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Mais de 600 comunidades quilombolas paraenses sonham com vacinação contra covid-19

38,69% do público-alvo recebeu a primeira dose e clima já é de esperança

Cleide Magalhães

O Pará possui 516 localidades quilombolas, que são grupos com identidade cultural própria e se formaram por meio de um processo histórico que começou nos tempos da escravidão no Brasil. Assim, ele ocupa o quarto lugar dentre os estados brasileiros. Fica atrás somente da Bahia, com 1.046 localidades; de Minas Gerais, 1.021, e do estado do Maranhão, com 866.  Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020.

Ainda no Pará, a Malungo, que é a Coordenação Estadual Quilombola do Pará, trabalha com mais de 500 comunidades quilombolas, embora a estimativa seja a existência cerca de 600 e muitas delas ainda não reconhecidas, identificadas com autorreconhecimento. As 500 comunidades contam com cerca de 250 mil pessoas distribuídas em 50 mil famílias. Estas, em sua maioria, são formadas por crianças e jovens.

Nesta pandemia da covid-19, diversos problemas foram agravados nas comunidades paraenses e com os quais elas lidam diariamente. Alguns deles são a inexistência de serviços básicos de acesso à água (tratada) e saneamento, insegurança alimentar, falta de assistência médica nos territórios, agravada pela precária e dificultosas logísticas de acessos aos territórios, agravados pelo distanciamento do sistema de saúde pública, ora ofertada. As adversidades são apontadas no “Levantamento Populacional Quilombola Autônomo”, estudo publicado ainda em 2021 e elaborado pela Malungu, em parceria com uma rede de centenas de organizações quilombolas e institucionais do Pará.

A situação é minimizada pela Campanha de Vacinação contra a Covid-19, já que os quilombolas são considerados grupos prioritários, conforme consta no Plano Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde, e no Plano Estadual de Imunização. No Pará, de acordo com o Vacinômetro do Governo do Estado, na tarde desta sexta-feira (3), na primeira fase, o público-alvo quilombola é de 129.770 pessoas. Do total, 50.209 (38,69%) já receberam a primeira dose e 4.403 (3,39%) obtiveram a segunda dose.

Segundo Aurélio Borges, coordenador administrativo da Malungo, o fato de as comunidades quilombolas, que hoje estão como público-alvo na campanha de Vacinação, se deve às lutas jurídicas das entidades junto à Suprema Corte Brasileira.

"A Malungo e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conac) entramos com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no Supremo Tribunal Federal (STF), o qual decidiu que a população quilombola tinha que ser vacinada como grupo prioritário. Então, foi a luta do movimento para que os quilombolas fossem tratados como grupo de prioridade à vacinação", destaca. A ADPF é uma ação de controle concentrado de constitucionalidade trazida pela Constituição Federal de 1988. A ação tem como finalidade o combate a atos desrespeitosos aos chamados preceitos fundamentais da Constituição.

Em Santa Izabel do Pará, quilombo Macapazinho começa a recobrar esperança com a imunização

A chegada da imunização nas comunidades quilombolas paraenses começa a afastar o medo que as pessoas sentem da infecção ou reinfecção pelo vírus e da morte pela doença covid-19. A iniciativa leva, aos poucos, a esperança de que dias melhores possam ser vividos. No dia 27 de janeiro de 2021, a Comunidade Quilombola de Abacatal, em Ananindeua, na Região Metropolitana, foi a primeira a receber a vacinação, com 235 doses aplicadas.

Nesta sexta-feira (4), estava prevista a imunização na Comunidade Quilombola de Macapazinho, em Santa Isabel, também na Grande Belém, onde a expectativa é grande. "Teve demora à imunização, como em todo o Pará, mas creio que agora está disponível na rede de saúde, perto da nossa comunidade. A maioria da comunidade já tomou e estão todos alegres, só vejo postagens nas redes sociais de que estão felizes. Com a imunização, a comunidade fica mais segura. Já se fala que um dia a gente poderá andar sem máscara na comunidade. Mas temos que manter os cuidados e a prevenção orientada pela Secretaria de Saúde", pondera Edinalva dos Santos, 33 anos, que nasceu lá. Ela foi presidente da comunidade por quatro anos e hoje ainda atua na linha de frente de diversas ações.

Maurílio Câncio dos Santos já foi infectado duas vezes pelo novo coronavírus (Síndrome Respiratória Aguda Grave - Sars-Cov-2) e diz estar mais seguro agora, já que recebeu a primeira dose da vacina. "Quando tive essa doença fiquei muito ruim, com tosse e vômito. Fui parar no hospital e tomei soro. Ainda fiquei uns quatro dias sem conseguir comer e beber. Já este ano tornei a pegar, mas foi fraco, antes da vacinação. Bem, não sei como estou por dentro, mas me sinto mais seguro", brinca Santos, que fará a segunda dose do imunizante dia 7 de julho.

A agricultora Samara Bianca Costa, 32 anos, que também é da Comunidade Quilombola de Macapazinho, está ansiosa e na expectativa de ser atendida nesta sexta." É muito importante se imunizar, porque todo mundo tomando vai nos prevenir melhor e estou muito feliz por isso. Ainda não fui vacinada, mas estou ansiosa, não só por mim, mas também pelos meus filhos e marido. Espero a chegada da vacina para ver se normalizo mais a vida. A vacina vai chegar nesta sexta e desejo que todos da nossa comunidade tomem", afirma a agricultora, que agradece ainda porque ninguém na família foi infectado pela covid-19, pelo menos não apresentaram sintomas.

Em Santa Izabel há cinco comunidades quilombolas. Delas, Jacarequara e Espírito Santo já receberam a Campanha de Vacinação. Lá, a população já vacinada são os outros grupos, também prioritários, como idosos, pessoas com comorbidades e até 40 anos. "Agora aguardamos a imunização do público de 18 anos para cima. Até agora, não identificamos nenhuma morte nas comunidades de Santa Izabel, só infecções pela covid-19", afirma Aurélio Borges, que também vive em Macapazinho. 

Belém