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Idosos na universidade reforçam o direito do acesso à educação

Em tramitação no Senado Federal, proposta pretende criar cota para idosos em universidades federais

Gabriel Pires

O Ministério da Educação (MEC) participou de audiência pública da Comissão de Educação (CE) do Senado Federal para debater a alteração no Projeto de Lei (PL) n° 4.662/2019, que prevê a criação de cotas para a entrada de idosos - a partir de 70 anos - em cursos de graduação em universidades e institutos federais, sem a necessidade de processo ou concurso seletivo. Esse encontro foi realizado no dia 19 de abril e abre o debate de que esse direito amplia essa oportunidade às pessoas idosas.

A educação, sobretudo às pessoas idosas, é uma garantia constitucional e também é um direito amparado pelo Estatuto do Idoso, como explica o advogado Marcos Santana. Segundo ele, esses dispositivos legais são essenciais para reduzir as desigualdades e promover o bem-estar de todos. “Dentro da Constituição, no artigo 6º, se fala que nós temos os direitos sociais. E, dentre esses direitos que o estado deve garantir, está o direito à educação no seu sentido mais amplo. Seja para pessoas infantojuvenis ou idosas”, afirma.

“A Constituição é essa regulamentação mais abrangente, mas nós temos o Estatuto do Idoso. Por lá, a gente tira todos os direitos um pouco mais específicos dentro do ordenamento jurídico brasileiro, que é a Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Ele [Estatuto do Idoso] vem, de novo, reforçar no artigo 20 também esse direito à educação. E o direito da educação não pode ser garantido de qualquer forma. Não é tão somente indicar a cota, colocar esses idosos dentro da faculdade”, afirma.

A legislação também ampara esses idosos contra discriminação no ambiente educacional, conforme frisa o advogado. “No momento em que há essa discriminação, fere-se a legislação no sentido do Estatuto do Idoso, onde nós temos o artigo 96, no parágrafo 1º. No caput do artigo que detalha, quando se impede ou dificulta o acesso às operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar e a qualquer outro instrumento necessário para o exercício da cidadania por motivo de idade”, aponta o advogado.

“No parágrafo primeiro, ele estende esse caput falando que, na mesma pena, de reclusão de 6 meses a 1 ano e multa, incorre aquela pessoa que desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar a pessoa idosa por qualquer motivo", acrescenta Marcos. O advogado lembra, ainda, a importância do projeto de lei que prevê a criação das cotas para idosos e a fiscalização dessa legislação: “São importantes esses recursos legais, bem como demais medidas. É necessário que tenhamos uma efetiva inclusão da pessoa idosa na sociedade”.

De acordo com Marcos, esse processo de formação deve ser pautado por uma educação diferenciada, por conta do “choque de gerações”. “Isso para que sejam as aspirações deles [dos idosos]. Até porque uma pessoa que está numa graduação com 17 ou 18 anos vai ser diferente das pessoas que estão com mais de 60, 65 e 70 anos. Tem que ter todo um aparato da própria universidade para garantir esse estudo para que não haja evasão. Não adianta só entrar. Tem que entrar, ficar e sair formado”, relata.

Sonho

Mostrando que nunca é tarde para estudar, quem conquistou a tão sonhada vaga no ensino superior foi o graduando de Matemática Cláudio Sérgio de Azevedo, 67 anos. Em 2021, aos 64 anos, ele foi aprovado no vestibular pela Universidade Federal do Pará (UFPA). E foi com o apoio dos filhos e de toda a família que ele decidiu retomar os estudos e se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mesmo em meio à pandemia de covid-19, que era enfrentada na época, Cláudio não desistiu do sonho.

“É um sonho que eu sempre tive. E eu comecei a me preparar e buscar reminiscências do passado. Eu sempre tive o pensamento que o conhecimento abre portas. E muitas. Principalmente o conhecimento científico, que estamos precisando muito nesses tempos de hoje. A universidade aqui é um campo multicultural, muito pluralizado. Navegar nesse ambiente é muito bom, ajuda a gente ter um crescimento muito grande de conhecimento”, conta Cláudio, ao lembrar que se divide entre a rotina de estudos e as tarefas do dia a dia.

Cláudio revela que, mesmo com a idade mais avançada, isso nunca foi motivo para discriminação. Pelo contrário, ele relata que muitas oportunidades foram ao encontro dele e que sempre foi muito bem acolhido: “A universidade oferece um mundo de oportunidades aos alunos, não importando a idade. Quando eu entrei, pensei que seria discriminado pelo mercado de trabalho, mas eu vi que existe oportunidade. Nunca me senti restringido aqui”, descreve Cláudio, que pretende seguir na docência.

Quanto à proposta da lei de cotas para pessoas acima de 70 anos, Cláudio detalha: “Eu acho isso de uma importância até tremenda. Eu por exemplo eu entrei também através de cota, de cor e pela escola pública. Seria interessante ter essa cota pela idade, porque a gente já não ocuparia uma cota de cor e de educação. E eu acredito que isso sirva de incentivo para outros idosos procurarem a universidade e até mesmo tenham oportunidades no mercado de trabalho”.

Inclusão

Atualmente, a UFPA não conta com programas ou vestibulares especiais para idosos. No entanto, o professor da instituição, Luciano Gomes, coordenador da Programa de Extensão Universidade da Pessoa Idosa (Uniterci), vinculado à Faculdade de Serviço Social da UFPA, explica que a iniciativa conta com o projeto “Educação Permanente”, voltado aos idosos e que tem o intuito de ampliar a interação entre pessoas de diferentes gerações por meio da inserção dos alunos em diferentes disciplinas de áreas da graduação.

“A gente coloca idosos na sala de aula, mas qual é o objetivo? É que, também, no processo de ensino-aprendizado, ele tenha um contato intergeracional, que ele consiga perceber qual é a relação de sala de aula, que eles participem e tragam a sua experiência também. Eu acredito que aquilo que a proposta de cota, que é criar, que é a inserção do idoso na universidade, de forma oficial, que ele tenha uma. Uma vaga na universidade, nós temos, sim, mas em disciplinas”, enfatiza.

O professor considera que a projeção da lei de cotas para idosos pode estimular a universidade a criar mecanismos com atenção voltadas a esse público. “A universidade, ou seja, a política de ensino é um direito de todo cidadão. O que é o contrário, nós temos uma política de educação que seleciona via vestibular. Se existe uma política que seleciona, significa que nem todos os brasileiros têm acesso à educação. Então, qualquer política que facilite e que potencialize a garantia desse direito é sempre bem-vinda”, avalia o professor.

A Universidade do Estado do Pará (Uepa) informou, por meio de nota, que o ingresso aos cursos de nível superior da instituição ocorre por meio de Processo Seletivo (Prosel) que utiliza a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), independente da idade dos candidatos. “A Uepa também oferta oportunidades de bolsas de assistência estudantil e de iniciação científica, como forma de incentivo à permanência na graduação, cujas seleções são estabelecidas por critérios específicos de cada edital”, detalha a Uepa.

Belém