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Desabamento: moradores vivem dias de incertezas uma semana após o acidente no 'Cristo Rei'

Corpo de Bombeiros diz que edifício está intacto, mas que vai 'recomendar' demolição das outras 13 sacadas

Dilson Pimentel

Uma semana após o desabamento das 13 sacadas do edifício Cristo Rei, no bairro da Cremação, em Belém, os moradores tentam, aos poucos, retomar a normalidade de suas vidas. Todos tiveram que deixar seus apartamentos.

E, até o momento, não há como estimar um prazo para que eles voltem para o prédio, que continua interditado pelo Corpo de Bombeiros. O acidente ocorreu por volta das 12 horas do dia 13 deste mês, um sábado. Ninguém ficou ferido.

Em relação ao laudo, a Polícia Científica do Pará divulgou, no dia 15 deste mês, que a equipe de peritos de engenharia informou que o tempo de elaboração do documento segue o trâmite legal de 10 dias, podendo ser prorrogado por tempo de igual período. Também na segunda-feira (15), e falando sobre umas das principais hipóteses para o desabamento, o comandante operacional do Corpo de Bombeiros, coronel Jaime Oliveira, citou falhas na concepção e execução do projeto das sacadas.

Em entrevista à imprensa, ele também indicou que pode ter havido falha na manutenção do prédio, que não detectou esses problemas. O coronel afirmou ainda que não há risco de desabamento do prédio e que o edifício está intacto. Mas que, no laudo, o Corpo de Bombeiros vai sugerir a demolição das outras 13 sacadas.

Na terça-feira (16), o Corpo de Bombeiros Militar do Pará e Coordenadoria Estadual de Defesa Civil informaram que, desde o dia do desabamento das sacadas no prédio Cristo Rei, a primeira estratégia foi avaliar as condições do edifício, para deduzir possíveis hipóteses do que poderia ter motivado o ocorrido. A guarnição acompanhou, durante toda a manhã de segunda-feira (15), a retirada dos escombros. O laudo será feito em conjunto com a Polícia Científica.

Também na terça-feira (16), a Defesa Civil de Belém informou que as infiltrações, possivelmente, potencializaram a ação do desabamento das 13 sacadas do ‘Cristo Rei’. “Supostamente (as sacadas) podem ter entrado em colapso por conta de infiltrações”, indicou.

Na sexta-feira (19), o Corpo de Bombeiros Militar do Pará e Coordenadoria Estadual de Defesa Civil informaram “que a condição de demolição das sacadas é uma recomendação. O edifício Cristo Rei seguirá interditado até conclusão do laudo da Polícia Científica. As sacadas só serão mantidas caso os proprietários apresentem, através de documentação de profissionais de engenharia, que as estruturas estão em condições seguras”.

Um inquérito foi instaurado, na Seccional da Cremação, unidade da Polícia Civil, para investigar o caso. O síndico do prédio foi ouvido na segunda-feira (15) e disse, em depoimento, que não havia obra na cobertura do prédio e que a manutenção do edifício está em dia. "A investigação está no início... Qualquer tipo de conclusão agora, nesse momento, seria temerário, já que a Polícia Civil age de forma técnica", afirmou o delegado Arthur Nobre, que conduz as investigações.

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Crea fará mutirão de fiscalização em 800 condomínios de Belém e do interior

E, na quinta-feira (18), em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Pará (Crea-PA) informou que, a partir desta segunda-feira (22), vai iniciar um mutirão de fiscalização em 800 condomínios do Estado. Esse trabalho será feito presencialmente e, também, por meio do envio de ofícios, solicitando diversas informações sobre o prédio. A fiscalização vai ocorrer nos condomínios construídos há mais de 30 anos.

A maioria desses prédios está localizada na região metropolitana de Belém, Santarém, Marabá e Parauapebas. A informação foi dada, com exclusividade ao Grupo Liberal, nesta quinta-feira (18), pelo gerente de fiscalização do Crea-Pa, Kleber Souza.

Nesse mutirão de fiscalização, a equipe do Crea-Pa vai verificar, por exemplo, reformas nas áreas comuns e reformas nas áreas particulares (apartamentos) e ter o levantamento de dados de serviços tais como elevadores, reservatórios, circuito interno fechado de TV, combate a incêndio, processo de teste dos hidrantes, sinalizações horizontais, verticais e dos estacionamentos, o requer as manutenções periódicas.

