Expressão da fé em provação pela graça
Promesseiro encara a dor física em agradecimento à Virgem de Nazaré
É tempo de fé. O período do Círio de Nossa Senhora de Nazaré renova, em cada paraense, o sentimento que invade almas e corações, e faz com que uma multidão caminhe nos passos de Maria. Hoje, segundo domingo de outubro, muitos afirmam que Ela os carrega nos braços. Promesseiros vão além e trilham seus caminhos de joelho, com uma cruz sobre os ombros e nos entrelaços da corda.
Os sacrifícios da data têm uma Maria como centro: Maria de Nazaré, a “Padroeira dos Paraenses” e “Rainha da Amazônia”. É ela, segundo a professora de artes Isadora Lourenço, promesseira há quatro anos, que põe seus filhos no colo e os faz alcançar suas graças.
“Eu vou de joelhos da Catedral (Metropolitana de Belém) até a Basílica (Santuário de Nazaré) e dificilmente eu vou conseguir descrever em palavras o sentimento após a realização da promessa. Tenho a sensação de compreender um pouco o que é esse ‘mistério da fé’ todas as vezes que estou de joelhos a caminho da Basílica”, declara ela, afirmando que é uma experiência “de me colocar nos braços de Maria e ser guiada por ela o percurso inteiro”.
“Mais lindo ainda é ver esse colo mariano assumindo a forma de braços desconhecidos, que muito me ajudam durante o percurso todo. Eu vivencio a experiência da gratidão, da caridade e do amor durante todo o trajeto e tenho a sensação de, ao final, conhecer mais um ‘pouquinho’ sobre essas coisas” descreve a promesseira, fazendo referência ao apoio que recebe durante o trajeto, tanto de amigos quanto de desconhecidos.
Apesar de ser batizada e criada numa família cristã, sua história concreta no catolicismo começou há cinco anos, quando participou de um retiro espiritual. De acordo com a professora, o momento a fez mudar a forma de enxergar e compreender Deus. “Eu já senti desespero em muitos momentos dessa minha vida. Eu quase fui Judas em muitos instantes, virei as costas para Deus por misérias, depois percebia o que tinha feito e voltava atrás. Aprendi durante esse anos que ‘não existe nada que não passe por Ela’, então eu deposito minha fé nesse percurso e peço que essa mortificação me leve para mais perto Dela”, garante.
Para Isadora, o Círio deste ano ganha um novo significado. Seu sacrifício, em 2018, se volta à sua prima de que, no começo do ano, descobriu um câncer na tireoide. “Esse ano uma das minhas irmãs caçulas (minha prima, na verdade, mas fomos criadas como irmãs) foi diagnosticada com câncer e eu consagrei a vida dela à Nossa Senhora de Nazaré e pedi por um milagre. As noites em que dormi com ela no hospital sempre chorava muito porque não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo e com ela. Na capela do Ophir Loyola (hospital de referência no tratamento de câncer), pedia sempre pela cura dela e dizia que, se tudo desse certo, eu iria de joelhos por mais um ano. O resultado da operação ainda não saiu, mas eu tenho certeza absoluta que o câncer foi curado”, contou Isadora à reportagem há um mês.
“...E eu te ajudarei”
Para o padre Dalvan Alves Ribeiro, 40 anos, o contexto das promessas no âmbito católico “tem o intuito de comover o coração de Deus”. Segundo o religioso, Deus pode atender aos pedidos sem o sacrifício humano, “mas as promessas, o sacrifício, são sinais de uma correspondência a essa generosidade”.
“Tem uma palavra de São Tomás de Aquino que diz que a graça supõe a natureza, ou seja, Deus age, mas espera também que o homem se torne um protagonista, que não seja meramente um elemento passivo. Outro ditado diz “faz por ti que eu te ajudarei”. Então, Deus leva em consideração o esforço humano. O homem se esforça e a ação maior é de Deus”, considera.
Padre Dalvan ainda explica que o cristão nunca pode fazer um sacrifício com a intenção de barganha. Para ele, o sacrifício deve ser uma maneira de comover o coração de Deus, uma forma de resposta do homem para com Deus e de reparação. “O ser humano é cheio de imperfeições, então o sacrifício ajuda o homem a reparar essa natureza rebelde que às vezes ele tem. Deixar tudo por conta de Deus seria uma maneira errada de pensar a fé, porque o homem também é muito responsável pela sua salvação” esclarece o religioso, ao finalizar afirmando que “o sacrifício ajuda o homem a crescer espiritualmente”.