Entidade luta para restituir a autoestima de meninas e mulheres escalpeladas
Apesar de sanções, barcos continuam a circular sem a proteção devida no motor. Só este ano seis mulheres já foram vítimas do acidente
Seis pessoas foram vítimas de escalpelamento causado por acidentes com motores de embarcações descobertos em 2019. Cinco são crianças de 7 a 10 anos de idade e do sexo feminino, segundo a organização não governamental dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor (Orvam), que atende voluntariamente quem passou pelo problema e tem cadastradas e acolhidas152 mulheres de várias partes do Estado.
Regina, de 22 anos, morava na capital, mas sua família é de Anajás, na Ilha de Marajó. Ela iria visitar pais e irmãos em sua cidade natal, quando o acidente aconteceu, em 1994, na Baía do Guajará, Região Metropolitana de Belém. A pequena embarcação que transportava Regina não possuía proteção no eixo e, em um segundo de desatenção, seus longos cabelos se enroscaram no motor.
Hoje, 25 anos depois, Regina atua como voluntária na Orvam e confecciona perucas para ajudar a devolver a autoestima às vítimas de escalpelamento. “Ela é uma mulher que superou o acidente e hoje vive completamente bem com sua família”, relata a presidente da ONG, Darcilea Maria Gomes de Lima.
Na maioria das vezes, todo o couro cabeludo é arrancado e, em casos mais graves, as orelhas e sobrancelhas também, causando graves hematomas e cicatrizes, além do risco de morte. Além do atendimento médico imediato, da internação e cirurgias de reconstrução facial às quais a maioria é submetida, também é necessário um acompanhamento pós-cirúrgico que inclui atendimento psicológico voltado para a autoestima das vítimas.
Elas ganham, por exemplo, perucas e micropigmentação das sobrancelhas - parte do tratamento que não é oferecida pelo sistema de saúde público. Aí entra o trabalho da Orvam. “Nós temos uma equipe de assistentes sociais e confeccionamos perucas com cabelos doados”, explicou Darcilea. Para resgatar a autoestima, ante o choque de olhar no espelho um rosto desfigurado, é importante mostrar a elas que não são diferentes das outras mulheres e trabalhar seu lado emocional. “Nós mostramos que estamos ali pra ajudar, que a peruca é como se fosse o cabelo delas, e isso traz elas de volta pra sociedade”, acrescentou.
Darcilea estima que cerca de 90% das vítimas de escalpelamento no Pará sejam crianças ou adolescentes do sexo feminino e de famílias de baixa renda. Poucas moram na capital: a maioria é de Cametá ou de municípios como Anajás e Muaná, ambos no Marajó, e Xinguara, no sul do Pará. O índice de crianças vitimadas fez com que a Orvam pensasse no projeto Perucas de Princesas, idealizado em 2019, pelo qual recebem perucas baseadas nos cabelos das princesas de desenhos infantis.
“A maior parte das doações de cabelo vem de mulheres, e a maioria tem química. Fica um pouco pesado para elas usarem essas perucas”, explicou Darcilea. “Por isso, estamos pedindo doação de linha de crochê pra confeccioná-las”. A ONG sobrevive do trabalho dos voluntários e dos estagiários do curso de Serviço Social de duas faculdades da capital.