E saber quais obras foram realizadas nos últimos dois ou três anos. “Hoje nós estamos trabalhando no levantamento de todos os condomínios do estado do Pará. Nós estaremos focados em relação às manutenções que envolvem a questão dos elevadores, hidrantes, dos reservatórios (seja piscina, seja caixa d'água) e orientarmos o síndico ou a administradora do condomínio quanto à questão da inspeção predial”, disse. E também destacar a importância de que as reformas dos apartamentos sejam feitas por um engenheiro habilitado.

Kleber Souza disse que, para os condomínios que estão em construção, já existe uma ação de fiscalização de rotina. “Em relação aos aqueles mais antigos, a gente sempre sabe que dentro dos condomínios tem um ou outro apartamento sendo reformado”, contou. Na sexta-feira (19), pela manhã, o síndico do “Cristo Rei” estava no prédio e conversou com os bombeiros. A reportagem tentou falar com alguém do edifício, mas um homem, provavelmente funcionário, disse que ninguém poderia comentar o assunto.

Em Belém, já existe uma legislação em vigor que prevê fiscalizações nos prédios da cidade. Sobre esse assunto, a Prefeitura de Belém, por meio do Departamento de Obras Civis da Secretaria de Urbanismo (Seurb), informou que já executa o serviço, quando solicitado pelo particular, de “vistoria técnica constatatória”.

A partir da publicação da Lei 9.777/2022, que alterou o artigo primeiro, a vistoria técnica deve ser realizada a cada 10 anos em prédios novos e cinco anos em prédios antigos, tanto em edificações habitacionais ou comerciais com mais de dois andares, cujo “habite-se” tenha 10 anos de expedido ou mais, ocupados ou não. A reportagem solicitou informações mais detalhes sobre o número de prédios fiscalizados, mas não houve retorno da Seurb.

Relembre alguns depoimentos marcantes sobre o acidente no prédio

Durante a semana, a reportagem tentou falar com alguns moradores do prédio. Mas, por motivos diversos, eles preferiram não dar entrevistas, pois estão reorganizando suas vidas após o acidente.

Uma das cenas mais emocionantes após o desabamento das 13 sacadas, foi o momento em que uma tutora reencontrou o gatinho que estava preso nos escombros. O pet foi resgatado por militares do Corpo de Bombeiros e entregue {à moradora do edifício, localizado na rua Mundurucus. O animal estava coberto com uma toalha e miava bastante, aparentemente assustado. Primeiro, o felino foi entregue a um civil, que então entregou para a moradora. A tutora chorou bastante com o reencontro e agradeceu com um abraço o bombeiro.

O administrador Alberto Pinheiro, de 65 anos, fazia o rotineiro trajeto de retorno para casa, no edifício Cristo Rei, no bairro da Cremação, em Belém, na manhã de sábado (13). Há menos de um perímetro de distância de casa, ele demorou um pouco mais para chegar por causa do sinal de trânsito. Foi bem do cruzamento da travessa Quintino Bocaiúva com a rua dos Mundurucus que ele ouviu o grande estrondo que fez o desabamento das 13 sacadas - uma delas, a de seu apartamento, no quinto andar. Por muito pouco, diz, ele não foi soterrado pelas estruturas.

“Foi um barulho enorme. Eu estava bem na esquina quando aconteceu, esperando o sinal abrir. Por menos de cinco minutos poderia ter acontecido comigo, porque as sacadas ficam bem na direção da garagem. Foi um alívio”, contou. Morador do quinto andar do prédio, o quarto do administrador era o da frente - ou seja, foi um dos que perdeu a sacada com o desabamento. No momento do incidente, estavam no apartamento a esposa e o filho. “Quando ela escutou o barulho, só deu tempo de sair correndo, pegar o nosso filho e deixar o prédio. Estamos todos bem”, disse, aliviado.

Uma pessoa estava na sacada do oitavo andar do edifício Cristo Rei segundos antes das estruturas desabarem. Ele conta que "por um triz" não foi atingido. Gilberto Coutinho estava visitando a mãe, que mora no 8º andar do edifício. Ele relatou à redação integrada de O Liberal que estava na sacada quando foi chamado pela mãe, segundos antes do desabamento, em algum outro cômodo, dentro do apartamento. Assim que ele saiu do ambiente, todos ouviram uma explosão e as sacadas do prédio começaram a cair.

