Dia Mundial da Saúde: hábito de autodiagnóstoco é criticado por profissionais da medicina
A prática de determinar diagnósticos por pesquisas na internet coloca a saúde em grande risco, afirmam especialistas
A prática de determinar diagnósticos por pesquisas na internet coloca a saúde em grande risco, afirmam especialistas
O Dia Mundial da Saúde, comemorado em 7 de abril, busca lembrar a sociedade sobre a importância de cuidar da saúde e conscientizar o público em relação às práticas de autocuidado. No entanto, um fenômeno crescente tem preocupado os especialistas: o autodiagnóstico. Por meio da internet, muitas pessoas buscam respostas para seus sintomas e passam a acreditar que possuem determinadas doenças. Em muitos casos, até começam a "se tratar" por conta própria, levando à automedicação. Embora a informação médica esteja mais acessível do que nunca, o autodiagnóstico é uma prática arriscada que pode trazer consequências graves para a saúde, conforme alertam especialistas.
O clínico geral Antônio Monteiro é enfático ao alertar sobre os riscos do autodiagnóstico, especialmente em quadros clínicos que podem ser semelhantes, mas que têm causas muito diferentes. Segundo ele, muitos pacientes recorrem à internet ao perceberem sintomas como cansaço, dor no peito ou falta de ar, no entanto, esses sintomas são comuns a várias doenças.
"A internet pode ser uma ferramenta útil, mas ela não substitui a avaliação clínica", afirma o médico. Ele exemplifica com casos que envolvem sintomas como falta de ar, que pode ser causada tanto por problemas cardíacos graves, como insuficiência cardíaca, quanto por condições respiratórias como asma ou Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). "Sem um olhar treinado, a pessoa pode tanto minimizar algo sério quanto se assustar à toa, levando a decisões erradas", completa.
Monteiro alerta também sobre o perigo da automedicação, um comportamento frequentemente observado em pacientes que praticam o autodiagnóstico. "Anti-inflamatórios podem piorar problemas renais, gástricos ou cardiovasculares, e antibióticos, tomados sem necessidade, podem criar resistência bacteriana", explica. O clínico geral compartilha um exemplo alarmante de um caso recente:
"Um paciente jovem acreditava estar sofrendo de uma crise de ansiedade por conta de palpitações e cansaço. Ele tomou calmantes naturais por conta própria e, quando me procurou, já estava com sinais de insuficiência cardíaca devido a uma miocardite infecciosa”. O atraso no diagnóstico e tratamento foi crucial para a evolução do quadro, que, felizmente, foi revertido, mas que poderia ter sido evitado com um atendimento mais rápido.
Ele reforça que, embora a internet possa ser útil para esclarecer dúvidas, o diagnóstico e o tratamento de doenças nunca devem ser feitos sem a supervisão de um profissional de saúde qualificado. "A melhor forma de usar a internet com segurança é buscar fontes confiáveis, como sites de sociedades médicas, e usar essas informações para conversar com seu médico — não para substituí-lo", conclui Monteiro.
De acordo com dados do Google, divulgados exclusivamente para esta matéria, a dengue foi a terceira doença mais pesquisada por paraenses na internet nos últimos 12 meses, perdendo apenas para a palavra “câncer” e “diabetes”. Endêmica na região, a dengue está entre as doenças infecciosas cujo o autodiagnóstico pode ser especialmente prejudicial, como explica o infectologista Alessandre Guimarães:
“Todos sabemos que, nos casos de dengue, a pessoa não pode tomar nenhum tipo de anti-inflamatório, ácido acetilsalicílico, uso excessivo de paracetamol. A gente não deve recomendar corticóides também. E a dengue está aí, com um aumento de casos no país inteiro. Essa doença pode exemplificar pra gente o erro da automedicação, que seria um erro do próprio paciente”, enfatiza o médico.
Alessandre detalha que, no caso das doenças infecciosas, a semelhança entre os sintomas é muito grande, mas as causas e tratamentos muito diferentes. Ele dá os exemplos de febre, dor no corpo e dor de cabeça, que podem ser causados por diversas doenças, mas que exigem diferentes tratamentos. "Por exemplo, a febre provocada por uma infecção viral, como a gripe, é tratada de maneira muito diferente da febre causada por uma doença bacteriana, como a meningite", afirma. O infectologista também destaca o erro comum de usar antibióticos para tratar doenças virais, como gripes e resfriados, prática que pode agravar o quadro e aumentar a resistência bacteriana.
