Páscoa reforça a importância do perdão para a saúde emocional e para a união em família
"O perdão promove saúde emocional", diz psicólogo Marcelo Moraes Moreira; mas ele ressalva que perdoar não é esquecer
"O perdão promove saúde emocional", diz psicólogo Marcelo Moraes Moreira; mas ele ressalva que perdoar não é esquecer
A Páscoa é uma data cristã cujo principal valor que emana é o perdão. A data representa o sacrifício de Jesus Cristo que, ao ser crucificado, perdoa os pecados da humanidade. Esse mesmo perdão é a proposta a ser vivida nesse período. Por isso, a Páscoa é um tempo de estreitar laços, superar as diferenças, deixar para trás mágoas e intrigas e reunir amigos e familiares.
Em Belém, e ao lado da família, a manicure Margarete Borges Cantanhede, de 52 anos, fala sobre esse momento durante a Semana Santa. “O perdão é muito importante nesse período. O perdão é o ápice de tudo para se poder ter uma santa e abençoada Páscoa”, disse. “Não adianta eu me preparar se o meu coração está cheio de mágoa, de sentimentos ruins, porque Jesus morreu por nossos pecados", contou. "Se eu não posso dar o perdão para o meu irmão, eu não posso dizer que eu amo a Deus, porque o próprio Pai Nosso diz: 'perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido'. Então, é um momento muito propício. Não só nesse momento, mas em todos os dias, para buscarmos ser melhores, buscarmos a conversão, buscarmos dar o perdão. Dando o perdão, também a gente o recebe. É muito importante esse ato”, disse.
Margarete observou que todas as famílias têm os seus problemas. “Têm seus defeitos, as suas divergências, porque a perfeição só é de Deus. Nós estamos a caminho da perfeição, mas perfeito só é Deus”, disse. Ela comentou que nem todo mundo pensa igual: “Mas nós estamos trabalhando a respeito disso. Eu tenho um pai (Félix Borges) que tem 101 anos. A minha mãe (Tely Marques da Silva) tem 80 anos. Eles têm as suas dificuldades, limitações. E a família está aí".
Ela acrescentou: "Estamos todos voltados para cuidar deles. Assim como eles cuidaram da gente, nós também estamos voltados e focados nessa missão de dar o melhor para eles. A gente tem que procurar amar as pessoas com todos os seus defeitos. E é isso que Deus quer, porque Jesus não veio para aqueles que eram sadios, mas veio para aqueles que estavam doentes”. Ainda segundo Margarete, Páscoa é amor, é perdão, é misericórdia. “É um sentimento de coração liberto e limpo para podermos passarmos essa Semana Santa com todo amor e carinho. Buscando ser sempre o melhor, tanto para mim como para o meu semelhante”, disse ela, que, na próxima semana, fará 53 anos.
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Marcelo Moraes Moreira é professor de ensino superior e psicólogo clínico, mestre em Psicologia e doutorando em Psicologia Clínica e Social. Ele explicou que o perdão e o ato de perdoar são temas complexos. E, tanto na psicologia quanto na psicanálise, o perdão envolve dimensões afetivas, cognitivas, relacionais e também trazem um aspecto moral.
Ainda segundo ele, o perdão deve ser abordado não somente como um gesto moral ou religioso, como geralmente o senso comum trata. "Mas, sobretudo, como um processo psicológico profundo, ligado à subjetividade humana - a subjetividade aqui pode ser entendida como as singularidades de um indivíduo, o modo particular como ele vê o mundo, como ele se relaciona com o mundo, como ele reflete e sente o mundo ao seu redor, também está ligado à cura e à reconstrução de um eu diferente diante do sofrimento", disse.
Na psicanálise, explicou Marcelo Moraes Moreira, o perdão é compreendido principalmente como um processo interno relacionado à elaboração de uma dor psíquica, a uma reparação simbólica, a uma integração dos afetos contraditórios. "Freud não aborda, por exemplo, o perdão de forma direta, mas ele oferece alguns subsídios que a gente pode obter em si em alguns textos para a gente tentar compreender a importância do perdão no contexto da elaboração do sofrimento psíquico, por exemplo", disse. "Para Freud, o sujeito precisa reconhecer, elaborar e ressignificar uma dor para então se libertar dela, o que pode estar implicado em processos de perdão. Textos como Luto e Melancolia, um texto muito lido, muito difundido da obra de Freud, fala um pouco sobre isso", observou.
Nos processos de luto, por exemplo, explicou, existe a necessidade de um trabalho de separação e reorganização interna do mundo psíquico, que pode ser comparado ao processo de perdão, quando alguém é ferido emocionalmente. Ainda segundo o psicólogo, existem outros autores que falam também, de outra maneira, ainda dentro da psicanálise, como Melanie Klein e Donald Winnicott. Melanie Klein traz o conceito de posição depressiva, que é o momento no desenvolvimento psíquico em que o sujeito reconhece que o outro, o objeto, então, é ao mesmo tempo amado e odiado. Isso exige uma elaboração da ambivalência e do desejo de reparação.
"Como é que fica o perdão nesse contexto? Pode ser visto, então, como uma capacidade de reparar internamente o objeto ferido, que representa um amadurecimento emocional. Então, aí, perdoar, considerar o perdão nas relações humanas, valorizando os vínculos que unem as pessoas, pode reparar objetos feridos. Isso é fundamental para as relações humanas", disse.
Ele afirmou ainda que a Psicologia, de uma forma geral, vê o perdão como um processo ativo de superação, de mágoa, de raiva, de ressentimento. "E resolver esses conflitos favorece a promoção da saúde mental e a continuidade de relacionamentos. Isso é fundamental para que as pessoas estabeleçam vínculos saudáveis, estejam em harmonia, que se relacionem em ambientes de maneira segura, reciprocamente, com bastante afeto e respeito e bastante consideração".
No geral, disse Marcelo Moraes Moreira, a Psicanálise fala que o perdão simboliza algo que está presente nas relações, algo que valoriza essas relações e implica numa necessidade de elaboração psíquica dessas relações e, portanto, de uma reparação interna. "Para a Psicologia, o perdão promove saúde emocional e ele produz uma reestruturação cognitiva e um crescimento pessoal. Perdoar não é simplesmente esquecer ou justificar um dano, mas sim libertar-se de um vínculo destrutivo com o passado", disse.
Isso promove integração emocional, afirmou. "Então, falar disso num período agora de Páscoa onde, atravessados por uma crença cristã que mobiliza as pessoas em torno dessa festividade da Páscoa, é pensar dessa maneira: a necessidade de olhar com cuidado para as relações que são mantidas na modernidade - sejam as relações familiares num campo mais micro, sejam nas relações profissionais num campo mais macro. Mas que também ajudam as pessoas a se organizarem psiquicamente, porque, quando nós falamos de relações nas organizações, nós falamos de uma intensa relação, porque a gente está falando de 30, 40, às vezes 44 horas semanais de convivência, enquanto que com as famílias as relações ficam reduzidas a um cumprimento no café da manhã e a um outro cumprimento à noite, quando a gente chega em casa, retornando do trabalho".
Ele acrescentou: "Então, a questão do perdão nessa relação do cotidiano humano, do indivíduo, é fundamental para que a gente possa, de fato, perceber a importância de uma maior integração emocional e, portanto, de uma maior promoção da saúde mental humana. E falar de saúde mental na modernidade é falar de um bem extremamente precioso, porque falar de um homem saudável é falar de uma saúde em sua integralidade, de uma saúde que pense numa valorização física, psíquica e relacional".