Segundo Gilberto, não havia nada de estranho no ambiente ao longo da manhã e que tudo aconteceu de forma súbita. Ele e a mãe foram evacuados do prédio e, nesse primeiro no momento, ficaram do lado de fora, acompanhando o trabalho do Corpo de Bombeiros Militar do Pará.

Engenheiro civil Leonardo Fonseca comenta sobre desabamento das sacadas

Nesta entrevista, o engenheiro civil Leonardo Fonseca, especialista em gestão de obras e que também presta consultoria para obras de reforma e construção, fala sobre o acidente no edifício Cristo Rei.

Quais seriam as possíveis causas do desmoronamento dessas sacadas?

A princípio, precisamos entender que existem diversos motivos que podem gerar uma situação como a que aconteceu aqui (no Ed. Cristo Rei). Como ponto de partida, devemos compreender como funciona uma estrutura de uma marquise ou de uma sacada e de que forma elas trabalham e se deformam.

Essas estruturas, de uma maneira geral, ficam engastadas em outro elemento estrutural, e se encontram em balanço (ancoradas apenas em um ponto de apoio). Dessa forma, a sua tendência natural de deformação é tracionando a zona superior da laje e comprimindo a inferior.

Logo, a armadura principal presente nelas e que precisa de um cuidado ainda maior é a armadura negativa, localizada na parte superior da laje em balanço, com a finalidade de absorver os esforços de tração solicitados. Quando existe uma carência dessa armadura ou a própria deformação natural da estrutura ao longo do tempo podem originar microfissuras ou até mesmo trincas e rachaduras na região de união entre os elementos estruturais, facilitando a entrada de agentes agressivos que vão penetrando e atingindo a ferragem. A armadura, quando oxidada, perde sua função estrutural e rompe com facilidade.

Nesse contexto, surge a constante necessidade de serem realizadas manutenções periódicas na estrutura, visando inspecionar e mapear as diversas patologias que a mesma possa apresentar e, assim, tratá-las antes que sejam gerados danos estruturais.

Que outro fator pode contribuir para essa ocorrência?

Outro fator que pode gerar situações como essa é a sobrecarga da estrutura, sejam elas por reformas sem acompanhamento profissional ou por falta de informação de proprietários quanto às intervenções que podem ser feitas no seu imóvel. Por isso, é sempre importante que as obras realizadas sejam bem alinhadas entre os projetos novos (de reforma) e os projetos já existentes da estrutura, de forma a manter a integridade da estrutura original e suas funções não sejam afetadas.

Além disso, em etapas de demolições, é de grande importância que sejam feitos escoramentos e que as cargas decorrentes dos entulhos sejam distribuídas pelo apartamento e não fiquem acumuladas em um único ponto. Além disso, com o passar dos anos, as estruturas de sacadas passaram por modificações em sua forma de uso, e com isso surgiram de maneira mais constante as integrações de ambientes como sala e varanda, com aplicação de estruturas de vidro para vedar a sacada. Logo, é de grande importância se informar quanto a capacidade de carga desses ambientes e se as sacadas foram projetadas para suportar esse aumento de carga decorrentes de contrapiso e de estruturas de envidraçamento.

Em relação à frequência de manutenções, não existe um prazo pré-determinado. Porém é natural que uma estrutura antiga sofreu por mais tempo as ações do clima, como sol e chuva, além de que os materiais utilizados tendem a apresentar menor tecnologia do que os das construções atuais e, com esses fatores, tendem a aparecer mais facilmente patologias nessas estruturas. Então é importante que se tenha um cuidado especial com construções mais antigas. Todavia, todas as construções precisam passar por manutenções periódicas ao longo do tempo, algumas com mais frequência e outras com um pouco menos.

Para o morador, que é leigo, quais os sinais que ele pode perceber?

De uma maneira geral, podemos começar a notar sinais como trincas, fissuras, rachaduras e peças de revestimento soltando que já são sinais de alerta para que você chame um engenheiro especialista na área e peça para ele fiscalizar e inspecionar o que está acontecendo. Ele possui equipamentos apropriados para avaliar e possui o conhecimento técnico para guiar a situação da melhor forma.

Treze sacadas desabaram. Em relação às outras do outro lado, o que deve ser feito a partir de agora?

O primeiro ponto é ser feita uma perícia na sacada ao lado. Fazer um estudo de sua estrutura e de como ela está se comportando, para assim intervir de maneira a realizar um reforço estrutural ou, se necessário, efetuar a retirada delas da estrutura.

 

Belém