Guimarães ainda aponta a automedicação como um dos maiores riscos dentro da área das doenças infecciosas. Ele cita o uso indiscriminado de corticóides, que tem sido cada vez mais comum. "Muitas pessoas, ao começarem a apresentar sintomas gripais, tomam corticóides sem orientação médica, o que pode prejudicar sua recuperação", alerta. Ele explica que, em quadros virais, o uso de corticóides pode diminuir a resposta imunológica do corpo, agravando a infecção e tornando o paciente mais vulnerável a complicações. "A automedicação, especialmente com medicamentos como antibióticos e corticóides, é uma prática extremamente perigosa", conclui Guimarães.
Alessandre orienta que o público deve entender as informações disponíveis na internet como informações generalizadas – elas não são pensadas de forma particularizada para cada paciente. "A internet propaga informações para uma coletividade, como se todos fôssemos iguais, mas cada pessoa tem sua peculiaridade, e isso é reconhecido dentro da consulta médica, onde o profissional examina o contexto e a epidemiologia do caso", defende.
O psiquiatra Dirceu Rigoni também vê o autodiagnóstico como um risco significativo, especialmente na área da saúde mental, onde os sintomas de diversas condições podem ser confundidos facilmente. "Na psiquiatria, há uma grande sobreposição de sintomas que são compartilhados por várias doenças", explica Rigoni. Ele utiliza como exemplo o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que compartilha sintomas com a depressão, os transtornos de ansiedade e os transtornos neurocognitivos. "Não basta o indivíduo dizer que tem déficit de atenção e achar que tem TDAH. Esse diagnóstico exige uma investigação minuciosa, porque, se a causa for ansiedade, por exemplo, e o paciente tratar com um estimulante, ele pode agravar ainda mais o quadro", alerta o psiquiatra.
Rigoni também enfatiza o perigo da automedicação psiquiátrica. Ele compartilha um exemplo clássico de pacientes que pegam medicamentos emprestados de amigos ou familiares. "Muitas pessoas começam a tomar remédios que acham que são adequados para o que estão sentindo, mas esses medicamentos podem causar efeitos colaterais graves. Um caso comum é o uso indiscriminado de Rivotril, que muitas vezes é utilizado para tratar a ansiedade, mas sem acompanhamento médico adequado, leva à dependência", alerta.
Outro problema, segundo o psiquiatra, é o uso de fitoterápicos e remédios naturais, que muitas vezes são vistos como inofensivos. "O fato de um medicamento ser 'natural' não significa que ele seja livre de efeitos colaterais. Já vi pacientes que, ao tomarem uma dose excessiva de Maca Peruana, por exemplo, acabaram ficando agitados", conta Rigoni. Ele também destaca os riscos associados ao uso de medicamentos fitoterápicos para condições como a ansiedade ou a insônia, que podem, na verdade, agravar o problema. "O uso inadequado de qualquer substância pode levar a danos no fígado, nos rins ou no sistema nervoso central", acrescenta.
Embora a internet tenha se tornado uma fonte valiosa de informação, os três especialistas entrevistados concordam que a consulta médica continua sendo essencial para um diagnóstico preciso e um tratamento adequado. Antônio Monteiro afirma que, ao usar a internet, a pessoa deve buscar fontes confiáveis e usar essas informações para discutir com seu médico, e não para substituir a consulta médica.
Dirceu Rigoni também reforça que a avaliação do médico é indispensável para o tratamento adequado de doenças, especialmente as relacionadas à saúde mental. "O médico é capaz de realizar uma investigação profunda, levando em consideração o histórico clínico e o contexto do paciente, o que a internet nunca conseguirá fazer", conclui.
Por fim, Alessandre Guimarães destaca que a internet pode ser útil para localizar um profissional de saúde qualificado e para entender melhor a doença ou o tratamento indicado. "A informação verdadeira, vinda de fontes confiáveis, é um aliado importante na busca pela saúde, mas nunca deve substituir a consulta médica", alerta.
O Dia Mundial da Saúde é uma oportunidade para refletirmos sobre como podemos cuidar de nossa saúde de maneira mais consciente e responsável, buscando sempre a orientação profissional para garantir diagnósticos corretos e tratamentos eficazes.