Historiadores e geógrafos reagem a piso de concreto na João Alfredo
Iphan esteve no local para averiguar e Prefeitura de Belém diz que as obras foram acompanhadas e tiveram aprovação do instituto
A rua Conselheiro João Alfredo, no centro comercial e histórico de Belém, está recebendo uma pavimentação em concreto. As antigas pedras características e os trilhos do bondinho, abandonados nos últimos 16 anos — recentemente, o prédio do bonde foi até quase totalmente fechado com concreto — , foram cobertos com cimento. Nas redes sociais digitais, historiadores e geógrafos ficaram revoltados. No local, sem conhecer o valor histórico, muitas pessoas simplesmente acharam bom.
Procurado na manhã desta segunda-feira (21), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou que estava com uma equipe em campo para análise da situação. Um posicionamento seria emitido após o levantamento in loco.
Na noite desta segunda, a nota foi divulgada confirmando a aprovação do projeto por parte do Iphan. "No primeiro semestre de 2020, a Prefeitura Municipal de Belém apresentou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) o projeto de reforma da avenida Conselheiro João Alfredo. A obra de requalificação da via prevê ajustes de drenagem pluvial, pavimentação e sinalização viária, iluminação e mobiliário urbano".
Ainda segunda a nota, durante a fase de análise do projeto, a Prefeitura informou que os paralelepípedos da avenida estavam desgastados e que, por conta disso, não poderiam mais ser reaproveitados.
"Conforme informado pela Prefeitura, o município de Belém não dispunha de recursos para a confecção dessas peças e, devido a isso e a problemas de segurança e de drenagem no local, foi colocada uma camada de aterro de aproximadamente 30 centímetros e uma lona preta sobre os paralelepípedos. Assim, os blocos ficariam isolados, podendo receber placas de concreto, o que torna a intervenção segura e reversível, tanto do ponto de vista arqueológico quanto estrutural, mantendo protegidas todas e quaisquer peças abaixo do aterro. Ressaltamos que os trilhos existentes, sejam os históricos ou os extemporâneos, seguem protegidos e não foram retirados".
A nota do Iphan conluiu dizendo que é "ìmportante destacar que o projeto foi aprovado pelo Iphan e pela Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel), instituições responsáveis pela proteção do Centro Histórico da capital paraense. Em fase de conclusão, a obra ainda prevê a instalação de canaletas nas extremidades da via. O Iphan vem fiscalizando semanalmente as intervenções e é favorável à manutenção das peças de paralelepípedos no local".
Prefeitura de Belém
Em nota, a Prefeitura de Belém informou que " a obra de requalificação da avenida João Alfredo iniciou em junho de 2020 e prevê a drenagem pluvial, pavimentação e sinalização viária. O projeto de engenharia da avenida João Alfredo cumpre as exigências do Iphan sob o acompanhamento da Superintendência do órgão no Pará".
Ainda na nota, a Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) explicou que "...a primeira etapa da obra da João Alfredo está em fase de conclusão e que até o final deste mês executará o serviço de lançamento da drenagem do quarteirão, compreendido entre a avenida Portugal e travessa Sete de Setembro. (...) Os trilhos do antigo bondinho que circulava na área, estão mantidos e se encontram cerca de 1 metro abaixo do piso existente. O trecho do trilho que foi coberto se trata da estrutura do bondinho proposto de circular na gestão municipal de 2004, mas que acabou não ocorrendo".
Uma empresa de arqueologia, contratada pela prefeitura e sob o conhecimento do Iphan, mantém o resguardo de cerca de 2 mil fragmentos e objetos encontrados durante as escavações, dentre eles restos de cerâmicas, ossos, azulejos e porcelanas, conclui a prefeitura.
População reage nas redes e nas ruas
O historiador Michel Pinho foi um dos que se manifestou contra a obra. "É inacreditável que, a 11 dias de acabar a gestão, fazem isso aqui. Paralelepípedos e trilhos dos bondes, que compunham a imagem e a história da João Alfredo, foram soterrados. A reforma que fizeram não levou em consideração a memória e a história da mais antiga rua do comércio da cidade. Essa obra só tem uma quadra de duração. Depois, a rua que se alargou se estreita e volta a todo o problema de saneamento que antes era estabelecido. Devemos nos movimentar para buscar cada vez mais soluções e esse caso não se repita", comentou em vídeo.
"É absurdo que numa gestão municipal, o prefeito se negue a reconhecer o patrimônio histórico da cidade. Temos a João Alfredo, principal rua do centro comercial de Belém, com toda uma história do início do século XX, que, inconsequentemente, por um projeto impensado e que desrespeita a história de Belém, acaba fazendo com que parte da história seja soterrada em concreto. No século XVII, era a rua dos Mercadores. No século XVIII, era a rua da Cadeia. Na virada do XIX para o XX, se tornou homenagem ao então governador da província do Pará", criticou o geógrafo Aiala Colares.
Michel — se identificou apenas assim — é vendedor há 12 anos no centro comercial de Belém. Trabalha na João Alfredo. Para ele, a rua precisava de obras e o novo formato pode ajudar, apesar de apagar o que seria o brilho do que já foi a Belém do passado. "É uma mudança. Quando chove, alaga tudo. Então colocaram novo esgoto e isso pode prevenir e ajudar todo mundo. As pedras soltavam e eram escorregadias. As pessoas caíam e atrapalhavam. Só que assim: a gente perde o patrimônio histórico, né? Mas o tempo passou", opinou.
Luiz Campos Dias, é outro comerciante e tem uma bicicleta onde carrega as mercadorias. Ele é mais uma pessoa que simplesmente acha melhor assim: sem o jeitão clássico e histórico da João Alfredo. "Até ficou bom, porque aquelas pedras soltam todas e nem podia ficar com a bike parada em pé. As pessoas caíam, principalmente idosos. Era ruim. Melhor desse jeito", disse.