Camarão ‘gigante azul’ encontra nas águas da Amazônia um ambiente propício para reprodução
Espécie também é apta para o consumo e costuma ser comercializada na Feira da 25, em Belém. Monitoramento sistemático do crustáceo ainda é limitado no Pará, segundo pesquisador do Museu Goeldi.
Seja na internet, seja nas feiras de Belém, um camarão gigante e azulão tem chamado a atenção dos paraenses. No final de janeiro, o pescador Allan David compartilhou um vídeo que viralizou no TikTok mostrando a captura de um exemplar do crustáceo no porto de São Francisco, em Barcarena. O engenheiro florestal Deryck Martins, que encontrou o camarão sendo comercializado na Feira da 25, em Belém, no último sábado (8), postou imagens do animal e também gerou grande repercussão. Identificado como Macrobrachium rosenbergii e conhecido como camarão-da-Malásia, o marisco tem origem na região do Indo-Pacífico e encontra no movimento de salinização das águas doces da Amazônia um ambiente propício para se reproduzir.
Deryck conta que o que mais chamou sua atenção foram as patas azuis e compridas do camarão, que logo o fizeram suspeitar se tratar de uma espécie exótica. “Perguntei se era o ‘da Malásia’, o que foi confirmado pelo vendedor”, relata. O engenheiro florestal destaca ainda que nunca tinha visto esse tipo de camarão sendo comercializado em feiras de Belém. O vendedor informou que o crustáceo veio de Barcarena e está sendo bem aceito pelos consumidores, com um preço mais acessível que o camarão rosa tradicional, custando cerca de R$ 60 o quilo.
A repercussão do post de Deryck no Instagram trouxe uma enxurrada de dúvidas sobre o impacto da presença desse animal no ecossistema paraense.
“Muitas pessoas perguntaram se isso era bom ou ruim. Meu ponto de vista é que precisamos entender melhor os impactos da espécie na costa paraense. O fato de estar sendo vendido nas feiras demonstra que a espécie está se reproduzindo e se desenvolvendo no nosso ecossistema costeiro, o que requer monitoramento desses impactos”, pontua.
O que o camarão-da-Malásia veio fazer no Pará?
Para entender melhor a presença desse camarão no Pará, a reportagem de O LIBERAL conversou com Cleverson Santos, coordenador de Zoologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Ele explica que o camarão-da-Malásia é uma espécie de água estuarina, ou seja, vive em ambientes de transição entre água doce e salgada. Introduzido no Brasil na década de 1970 para a carcinicultura (criação em viveiros para consumo), ele provavelmente escapou para ambientes naturais através de viveiros ou pelo transporte em água de lastro de navios.
No Brasil, os primeiros registros dessa espécie datam do final da década de 1990 e início dos anos 2000, e atualmente já existem criadouros de aquicultura na região. “Ela já ocorre no Pará e em outros estados brasileiros, do Norte até Santa Catarina. Como é uma espécie que tolera temperaturas mais elevadas, não sobrevive em águas muito frias”, explica Cleverson.
Com um porte impressionante, o camarão pode atingir até 30 cm, sendo os machos geralmente maiores e apresentando uma coloração azulada característica. “As pessoas costumam chamar de 'pelos', mas, na verdade, são cerdas azuladas que recobrem parte do seu corpo”, detalha.
Embora chamativo e valorizado na culinária, a presença do camarão-da-Malásia no ambiente natural pode impactar a fauna local. A espécie tem um ciclo de vida peculiar: os adultos vivem em águas doces, enquanto as larvas necessitam de águas salgadas para se desenvolver. “Esse ciclo é muito favorecido na nossa região, especialmente na Baía do Marajó e no rio Amazonas, onde há uma interação constante entre água doce e salgada”, afirma Cleverson.
Predador e herbívoro, ele se alimenta de algas, pequenos crustáceos, matéria em decomposição e até peixes pequenos. Seu tamanho avantajado dificulta a predação por outros animais, tornando-se um competidor forte por recursos naturais. “Se a população crescer muito, pode afetar outras espécies nativas ao competir por espaço e alimento”, alerta o pesquisador.
Outro ponto de atenção é a sua alta taxa reprodutiva. “Cada fêmea consegue produzir até 300 mil ovos por ciclo. No Pará, já registramos desovas variando de 15 mil a 140 mil ovos”, conta Cleverson.
Pode comer?
Apesar das incertezas sobre seu impacto ecológico, o camarão-da-Malásia é considerado seguro para o consumo humano. “Ele foi introduzido no Brasil justamente para a aquicultura e é um camarão bastante apreciado. A gente encontra indivíduos aptos para o consumo medindo a partir de 15 cm e pesando 35 gramas, mas pode chegar a pesar 400 gramas”, destaca Cleverson.
Entretanto, o especialista faz um alerta: qualquer animal retirado do ambiente pode carregar substâncias prejudiciais à saúde, dependendo das condições do local onde foi capturado. “Se for pescado em uma área poluída, pode conter substâncias tóxicas. O ideal é que haja um monitoramento ambiental para garantir a qualidade do alimento consumido pela população”, ressalta.