Com 47 casos, 2021 já tem mais da metade dos registros de homofobia de 2020
Em todo o ano passado foram 71 casos, o que mostra quantos desafios a população LGBTIA+ ainda tem de enfrentar
O Dia Internacional do Orgulho LGBTIA+ (28) marca o longo caminho que a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Intersexuais e Assexuais e outras diversidades sexuais e de gênero têm pela frente. Em 2020, foram 71 casos registrados de LGBTIfobia pela Secretaria de Segurança Pública, no Estado do Pará (Segup). Este ano, de janeiro a maio, foram computados 47. Só nos cinco primeiros meses do ano, o registro é de mais da metade de casos de todo o ano passado. Quando os dados de violência são dimensionados para o Brasil, os números da LGBTIfobia aumentam. Um relatório produzido anualmente pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), referência há 41 anos, aponta que 2020 registrou 237 mortes motivadas pela LGBTIfobia. Destas, 161 mortes (70%) foram motivadas pela transfobia.
Flores Astrais, de 26 anos, é artista e produtora cultural em Belém. Articula dentro do movimento pautas voltadas para a comunidade trans e travesti, além de produzir conteúdos, nas redes sociais, com o objetivo de educar a população. "Meu conteúdo é sobre a minha vivência travesti e diálogos com o movimento trans... Eu precisava dialogar com as pessoas, tudo aquilo que eu tive que aprender, para dar conta de quem eu sou. Então, comecei a produzir esse conteúdo, muito com o intuito educativo. Infelizmente as pessoas trans ainda carregam esse peso de ter que educar a população, para poder dar conta de sobreviver na sociedade", disse.
A produtora cultural relembra que houve um apagamento histórico de vozes até dentro do próprio movimento LGBTIA+. "Se até hoje o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTI, é porque a maioria que morre é a população trans e travestis, e em sua maioria pretas. Isso não pode ser esquecido e nem apagado. Não podemos silenciar dentro do movimento essas vozes que, historicamente, construíram as bases desse movimento. São até hoje as pessoas que vivenciam na pele as maiores dores da LGBTIfobia no mundo", comentou.
A mudança de pensamento está no diálogo e no autoconhecimento. Para Flores, a comunidade cisgênera - aquelas pessoas que se reconhecem com todos os aspectos do gênero, a partir da determinação no nascimento - tem um papel importante para vencer a LGBTIfobia. "A cisgeneridade precisa se entender. Como ela se constrói, porque aí vamos chegar às raízes da transfobia. A transfobia existe, a partir da cisgeneridade e não da transgeneridade. Gostaria que pudéssemos aprofundar esses debates e não só as pessoas trans e travestis ter que explicar sobre gênero para as pessoas. Precisamos exercitar o olhar empático de se colocar no lugar do outro, para entender que o outro tem outras necessidades, urgências e vivências que não são as nossas, mas que nem, por isso são menos urgentes" finalizou.
Renata Taylor de Andrade — cineasta, coordenadora do grupo do Grupo de resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia (Gretta) e Diretora Executiva da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e coordenadora regional do Fórum nacional de travestis e transexuais negros e negras (Fonatrans) — fala sobre os desafios que a população LGBTIA+, principalmente trans e travesti enfrentam na pandemia e que expõe essas pessoas a ainda mais violência e ao risco da covid-19.
"Nunca passamos por isso, de estarmos 100% em casa, que é onde se passa a maioria das violências. A pandemia aumentou o índice de violências, o feminicídio. Muitos de nós LGBTIA+ somos acolhidos pelos outros amigos, quando não temos esse acolhimento dentro da nossa casa. Então sempre tinha um barzinho, uma roda de amigos que ajudavam na saúde mental, por causa do preconceito sofrido no âmbito familiar. Com a pandemia, muitas travestis estão passando necessidade. Dependem da rua para se manter. O grupo Gretta tem feito assistência psicológica, alimentar, jurídica para elas. Temos feito programações virtuais que as incluem e atendem", disse Renata.
A cultura e a educação como resistência LGBTI+
Junto aos movimentos sociais no Pará, como a atuação do Movimento LGBTI+ Pará, há também na luta um coletivo de artistas da cena cultural belenense levando arte, performance e discussão sobre pautas sociais, de atenção, direitos e respeito a comunidade de LGBTIA+.
