alunos da escola todos os sábados, com o objetivo de formar uma equipe para participar novamente do TBR, além de outros torneios locais e estaduais de robótica.
A preparação com os alunos ainda está em fase inicial. No primeiro momento, é importante conscientizar as crianças sobre a sustentabilidade e o reaproveitamento de lixo. Depois, são ensinadas as técnicas de aprimoramento dos resíduos, que podem ser refinados para reutilização. Com isso, formam-se estudantes cada vez mais interessados em trabalhar com tecnologia de maneira sustentável. "O meu grande objetivo é que o Pará seja reconhecido lá fora, com grandes cientistas surgindo no nosso estado, mesmo com todas as dificuldades", destacou Keila.
Mayra Ferreira, de 13 anos, participou da primeira reunião e já se mostrou interessada no projeto. Ela pretende continuar estudando robótica para competir e trazer para casa o troféu de campeã brasileira. "O que mais me chamou a atenção foi a construção dos robôs. Projetos como esse são muito importantes, porque como somos crianças e adolescentes, estamos aprendendo cada vez mais coisas novas e interessantes", finalizou a estudante.
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