Dom Azcona deixa legado de luta contra a exploração sexual e tráfico de pessoas no Marajó
Fundadora do Instituto Dom Azcona (IDA) fala da intrepidez o religioso frente aos desafios na região
Um dos marcos na trajetória de vida de Dom José Luís Azcona Hermoso, Bispo Emérito da Prelazia do Marajó, que faleceu nesta quarta-feira (20), em Belém, aos 84 anos, foi o seu trabalho de enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico de pessoas na sua região de atuação.
A Irmã Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante, de 64 anos, fundadora e presidente do Instituto Dom Azcona (IDA), de direitos humanos, esteve lado a lado com o prelado ao longo de mais de 20 anos, dividindo o mesmo propósito. Ainda na terça (19), às vésperas do falecimento do amigo, Marie Henriqueta esteve com ele, em seu leito no hospital, e conta que ambos reforçaram a missão que compartilhavam:
"Ontem, quando eu me despedi dele, eu ainda falei: tudo que nós fizemos juntos eu vou continuar fazendo e com muito mais responsabilidade, fique tranquilo", disse a religiosa.
Uma história de luta
A nomeação episcopal de Dom Azcona para bispo do Prelado do Marajó aconteceu em 25 de fevereiro de 1987, e sua ordenação episcopal em 5 de abril de 1987 em Belém. Desde 12 de abril daquele ano, Azcona permaneceu em Soure, na Ilha de Marajó. Conforme conhecia mais profundamente as realidades da região, se deparou com problemas sociais profundos, agravados pela situação de vulnerabilidade dos moradores, sobretudo mulheres, crianças e idosos.
Entre esses problemas, Marie Henriqueta destaca a exploração sexual de crianças e adolescentes que aconteciam, muitas vezes, a olhos vistos, pelos rios que cortam o arquipélago marajoara: "Muitas viagens, nas quais nós atravessávamos os rios, nos deparávamos com fluxo da exploração sexual", lembra a religiosa.
Ela diz que Dom Azcona sempre denunciou e se posicionou abertamente contra esses crimes, que incluía também uma rota de tráfico de mulheres para a Guiana Francesa - outro caso denunciado por Azcona. Desde 2006 o bispo já vinha acumulando uma série de denúncias que, muitas vezes, chegavam até ele sem esforço: "As pessoas começavam a nos procurar, porque elas diziam que confiavam em nós. Elas sabiam que a gente não ia se calar", detalha Marie Henriqueta.
Um dos grandes marcos na trajetória de enfrentamento a esses crimes, no Marajó, aconteceu em março de 2008, quando foi criada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia, que buscou reivindicar os resultados das investigações sobre as denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes feitas desde 2006 por Dom Luiz Azcona. "Ele insistentemente fez com que fosse instalada uma CPI para que fossem investigadas tantas denúncias", declara Marie Henriqueta.
O preço de ocupar o front também era cobrado, relembra a fundadora do IDA: "as ameaças foram explícitas. Chegavam recados. Eu lembro que, há alguns anos atrás, quando ele denunciou um esquema de tráfico de pessoas no Marajó, ele recebeu explicitamente ameaças, através de outras pessoas que o viam nas ruas. Mas ele nunca recuou, sempre enfrentou com muita força e coragem toda denúncia que chegava para nós resolvermos".
Movida pelo exemplo, irmã Marie Henriqueta fundou, em 2022, o IDA, visando homenagear Dom Azcona e ampliar o trabalho de defesa dos direitos humanos de populações vulneráveis na região amazônica. A instituição atua, também, oferecendo formação continuada para conselheiros tutelares e de direitos, que atuam na proteção de crianças e adolescentes.
"O Instituto leva seu nome para que nunca esqueçamos o que ele [Dom Azcona] representa para a igreja, para o estado. Nosso propósito é fazer com que tudo aquilo que ele plantou continue florescendo", finaliza Marie Henriqueta.
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