Gabriela Luz, de 26 anos, é professora e multiartista. Participa do Movimento das Themonhas, que desde 2014 articula-se em Belém com performances Drags. "A gente trabalha em coletivo, de artistas em movimento. Movimento das Themonhas, na cidade. Descobrimos que a partir das montações, poderíamos mudar a relação com as pessoas. Nos inspiramos, sem competições, damos suporte, físico, emocional, financeiro... é a comprovação de que a arte é essencial. Pode salvar, incluir, além de divertir. O entretenimento para nós é politico", comentou a professora.
Para celebrar o Dia Internacional do Orgulho LGBTIA+, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), em parceria com os órgãos estaduais, ONGs e entidades da sociedade civil, que lutam pelos direitos da população LGBTI+, promove a “Ação de Cidadania e Direitos Humanos”, que tem como tema, “Orgulho, Cultura e Cidadania LGBTI+”, que acontece neste domingo (27), das 9h às 17h, no Teatro Estação Gasômetro, localizado no Parque da Residência. Seguindo os protocolos de prevenção contra a covid-19, a programação ofertará diversos serviços para garantir acesso aos direitos básicos da população LGBTIA+.
Denise Carlos da Silva, a primeira mulher lésbica a ocupar a cadeira da presidência dentro do movimento LGBTIA+ do Pará, que existe há quase 20 anos, diz que para a comunidade, todos os dias são dias de orgulho, mas que as datas ainda são importantes para lembrar aos demais membros da sociedade a importância do respeito. "Estamos sempre celebrando algumas datas como essa, para que a sociedade entenda e veja que estamos aqui firmes e fortes. A cada dia mais nos empoderando. Não queremos nada de ninguém, apenas que nos respeitem", afirmou Denise.
Sobre a programação, a presidente diz que "...como sempre está sendo preparada com muito amor. A nosso população terá um domingo inteiro de serviços essenciais para a nossa comunidade mais vulnerável, que muita vezes não consegue nem chegar até o local desses eventos. Por isso, sempre procuramos fazer programações que cheguem até eles... Durante o dia terá emissão de RGs, atendimentos médicos, testagens rápidas, palestras e, para fechar o dia, apresentações de Drags e DJs, todos da nossa comunidade LGBTIA+", concluiu.
A diversidade presente no Grupo O Liberal e em outras iniciativas
O Grupo Liberal busca não fazer distinção entre seus colaboradores. A representatividade ocupa vários cargos no grupo. Produtores, repórteres - como essa que aqui escreve -, editores, editores-chefes e gerentes. O que conta é a competência e o trabalho diário. Ao chegar ao prédio, situado na rua Romulo Maiorana, a primeira pessoa a recepcionar os visitantes é Antônio Pinto, de 45 anos e que há 15 anos trabalha na recepção. "Quando eu comecei aqui, só tinha eu e mais um outro colega, que éramos gays. Com o passar do tempo, percebi que o números de pessoas LGBTI+ na empresa aumentou, e em vários cargos aqui dentro, o que é muito bom... Na minha época, era difícil se assumir gay, mas hoje percebo que a sociedade está evoluindo e respeitando mais", disse Antônio.
Antes de encontrar um ambiente que não foque na sexualidade como um "problema", o repórter Eduardo Laviano passou por situações constrangedoras e homofóbicas, por não ser um homem padrão. "Fui excluído de um evento social, estilo Black Tie, de outra empresa que eu trabalhava, porque 'precisavam de alguém normal, que pudesse levar uma mulher como acompanhante'. Eu pensei: 'será que eu quero ficar nesse ambiente que ninguém me vê como normal?'. Já aqui no Grupo Liberal eu não tenho nenhum problema com isso.... Sou privilegiado em trabalhar com jornalismo, que tende a ser uma área mais progressista", pontuou o repórter.
