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Aurá: a realidade de quem convive diariamente com um lixão a céu aberto

Mais de 200 catadores tiram o sustento deles e de suas famílias desse espaço, que fica no limite entre Belém e Ananindeua

Dilson Pimentel

A fumaceira que atingiu Belém e Ananindeua, oriunda do lixão do Aurá, no limite entre os dois municípios, trouxe à tona a realidade de quem mora às proximidades daquela área e de quem depende dessa área para o sustento próprio e de seus familiares.

Os moradores ouvidos pela reportagem disseram não se incomodar com o fato de serem vizinhos do lixão, que, embora desativado, continua recebendo resíduos inertes - materiais oriundos da limpeza urbana, exceto lixo domiciliar.

O que prejudicou a população foi a fumaça, que começou em dezembro e causou problemas respiratórios principalmente nas crianças e nas pessoas idosas. José Roberto Gomes, 50 anos, tem uma venda na rua São Cristóvão, na comunidade Santana do Aurá, bem em frente ao lixão.

Ele mora na comunidade há 26 anos. E não se incomoda com o fato de morar em frente ao lixão. José Roberto já está acostumado com aquele cenário e com os catadores que tiram o sustento daquele espaço. “É o ganha pão deles”, disse.

Para José Roberto, o poder público deveria organizar esses trabalhadores, dando a eles os devidos equipamentos de proteção individual, deixando-os trabalhar com dignidade no lixão.

Ele disse que, no começo, quando a fumaça estava mais intensa, sentiu cansaço, mas que, duas semanas depois, apesar da fumaceira ainda continuar, embora em menor quantidade, já não estava mais se sentindo mal. Mas, enquanto falava com a reportagem, havia moscas no local, provavelmente atraídas pelos resíduos oriundos do lixão.

Adriana Souza, 31 anos, também é vizinha do lixão, no qual trabalhou como catadora. Começou aos 11 anos de idade e continuou até o fechamento do espaço, há sete anos. Ela é mãe de três filhos - de 4, 7 e 8 anos. Todos eles sofreram com a fumaceira: tosse, gripe. A fumaça, disse, se intensifica no final da tarde.

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A poucos metros dali reside Adriana reside Raquel Nascimento, 19 anos. Ela é mãe de uma criança de dois anos, que tem problemas de saúde, agravados com a fumaça do lixão. Por ser uma criança especial, a menina toma três remédios por dia. Um gasto mensal de pelo menos R$ 100. “O que atrapalha é essa fumaça”, afirmou.

As duas moradoras também falaram do quanto é difícil deixar a comunidade para realizar afazeres profissionais, pessoais e médicos. É que não há transporte público.

A rua São Cristóvão, a que dá acesso àquela área do lixão e onde tem uma escola municipal, administrada pela Prefeitura de Belém, tem muito buraco e lama. Os moradores vão a pé. Ou de bicicleta e moto. Também pegam carona nos caminhões que passam pelo local.

O zelador Ezequiel Barros, 38 anos, vai para o trabalho de bicicleta, na qual também conduz a esposa dele. Ele passa diariamente por aquela rua. “É muito ruim. Muita lama”, disse. “O transporte, pra cá, é uber e mototáxi”, contou.

Mas, por causa da precariedade da rua, muitos motoristas de aplicativo não querem entrar nessa via. Toda a noite ele busca a esposa no trabalho. E, além da buraqueira, outro obstáculo: não há iluminação pública. “A gente passa na lama e no escuro”, contou Ezequiel. Ele também reclamou da quantidade de moscas na comunidade.

Lixão garante o sustento direto de 200 catadores

O lixão do Aurá também garante o sustento de muitos catadores. De lá eles retiram materiais como plásticos, ferro e alumínio, que são revendidos depois. Aproximadamente 200 pessoas ainda trabalham na área e a fumaça atingiu diretamente em torno de 500 famílias, totalizando duas mil pessoas.

É o que informou Sofia Paz. Ela integra o “Pará Solidário”, um grupo organizado da sociedade civil que ajuda a comunidade de catadores do lixão do Aurá e existe desde junho de 2019.

Os catadores não gostam de dar entrevista à imprensa. São reservados. Mas contaram que não são responsáveis pelos focos de incêndio, cuja fumaça chegou a Belém. Até porque eles dizem que tiram, do lixão, o sustento de suas famílias. Um deles, que trabalha no local há cinco anos e preferiu não ser identificado, contou que eles retiram cobre, ferro e alumínio.

Esse material é vendido nas sucatarias, cujos responsáveis pagam, aos trabalhadores, apenas 70 centavos por quilo. “É o sol muito forte que pega nesse material, no plástico, e pega fogo”, afirmou um catador que trabalha no lixão há cinco anos. “A gente precisa daqui”, afirmou.

Prefeitura lançará edital em breve para o lixão do Aurá

A reportagem entrou em contato com a prefeitura para saber se há projetos para os catadores que continuam trabalhando no lixão do Aurá e, também, para o asfaltamento daquela rua.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) informou que será lançado brevemente um edital para "Concessão dos Serviços Públicos Especializados de Limpeza Urbana e Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos do Município de Belém". O edital prevê um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas, “que trata especificamente de questões do “Aterro Sanitário do Aurá”, como a prefeitura chama o lixão.

A Sesan informou ainda “que não tem medido esforços para alcançar o maior número de ruas com ações e serviços, de acordo com o planejamento e orçamento municipal”.

A Secretaria acrescentou que existe um levantamento de vias que necessitam de obras estruturantes e serviços asfálticos, como é o caso da rua. São Cristóvão e avenida Valadares, no bairro do Aurá.

Fumaça começou dia 14 de dezembro, segundo os moradores

Moradores da comunidade Santana do Aurá dizem que o fogo e a fumaça começaram no dia 14 de dezembro. Mas o Corpo de Bombeiros Militar informou que o combate às chamas só iniciou dois dias depois.

No dia 17, a fumaça começou a chamar a atenção da população de Belém, Ananindeua e Marituba, com cheiro forte de resíduos queimados. Na segunda-feira (2), e em nota, a Sesan informou que os pontos de calor, “no aterro sanitário do Aurá”, estão controlados e diminuindo a cada dia.

 

Belém