“Meninas Agrárias”: projeto quer incentivar o interesse de mulheres ribeirinhas pela ciência
Combater o preconceito de gênero e promover transformação social também estão entre os objetivos da iniciativa da Ufra
Cruzar o rio para estudar é rotina para dezenas de crianças e adolescentes que moram nas ilhas no entorno de Belém. Um dos cenários mais próximos no qual ocorre esse trânsito é a Universidade Federal Rural do Pará (Ufra). Às margens do Rio Guamá e cercada por ilhas como Murutucu, Combu e Ilha Grande, seria muito difícil ficar indiferente aos estudantes que, diariamente, atravessam o campus para chegar às escolas, localizadas na área urbana.
É com esse olhar que foi elaborado o projeto de extensão “Meninas das Agrárias”, coordenado pela socióloga rural Ruth Almeida. O projeto tem como objetivo incentivar o interesse de meninas ribeirinhas pela ciência, sobretudo as do 8º e 9º ano do fundamental e do ensino médio, atraindo-as ao ambiente acadêmico, pelo qual passam diariamente a caminho para a escola.
Idealização: vulnerabilidade e desafios de mulheres ribeirinhas
Inquietada por essa realidade, Ruth conta como pensou no projeto: “Desde que comecei a trabalhar aqui, percebia o trânsito das meninas das ilhas pela instituição. Elas vêm de canoa ou barquinho, descem no porto da Ufra e atravessam o campus para chegar às escolas. Então, como somos uma universidade em espaço urbano, mas com atividades de ruralidade, o projeto nasceu para nos aproximarmos dessas meninas”.
Ruth relata que já é comum ver, diariamente, crianças e adolescentes andando pelo campus, uma vez que o espaço abriga também uma escola estadual de ensino fundamental. Mas a preocupação específica pelas meninas se deu pela necessidade de superar o senso comum de que Ciências Agrárias é uma área masculina e também por entender que as meninas são socialmente mais vulneráveis.
Desta forma, foi dado início ao projeto, por meio de um edital de seleção, que abriu 30 vagas para que as estudantes ribeirinhas pudessem se candidatar. “Nós gostaríamos de abraçar a todos. Foram mais ou menos uns 60 inscritos, inclusive alguns meninos, mas tivemos que limitar para poder ter aproveitamento, dentro das nossas capacidades. Alguns meninos acabaram entrando na seleção, mas 90% das participantes continuam sendo meninas”, explica Ruth.
Ciência aplicada à realidade de comunidades ribeirinhas
Ao longo do projeto, estão previstas diversas atividades envolvendo cursos, palestras e visitações que já começaram a ser pautadas de acordo com as principais necessidades observadas pelas alunas. Os conteúdos se baseiam em redações, escritas pelas estudantes sobre suas próprias realidades, conforme explica a coordenadora: “Pedimos que elas falassem dos problemas da realidade delas e que sugerissem uma proposta de solução. Essas problemáticas estão sendo mapeadas e transformadas em conteúdos, para a gente tentar fazer intervenções de alguma forma”.
Entre as principais dificuldades levantadas pelas meninas estão problemas de infraestrutura, como falta de água e saneamento, além de insegurança alimentar e violência, como assaltos e ações de pirataria nos rios. “Entre esses temas, alguns estão ligados diretamente a cursos da Ufra, como engenharia ambiental, agronomia e engenharia de pesca. Então vai ser uma troca entre essas estudantes ribeirinhas e as nossas estudantes, aqui da Universidade”, comenta Ruth.
Mulheres nas ciências: um olhar para o futuro dos povos tradicionais da Amazônia
Questões de gênero também farão parte das atividades. Para a aluna de mestrado da Ufra e monitora do “Meninas das Agrárias”, Ana Jesus, o tema foi fundamental no seu percurso acadêmico e acredita que fará toda a diferença no amadurecimento das participantes do projeto: “Posso afirmar a necessidade de maior incentivo e reconhecimento da capacidade feminina no âmbito das Ciências Agrárias. O sexo feminino tem capacidade e sabedoria para ocupar esses espaços que ainda precisam ser explorados e valorizados”.
Ana acredita que o projeto também pode dar maiores perspectivas de futuro para essas estudantes, apresentando, na prática, caminhos que elas podem seguir. “Acredito que pode servir de incentivo para essas meninas, que vão conhecer o que o campus tem a oferecer a elas, mostrando que elas podem dar passos bem maiores, em direção ao curso superior, e fazer a diferença na sua família e comunidade”.
A coordenadora do projeto aposta, ainda, na intervenção que ele pode promover, na prática, como um vetor para ações e políticas públicas. “A gente tem a expectativa de que os resultados do projeto e das pesquisas possam dialogar com a prefeitura e outras instâncias políticas e que venham a promover, de fato, a transformação social que é necessária nesses pontos”, diz Ruth.