Eduardo relata os desafios de ser um homem gay e que são comuns para a maioria dos membros da comunidade, já que nos ambientes de trabalho - e em vários setores da vida pessoal dele - precisa se mostrar capacitado, para que a sua sexualidade não coloque seu profissionalismo à prova: "a gente cresce com exigências pessoais e externas. Os héteros são parabenizados pelo mínimo. Nós, LGBTI+, temos que trabalhar três vezes mais, nos esforçar três vezes mais para sermos valorizados. Mesmo em ambientes de trabalho acolhedores como temos no O Liberal, as pressões externas não ficam lá fora, quando batemos nosso ponto. Elas continuam dentro da nossa cabeça, nos cobrando." refletiu, Laviano.
Se em 2021 as dificuldades ainda são grandes, para quem começou em 1986, como o editor-chefe do jornal O Liberal, Cary John Oliveira, elas eram bem evidentes e traziam receios: "quando eu comecei no jornal, como redator, eu ainda estava na fase de estar no armário. Depois eu passei a admitir às pessoas que eu era um homem gay... Sobre a questão de ser um cargo de chefia e liderança, isso não deveria vir primeiro. O profissional tem que ser o que importa. E o comprometimento independe da questão sexual. Como liderança e chefia, eu não tenho problema com a minha equipe sobre isso", observou Cary.
Em OLiberal.com, a editora web Vanessa Fortes conta que, como jornalista, precisa dar visibilidade e voz a quem quer falar. Nos espaços que tem na web, internet e impresso faz isso: "a internet e o digital hoje são de extrema importância para que possamos exaltar a parte cultural. Hoje já conseguimos ver as pessoas LGBTI+ em cargos de poder, no executivo, legislativo... Nós estamos sendo representados por essas pessoas [noticiando elas]. Cultura é bom pra todo mundo. Respeito é bom para todo mundo. É essa sociedade que queremos representar", declarou.
A internet está presente na vida da Vanessa para além das telas profissionais. Ela conheceu a noiva, que morava em Manaus, há quatro anos, pela internet. "Eu jamais pensei que iria encontrar a pessoa que quero dividir a vida, na internet. Ela mudou-se para Belém. Hoje moramos juntas e temos planos de casar. Apesar da minha história ser bonita e feliz, tem muitos casos que não terminam assim. Temos que ter cuidado com a internet, claro! Mas eu sou muito grata de a internet ter me feito feliz pessoalmente e profissionalmente", finalizou Vanessa.
Além de o Grupo O Liberal, outro exemplo de inclusão da diversidade no Grupo Hydro, que lançou no Brasil, este ano, o programa de Diversidade, Inclusão & Pertencimento (DIP), em que reconhece as necessidades de grupos específicos e está fomentando ações em gênero, pessoas com deficiência, raças e etnias, LGBTQIA+ e gerações.
"Temos a ambição de aumentar a diversidade e inclusão de vários grupos, entre eles os LGBTQIA+. Por meio do DIP, estamos apoiando as pessoas e vivendo os nossos valores todos os dias: coragem, cuidado e colaboração. Nosso objetivo é estabelecer processos e recursos para favorecer e encorajar a diversidade e a inclusão em toda a empresa. O DIP promove mudanças que vão elevar nossa capacidade de atuar de forma criativa e inovadora, a partir do respeito às diferenças que nos tornam únicos e, por isso, valiosos em nossas maneiras de pensar, enxergar e interagir com o mundo. Essas diferenças vão garantir sustentabilidade e melhores resultados para nossas empresas.", observou Douglas Ruozzi, diretor de Recursos Humanos da Hydro.
O mês do Orgulho homenageia a autoafirmação, dignidade, igualdade e maior visibilidade de pessoas que se identificam como lésbicas ou gays, bissexuais, transgêneros, travestis, queer, além de outras orientações sexuais e identidades de gênero. A Hydro se preocupa com esse movimento pró-orgulho porque respeito, igualdade e tolerância importam à Companhia. "Na Hydro, 'cuidado' é um valor essencial pelo qual todos devemos viver, todos os dias. Para celebrar essa data e convidar nosso público à reflexão, promoveremos uma live. A ideia é fomentar a discussão e incentivar o Orgulho. Queremos que todos os nossos empregados e empregadas tenham orgulho de ser quem são; não importa quem seja ou quem ame", concluiu, o diretor.
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