Um ano após o desabamento de 13 sacadas do Edifício Cristo Rei, no bairro da Cremação, em Belém, os moradores retornaram para seus apartamentos. Mas, procurados, eles preferiram não falar sobre o assunto. A reportagem também tentou falar com o síndico do prédio, mas não houve retorno. O acidente ocorreu em 13 de maio de 2023. À época, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Pará (Crea-PA) foi acionado para atuar nesse caso. “Geralmente o CREA é acionado quando já aconteceu o desastre, mas a gente está trabalhando para que a gente possa evitar esses riscos, evitar esses desastres”, disse a presidente do Conselho, engenheira civil Adriana Falconeri.
Em março deste ano, o governador Helder Barbalho sancionou a Lei n° 10.424, que determina a realização periódica de autovistoria em edifícios no estado do Pará. A nova legislação estabelece que a autovistoria deve ser realizada pelos condomínios ou proprietários de prédios residenciais e comerciais, e também pelo poder público em prédios públicos. As inspeções abrangem estruturas, fachadas, empenas, marquises, telhados, obras de contenção de encostas e todas as instalações, resultando na criação do Laudo Técnico de Vistoria Predial (LTVP).
A engenheira civil Adriana Falconeri, disse que a legislação de inspeção predial garantirá a segurança da sociedade, evitando que se repitam incidentes como o colapso, das 13 sacadas do edifício Cristo Rei.
Ela explicou que as pessoas até confundem o CREA com a Defesa Civil. “Então, quando cai algo, a gente vai para verificar se o que antecedeu (o acidente) foi uma obra, uma reforma, se estavam trabalhando lá naquele local. Foi isso que a gente foi verificar lá no Cristo Rei. E a gente identificou na época que estava sendo feita uma reforma. Tinha ocorrido uma reforma no último pavimento. Então a gente identificou quem eram os responsáveis técnicos”, disse. “A nossa fiscalização é do exercício profissional”, afirmou.
“Quando a gente foi nesse local, a gente puxou todo o relato de quem foi profissional na época que construiu, quem que projetou, quais foram todas as reformas que aconteceram, quais foram as ARTs (anotações de responsabilidade ténicas) emitidas pelos profissionais. Então, foi essa a identificação que nós, em loco, nós evidenciamos", explicou Adriana Falconeri.
E acrescentou: "O Crea não fez laudo. Quem fez foi a Defesa Civil, Bombeiros e a Polícia Científica. Como eu falei, a nossa fiscalização é do exercício profissional. A gente vai avaliar quem foi o profissional que fez, se existia um profissional ou se foi um leigo. A equipe vai ao prédio para verificar o processo de reforma e obra. “Então, se já estiver, a gente vai lá e cobra quem é o profissional que está habilitado trabalhando”.
Em relação a acidentes em prédio, a presidente afirmou que o “o risco é de você não ter um profissional habilitado, esse é o risco que o Crea verifica".
Sobre as principais lições deixadas pelo acidente, diz a presidente: “A principal é você contratar um leigo, que não é engenheiro, não é um profissional habilitado para trabalhar na engenharia. Às vezes você pensa que, não contratando um engenheiro, está pagando menos", afirmou.
"Mas, ao contratar um profissional, você está investindo na sua segurança. Muitas vezes você contrata um leigo, contrata outro leigo, mas quem vai resolver é o engenheiro. Aí você gastou duas vezes antes de pagar logo o engenheiro. Ao invés de ter 3, 5 orçamentos que o leigo vai te dar, deu R$ 5 mil, depois deu 10, 15 e vai aumentando esses valores até dar o que o engenheiro já te deu de prontidão, porque ele estudou para fazer esse orçamento e te dar a segurança de que você gastar aquilo e sem imprevistos. O imprevisto já está calculado porque o engenheiro estudou pra isso. Contrate um profissional habilitado. Se você não contrata um profissional responsável técnico pelo serviço, o responsável é você. Sempre, sempre, sempre procurar um profissional habilitado. Não dá para, em questões de engenharia, você trabalhar com amadores", completou.
No dia 20 de julho de 2023, a Polícia Científica do Pará divulgou laudo sobre o acidente, elaborado pelo Núcleo de Engenharia Aplicada (NEA), da Polícia Científica do Pará (Pcepa). O documento foi entregue à Polícia Civil (PC).
A análise técnica realizada pelos peritos revelou uma combinação de falhas, originadas inicialmente por falhas na construção das sacadas. “Nossa análise apontou como causas para o desabamento das 13 sacadas do Edifício Cristo Rei, as falhas de execução de obra, os chamados “vícios construtivos”, que somadas às falhas de manutenção preventiva foram determinantes para o desabamento das sacadas”, explicou, à época, o engenheiro e perito criminal José Alberto Sá.
José Alberto Sá disse que “as falhas de execução de obra, ou seja, os vícios construtivos criaram esforços de cargas excedentes para a estrutura das sacadas, que geraram fissuras e trincas para a laje de concreto armado de todas as sacadas do Edifício Cristo Rei, que permitiram, ao longo do tempo, o surgimento de corrosões nas armaduras de aço.”
Ele destacou que a falta de intervenções preventivas e reparos necessários provocaram um processo de corrosão crítico nas ferragens. "Essa situação acabou culminando na queda da sacada da cobertura, que estava mais exposta às intempéries, e de todas as demais sacadas abaixo dela, por um efeito dominó de cargas acidentais”, completou José Alberto Sá.
A perícia incluiu também uma análise das sacadas remanescentes dos outros apartamentos do edifício, ao que os peritos apontaram problemas análogos e que, por sua vez, os mesmos riscos de desabamento. “Essa análise está em consonância com a feita pelo Corpo de Bombeiros, que fizeram um trabalho integrado com a Polícia Científica do Pará, em que apontamos a necessidade de reforço estrutural ou até mesmo a demolição dessas sacadas que restaram”, afirmou o perito criminal José Alberto Sá.
O laudo técnico elaborado pelos peritos foi prontamente entregue às autoridades competentes, da Polícia Civil, que tem o documento como base para seguir com as investigações e determinar eventuais responsabilidades civis e criminais relacionadas ao ocorrido.
Procurada para comentar o assunto, a Prefeitura de Belém informou que a Secretaria Municipal de Urbanismo (Seurb) e a Comissão Municipal de Defesa Civil de Belém (Comdec) atuaram na época do sinistro fazendo um levantamento preliminar e sugerindo medidas para proteger a integridade das famílias que residiam no prédio e da vizinhança. Atualmente, a Prefeitura de Belém não tem mais atuação no caso, que se encontra sob investigação do Corpo de Bombeiros e Polícia Civil do Pará.
Sem entrar em detalhes, a Polícia Civil informou que o inquérito que investiga o caso foi concluído e remetido à Justiça. A reportagem também acionou o Corpo de Bombeiros, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.