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Paraenses têm o hábito de trocar cama pela rede

O hábito, tão característico da região Norte e Nordeste, tem origem na cultura indígena, como explicam historiadores.

Gabriel Pires

Seja para tirar um cochilo durante o dia ou para pegar no sono, a rede faz parte da vida de muitos paraenses. Acessível, confortável e prática, é comum vê-las atravessando as sacadas dos prédios na capital ou até mesmo dos pátios de lares paraenses. A cultura é tão forte na região que muitos paraenses costumam substituir a cama e optam por dormir em rede durante à noite. O hábito, tão característico da região Norte e Nordeste, tem origem na cultura indígena, como explicam historiadores.

Há mais de 30 anos, dormir em rede é uma prática sagrada e diária de Sara Maués, fisioterapeuta, 31 anos. Natural do Igarapé-Miri, ela conta que esse é um costume que vem da infância. Para Sara a opção é muito mais confortável e ainda traz memórias da origem dela. Ela revela, ainda, que até sente o sono chegar mais rápido.

“Sempre fui acostumada à rede, então sempre foi um hábito meu. Eu nasci no interior do estado, na beira do rio, em uma comunidade ribeirinha. Lá todos dormem em rede. Cama é quase um artigo de enfeite nas casas do interior. Só as visitas da capital que iam para a minha casa do interior dormiam em camas. Nós, os moradores, dormíamos todos em redes”, lembrou Sara.

“É um hábito familiar, todo mundo dorme em rede na minha casa do interior. Sempre fui ensinada a atar minha redinha, destrancar o punho, fazer uma ‘boca de lobo’. E a boca de lobo é um nível mais elevado do paraense”, afirmou.

Sara lembra, ainda, que, ao mudar de Igarapé-Miri para Belém, esse hábito não foi deixado de lado. Não é à toa que o apartamento em que mora na capital foi adaptado com armadores para que as redes sejam atadas sempre que der vontade. “A maioria dos cômodos da minha casa tem armador de rede. Ao todo, são 9 pares de armadores. Foi uma das primeiras obras que fiz no apartamento quando me mudei”, disse Sara.

Em alguns momentos, Sara conta que, apesar do forte apego, é necessário abrir mão do embalo da rede. Por trabalhar em um hospital, ela explica que, nos momentos de intervalo, ela precisa optar pela cama. E, ao viajar, ela destaca que sempre busca saber se no destino em que ela irá terá uma escápula disponível para atar a rede.

“No dia a dia tô tentando transicionar a dormir na cama, pois trabalho em regime de plantão e meu descanso é em cama. Nas viagens, os hotéis têm cama. Mas a rede continua sendo minha primeira escolha. Quando viajo sinto falta de rede. Sempre que vou reservar algo aqui no Pará, pergunto se tem armador de rede. E sempre que possível, levo a rede”, contou.

Tradição

Nos mais diversos contextos sociais, a rede é elemento marcante na cultura amazônida. Essa é uma herança que remonta aos povos indígenas, como enfatiza a historiadora Mara Aguiar, de Belém, especialista em História da Amazônia. Mesmo sendo um costume tradicional, ela conta que, com o passar do tempo, o hábito se tornou parte da cultura de todos e incorporado no dia a dia — até mesmo em diversas regiões do Brasil.

“As redes eram feitas de palha (fibras da natureza), eram atadas com nó. Às vezes, a utilidade dela era inclusive para transportar enfermos, não apenas para descanso no território indígena”, recordou a historiadora.

"Todo paraense tem uma em casa e por incrível que pareça ela vira material de disputa nas casas. A gente vê as pessoas gostando do hábito de descansar em redes e elas estão sendo readaptadas por aí agora. A gente vê muitas pessoas se embalando em redes fora da Amazônia, apesar de ser um costume nosso, dos nossos indígenas”, comentou Mara.

Pesquisa mostra que dormir na rede traz menos dores à coluna

O hábito de dormir em rede é saudável e ainda pode evitar dores nas costas, conforme evidencia o ortopedista Jean Klay. A afirmação é baseada em um estudo da Universidade Estadual do Pará (Uepa), o qual constatou que a maioria das pessoas que dormiam em rede eram mais dispostas a não sentirem qualquer incômodo na coluna. A pesquisa foi realizada em 2017 com mais de 500 mulheres na faixa etária de 30 a 60 anos.

“A gente entende que é a rede se adequa às curvaturas do corpo, especialmente da coluna. E talvez isso faça com que você mantenha a musculatura mais relaxada. E essa musculatura mais relaxada diminui as tensões, e, diminuindo as tensões, geraria menos pontos de sobrecarga. E, por isso, menos dor”, ressaltou o médico.

“O que precisa ser fundamental nessa avaliação é que a pessoa precisa se sentir bem, independente de estar dormindo na rede ou na cama. Então, se ela se sentir confortável isso é um é um indicativo de que realmente o dispositivo que ela está usando para dormir, seja a cama ou seja a rede, seja um dispositivo adequado”, complementou sobre a melhor opção para dormir no dia a dia.

Dica

A rede pode ser benéfica à saúde, mas existem alguns cuidados que devem ser seguidos, de acordo com a fisioterapeuta Ana Catarina Dias, vinculada à Unidade de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (UEAFTO), da Universidade Estadual do Pará (Uepa). Ela aponta que o correto é deitar-se na diagonal, a fim de ficar em uma posição confortável, para, assim, evitar dores na coluna. E, de preferência, o corpo deve ficar inclinado em um ângulo de 30º.

“Quando as pessoas forem deitar na rede, a melhor posição é de lado, com um travesseiro na cabeça (não muito alto) e um travesseiro entre as pernas. A posição de barriga para cima não é recomendada, porque ela leva uma sobrecarga maior na região da lombo sacra. A gente deve deitar devagar, também, com calma, até pra ter certeza se está bem engatada, se ela não vai rasgar. Por isso aquela questão do cuidado com a qualidade do tecido, a questão se está armada direitinho e a distância da rede com relação ao solo”, instruiu Ana Paula.

Para muitos paraenses, deixar a rede de lado na hora de dormir não é uma opção. Diante disso, a fisioterapeuta avalia que não há problema algum para a saúde da coluna a longo prazo. “Se a pessoa já tem o hábito a longo prazo e até agora não trouxe nada de ruim, não tem nenhum problema. A gente tem que só levar em consideração se essa pessoa já é idosa, que a gente entra no grupo de risco, das pessoas que a gente tem que ter uma atenção maior com relação ao risco de quedas. E a mesma coisa com relação às crianças”, alertou.

Dicas para um descanso adequado na rede

  • O corpo deve ficar de lado (em um ângulo de 90º)
  • Ao deitar-se, o recomendado é colocar um travesseiro debaixo da cabeça
  • Não é recomendado deitar-se de barriga para cima
  • Deitar devagar, para evitar quedas
  • Checar se a corda está bem amarrada e colocada na escápula

*FONTE: Ana Paula Dias (fisioterapeuta)

(Gabriel Pires, estagiário, sob a supervisão do coordenador do Núcleo de Atualidades, João Thiago Dias)

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